Quando um autor considerado difícil, como o português José Saramago, chega ao topo das listas dos livros mais vendidos, algo de muito bom deve estar acontecendo no universo literário do País. É o caso de O homem duplicado (Companhia das Letras, 316 págs., R$ 36), obra de enredo tão engenhoso quanto perverso, como costumam ser as histórias de Saramago. Descreve a estranha situação de um homem de vida absolutamente pacata – um professor de história do ensino médio, sem maiores veleidades intelectuais – que, ao assistir a um vídeo medíocre, descobre ali o seu duplo, um ser exatamente igual a ele, nos mínimos detalhes e cicatrizes, mas que ganha a vida como ator secundário em filmes baratos.

A perplexidade da descoberta, confirmada ao longo de minuciosa e obsessiva pesquisa, envolvendo amores mal resolvidos e rotinas modorrentas, acaba por transformar-se numa espécie de autocrítica no espelho, uma vingança das próprias deficiências de um homem que se sabe e se autopreserva limitado. O complexo universo psicológico deflagrado no cerne desse homem transtornado resulta em um desfecho folhetinesco que não faria feio numa minissérie de produção sofisticada. Claro que, em se tratando de Saramago, toda primeira conclusão é precipitada. Lá nas entrelinhas, permeando a rica estrutura que o autor constrói, o espalhafato do roteiro esconde um polpudo universo de nuances psicológicas que encaminha o personagem ao desfecho previsível. Mas não é o mistério o mais importante, e sim o processo.