O ministro dos Transportes, Anderson Adauto (PL-MG), negou quantas vezes pôde suas ligações com a turma da CPA – Consultoria, Planejamento e Assessoria. A empresa foi acusada por uma CPI municipal de participar de um esquema milionário de desvio de verbas na Prefeitura de Iturama, no final da administração do correligionário do ministro e atual senador Aelton José de Freitas (PL) em 1996. O rombo passou de R$ 4 milhões. As denúncias feitas por ISTOÉ na edição 1737 mostraram que as relações de Adauto com os donos da empresa são muito mais próximas do que ele professa. Os novos documentos obtidos pela reportagem indicam que o ministro Anderson Adauto foi sócio formal da turma da CPA em 1997, na empresa Embrapesca, com sede em Belo Horizonte, o mesmo ano em que a CPI em Iturama apurava as irregularidades da gestão de Aelton José de Freitas. Em sua nota oficial, o ministro omitiu o fato e também não contou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva esse elo concreto com os donos da CPA. Defendeu-se com base nas declarações dos procuradores mineiros Jacson Rafael Campomizzi e Arnaldo Alves Soares, de 19 de junho de 2001. Segundo elas, “a única ligação do deputado Anderson Adauto com os fatos em apuração se restringe à locação das salas onde antes se situaram as sedes das empresas”. A sociedade na Embrapesca mostra que sua ligação com a CPA não é uma casualidade. Adauto admitiu, na quarta- feira 22, depois de uma longa conversa com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, que teria de sair do Ministério se estivesse ligado a alguma irregularidade cometida pela CPA: “Se houver alguma ligação concreta entre o ministro e a CPA, eu tenho que ter desconfiômetro.”

A comprovação da parceria entre o ministro Adauto e a CPA está a três quilômetros do Ministério Público mineiro. Mais precisamente na avenida Santos Dumont, 380, sede da Junta Comercial de Belo Horizonte. No dia 19 de junho de 1997, Adauto, então deputado estadual, abriu a empresa Embrapesca – Empresa Brasileira de Pescados Ltda., com o CGC 02.141.597/0001-10. Os sócios dele na empresa: Sérgio Ferreira, Rômulo de Souza Figueiredo e Sérgio José de Souza. Os dois últimos são velhos conhecidos do ministro. Eles estão juntos desde o início da década de 80. Rômulo e Sérgio de Souza também são proprietários da CPA e foram funcionários de Adauto no tempo em que ele presidia a Assembléia de Minas. Ambos chegaram a ser nomeados em cargos estratégicos no Ministério dos Transportes e tiveram de deixá-los após ISTOÉ ter revelado o escândalo em Iturama.

O contrato social da Embrapesca diz que a “administração da sociedade será exercida pelos sócios Sérgio José de Souza, Rômulo de Souza Figueiredo, Sérgio Ferreira e Anderson Adauto Pereira”. O ministro detinha 25% das cotas e os cedeu três meses depois para os sócios remanescentes. A retirada dele do negócio coincide com a reta final da CPI de Iturama, em setembro de 1997. Oficialmente, a empresa permanece ativa até hoje e tem pendências com a Receita Federal.

A Embrapesca foi criada para o “comércio, representações, distribuições e importação de produtos do mar”. Mas o que pode deixar o ministro a ver navios é também a coincidência de endereços, como ocorreu em Uberaba entre Adauto e as empreiteiras Líder, CTO e Coem, denunciadas pela CPI de Iturama. A Embrapesca, segundo o registro oficial, tem sede no luxuoso bairro de Funcionários, em Belo Horizonte, na rua Pernambuco, nº 189, 13º andar, sala 1302. E a matriz da CPA na capital mineira também funciona na rua Pernambuco, nº 189, 13º andar, salas 1301 a 1305. O prédio tem oito anos e, de acordo com o porteiro Nelson Antônio Marçal, que trabalha no edifício desde a inauguração, a CPA ocupava todas as cinco salas do décimo terceiro andar. “Lá funcionava a CPA, mas ela saiu em 1988”, informa Marçal, exibindo uma correspondência recente da Previdência Social destinada a empresa no mesmo endereço da Embrapesca. Uma simples consulta ao sistema nacional de cadastros de pessoas jurídicas da Receita Federal na internet comprova que as duas empresas possuem o mesmo endereço.

Nas três conversas com o presidente Lula sobre o escândalo de Iturama, Adauto reafirmou que tudo não passou de uma infeliz coincidência: a sucessão no aluguel de lojas, no centro de Uberaba, das empresas envolvidas no desvio de verba da prefeitura mineira. Distribuiu cópias do pedido do Ministério Público de Minas sugerindo a exclusão de seu nome das investigações e a decisão de um desembargador conterrâneo acolhendo a opinião do MP. De lá para cá pipocaram indícios de que os sócios da CPA são, na verdade, fiéis colaboradores de Adauto, mas o governo ainda considerava as evidências contra o ministro insuficientes para tirá-lo
do cargo. “O ministro continua ministro e vai combater a corrupção”, anunciou o porta-voz, André Singer, após uma reunião de 40 minutos
no Palácio do Planalto, na noite da terça-feira 21, da qual participaram
o presidente Lula, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o próprio
Adauto e o vice, José Alencar (PL), que o indicou para compor
o Ministério na cota do PL.

No dia seguinte à tarde, Dirceu convocou Adauto ao Palácio pela segunda vez na mesma semana para uma conversa dura. Já haviam chegado ao Planalto os primeiros rumores de que ISTOÉ mostraria a sociedade entre Adauto e seus amigos da CPA na Embrapesca. O novo encontro foi considerado por assessores como uma despedida do cargo. Como deputado eleito, ele será exonerado para assumir o mandato na próxima semana. Para Adauto não há passagem de volta para a Esplanada. “A única coisa que posso garantir é a ida. A volta depende do presidente da República e não posso dizer que volto”, admitiu ele.

A 577 quilômetros de Belo Horizonte, na rua José Andraus Gassani, 4555, em Uberlândia – vizinha de Uberaba –, está instalado o arquivo de listas telefônicas da Companhia de Telefones do Brasil Central (CTBC), a operadora na região do Triângulo Mineiro. Lá está apenas um dos vários exemplares da lista de assinantes de 1994. Em sua defesa, o ministro Anderson Adauto anexou uma declaração da imobiliária Admil, de Uberaba. Por essa declaração, o ministro só teria ocupado as salas das empreiteiras envolvidas no escândalo de Iturama a partir de junho de 1995. Essa declaração serviu de base para o Ministério Público sugerir a exclusão de Adauto das investigações. Mas uma breve consulta aos catálogos telefônicos anteriores a 1995 mostra que os telefones em nome de Anderson Adauto já estavam na rua São Benedito, nº 52, sala 104 desde, pelo menos, 1994. Era lá que Anderson Adauto teria cedido seu escritório para as empresas acusadas no Dossiê Iturama. O número (034) 3123838, que foi acrescido de mais um 3 no prefixo recentemente, ainda hoje está no nome do ministro Anderson Adauto, serve como número-chave de busca automática e está instalado, conforme a lista telefônica do biênio 2002-2003, na avenida Presidente Vargas, 89, onde funciona atualmente o escritório político do ministro no centro de Uberaba.

Na quinta-feira 16, numa entrevista gravada por ISTOÉ, o ministro afirmou que nunca foi sócio de nenhuma empresa e que vivia apenas da política. Uma semana depois, na quinta 23, Anderson Adauto disse a ISTOÉ que é “absolutamente normal” o fato de ele ter uma sociedade com os donos da CPA e também qualificou de “normal” a coincidência dos endereços. O ministro disse que a Embrapesca fechou e não chegou a operar: “Montei efetivamente a empresa de pesca com dois sócios da CPA. Não tenho impedimento ético ou moral para montar uma empresa. Qual o problema de um deputado montar uma empresa para vender peixe?” Ao ser perguntado se a sociedade não seria uma ligação concreta entre ele e os sócios da empresa envolvida nos desvios de verba da Prefeitura de Iturama, ressaltou: “Vocês têm todo o direito de achar que é uma ligação concreta. Eu não acho que seja.” Em relação ao seu telefone na sala 104 da rua São Benedito, em 1994, ele admitiu, também ao contrário do que disse antes, que estava lá antes de 1995. “Eu tinha uma salinha só no início do corredor”, afirmou.

Trapalhada – Apesar das evidências, o ministro Adauto não perdeu o apoio de seu partido. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, saiu em sua defesa. “Eu ponho a mão no fogo por ele. O partido e a bancada põem a mão no fogo por ele”, arriscou Valdemar, empenhando a palavra de outros 25 deputados que não pensam exatamente como ele. Costa Neto acabou se queimando com o chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu. Atabalhoadamente, garantiu que havia entregue uma cópia do Dossiê Iturama a um funcionário do então deputado Dirceu. O ministro não gostou da declaração e imediatamente negou que tenha recebido qualquer documento. José Dirceu e o presidente Lula receberam apenas explicações do próprio ministro Adauto. Quem teria recebido cópias do Dossiê Iturama, através do ex-presidente do PL de Iturama, Isaac Albino da Silva, foram os gabinetes do corregedor do Senado, Romeu Tuma (PFL), e o então gabinete de senador e atual vice-presidente, José Alencar. Isaac sofreu represálias da cúpula do partido – o PL de Iturama está sob intervenção desde o surgimento do escândalo. “Eu denuncio e quem paga sou eu?”, indigna-se exibindo as assinaturas que comprovam o recebimento das denúncias no dia 27 de novembro do ano passado, antes da indicação do nome de Adauto para o Ministério dos Transportes. A reportagem confirmou com a direção do Senado que os funcionários que assinaram os recibos trabalham nos locais indicados, o ex-gabinete de José Alencar e a Corregedoria.

Quanto ao seu futuro no governo, Adauto disse a ISTOÉ que a questão de ser ministro não estava nos seus planos. “Foi uma honra para mim participar do governo Lula, mas eu não estou preso a essa condição. Não estou naquela linha de que eu tenho que continuar ministro. Muito pelo contrário. Eu entendo que, a partir do momento em que alguém tenha um mandato, como eu passo a ter, isso é missão. Como missão eu fico. A partir do momento que não é assim, eu não tenho que ficar. A volta não é um processo unilateral. A explicação que eu precisava dar ao governo eu dei ao chefe da Casa Civil.” No entanto, para os principais assessores do presidente Lula, Anderson Adauto está em contagem regressiva. A saída é tão certa que já há um forte movimento no Planalto para que a pasta fique com o ex-governador do Rio Grande do Sul, o petista Olívio Dutra (RS), que abriria a vaga do estreante Ministério das Cidades ao PL.

NEGÓCIO EM FAMÍLIA

Os dois sócios da CPA, Rômulo de Souza Figueiredo e Sérgio José
de Souza, têm certa predileção por fazer negócios com a família
do ministro Anderson Adauto. A irmã do ministro, Sueli da Graça Pereira de Almeida, também foi sócia de Sérgio José. Em novembro
de 1991, ela associou-se a ele na empresa Goldphone Service,
de eventos. Antes, em julho de 1991, a Goldphone se chamava
Souza Hueb Representações e tinha como sócios o próprio Sérgio
José e Flávio Souza Hueb. Sueli Pereira entrou na empresa comprando todas as ações de Flávio Hueb e parte das cotas pertencentes
a Sérgio. A denúncia foi publicada na edição desta sexta-feira
24 do jornal Estado de Minas.

De acordo com o jornal, foi dessa empresa que Adauto declarou
ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas ter comprado um Voyage no valor de R$ 5 mil. A reportagem informa ainda que a Goldphone passou a se chamar CPA Rent a Car e mudou de ramo, dedicando-se à locação de bens móveis e veículos novos e usados. Em novembro
de 1996, Sueli Pereira vendeu suas cotas para Rômulo de Souza Figueiredo. Segundo o jornal, a empresa mudou sua sede de Uberaba para Belo Horizonte, à rua Pernambuco, 189, sala 1301, onde também funcionou, a partir de 1997, a CPA e a Embrapesca, que teve como sócio o ministro Anderson Adauto.
Weiller Diniz

Na página 24 da edição 1738 de ISTOÉ, a reportagem “Intimidade explosiva” identificou Rômulo de Souza Figueiredo, à esquerda na foto ao lado, como um dos donos da CPA e ex-assessor do ministro dos Transportes, Anderson Adauto. Apesar da semelhança dos biotipos, como se constata no detalhe da reprodução (à esq.), quem aparece atrás do ministro carregando
a mala não é Rômulo de Souza. Trata-se de José Hernando
Lemos, um correligionário político de Adauto e ex-prefeito
do município de Cascalho Rico.