Sapos, corujas, caixas de fósforo, maços de cigarro, latinhas de cerveja, roupas de guerra e até escovas de dentes. Tudo pode virar objeto de coleção e quanto mais estranho e diferente, melhor. Não se trata de profissionais que buscam objetos de arte, selos ou moedas raras para trocas comerciais, mas sim de aficionados de todas as áreas que fazem do hábito de juntar objetos uma motivação muito particular. A primeira peça pode ter vindo por relembrar um antepassado, um momento de vida e até por obra do acaso. Sim, o acaso é citado por muitos desses colecionadores domésticos para explicar o início de sua mania. Um olhar psicológico diz, no entanto, que o ato de colecionar pode ter vários sentidos: o de estabelecer uma marca própria, o de estreitar laços e simplesmente o de divertir. “As peças podem não ter valor comercial, mas para seu dono indica algum tipo de sucesso ou prazer. É uma forma de deslocar a atenção de formas mais complicadas de prazer para algo mais simples”, explica a psicanalista Miriam Debieux Rosa, professora de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Para a pedagoga Maria Lúcia Vasconcelos, 53 anos, coordenadora da pós-graduação do Mackenzie em São Paulo, pode-se dizer que funciona como uma forma de identificação. Ela encheu a casa de corujas. Tem 178 itens – cinzeiro, almofada, quadro, saboneteira – com forma ou motivos da ave. Tudo começou há 29 anos, quando se casou. Um dos padrinhos deu a ela uma coruja de pedra brasileira. “Eu já tinha uma do México. Coloquei as duas na mesa da sala. Um outro amigo viu e me deu a terceira”, conta ela. Maria Lúcia se orgulha de ter ganho as peças que se transformaram em símbolos de amizade. “Meus amigos vêem uma coruja e lembram de mim. Todas elas têm uma etiquetinha com a data e a pessoa que me deu”, diz ela.

Uma coleção é muito mais que uma reunião de objetos da mesma natureza ou que têm qualquer relação entre si, como consta no dicionário Aurélio. Ao se juntarem, os objetos vão agregando valor afetivo e atendendo a anseios comuns de todo ser humano. Acumular pertences é também uma forma de preservação, afinal é comum que as coleções passem de pai para filho. Também é uma forma de diversão pura. Com todo o seu ecletismo artístico, o compositor, dramaturgo, diretor e produtor musical Guga Stroeter – que mistura jazz, funk, salsa e samba em sua banda – tem uma coleção especialíssima. Ele mantém em seu banheiro 40 escovas de dentes. Detalhe: todas na cor verde-água. Um acervo cultuado há dez anos. “É apenas uma brincadeira sem pé nem cabeça”, afirma. Stroeter diz que, ao contrário da maioria dos colecionadores, não despreza a função primordial de suas peças. “Eu as uso, cada dia pego uma. Gosto de design e as escovas têm sua elaboração. Assim como na minha obra, na vida eu procuro humor no clássico. São pequenos espaços de liberdade”, teoriza.

As coleções – mesmo aquelas que não são usadas por seus donos – têm também um sentido prático. Foi esse hábito, registrado desde a pré-história, que deu origem aos museus. “Encontrados em grutas, fragmentos de objetos de pedras mostram que nossos antepassados distantes tinham o hábito de acumular”, relata a museóloga Maria Cristina Oliveira Bruno, da Universidade de São Paulo. Segundo ela, nas bases dessa atitude estão a preocupação com a transitoriedade e a manifestação de poder. “Nos prendemos às coisas para que elas nos dêem continuidade, perpetuem a nossa existência. Ter algo raro e valioso não deixa de ser uma forma de grandiosidade, mas o valor comercial é apenas um desdobramento de nossas necessidades emocionais”, explica.

Para Jaime Antas de Abreu Neto, 51 anos, a coleção funcionou exatamente nesse sentido. Num quarto destinado para isso, ele mantém centenas de peças e fardamentos utilizados em guerras. O gosto pelas fardas é uma herança e tem origem nas histórias contadas pela bisavó. Enfermeira da Cruz Vermelha na Primeira Guerra Mundial, ela se casou com um soldado prussiano, que deixou para Jaime sua maior relíquia: uma carabina. O material, chamado de militaria, foi garimpado em viagens pelo mundo, mas a coleta inicial foi doméstica. “Aos 12 anos, comecei a recolher peças com as pessoas da família”, conta ele. As últimas aquisições do colecionador foram dois capacetes, um israelense e outro da Organização das Nações Unidas (ONU). Agora, cobiça um fardamento americano usado na campanha do Afeganistão. Sua paixão, no entanto, não significa que ele vibre com as guerras. “As próprias peças nos trazem o poder de destruição, sacrifício e sofrimento imposto pelos conflitos. Torço para que um dia elas sejam realmente apenas peças de museu”, conclui.