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LEGADO A Justiça pedirá a venda dos bens do ex-prefeito para devolver dinheiro aos cofres públicos

O poeta inglês John Donne (1572-1631) ficou famoso por acreditar que a morte de cada homem diminui a todos nós, pois fazemos parte de algo maior, a humanidade. O autor do verso “por quem os sinos dobram”, porém, ficaria estarrecido com a morte do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, aos 63 anos, na sexta-feira 20, dia da Consciência Negra. Treze anos depois de consagrar-se como o primeiro negro eleito para administrar a maior cidade do País, com 3,3 milhões de votos, Pitta foi enterrado no cemitério Getsêmani por cerca de 30 pessoas, sendo algumas meros curiosos em torno de um caixão que consideravam célebre. Nos jornais, a notícia não passou de meia página.

Dois dias após ter a vida interrompida por um câncer no intestino, o ex-prefeito tinha o nome lembrado por dois tímidos anúncios que convidavam para uma missa de sétimo dia. Poucos se sentiram menores com a sua morte. No entanto, Pitta deixou um legado nada pequeno.

Sob acusações de corrupção durante uma década, as principais delas feitas por sua ex-mulher, Nicéa Camargo, o ex-prefeito deixou na Justiça 21 processos – 4 ações cautelares e 17 por improbidade administrativa. O valor envolvido: R$ 4 bilhões. Seus bens declarados à Receita Federal estão bloqueados. Em 2006, o Ministério Público paulista repatriou mais de US$ 1 milhão depositado no Exterior. “Continuamos atrás de outras possíveis contas do ex-prefeito lá fora”, revela Saad Mazloun, um dos promotores estaduais responsáveis pela descoberta do dinheiro. Se ninguém ficou menor com sua morte, ninguém também ficará maior, ou melhor, mais rico. Nos próximos dias, o MP paulista entrará com o pedido de execução provisória dos bens do ex-prefeito – dois carros e dois apartamentos – que somam pouco mais de R$ 1 milhão.

Os amigos mais notáveis presentes a seu enterro foram um ex-secretário municipal e o megainvestidor Naji Nahas. Nem mesmo o deputado Campos Machado, presidente do PTB paulista, sua última legenda, foi ao cemitério. “Meu marido foi o Judas da política”, disse a empresária Rony Golabeck, com quem Pitta casou depois da separação litigiosa com Nicéa. “Vou escrever um livro e contar toda a história”, promete ela. Segundo Rony, Pitta foi vítima de uma armadilha política. Se a primeira mulher de Pitta destruiu a reputação de muitos políticos tradicionais, Rony pode remexer o passado e causar novos estragos. Nos bastidores, há quem garanta que Pitta possuía fitas e documentos que comprometem empresários e políticos.

Até hoje respondendo a processos originados pelas denúncias de Nicéa, o padrinho político do prefeito, o deputado Paulo Maluf (PP-SP), resumiu sua dor pela morte do afilhado em um telegrama de três linhas. Pitta foi diretor financeiro da Eucatex, empresa da família Maluf, de onde foi catapultado para uma carreira política meteórica. E estratégica. Sem direito à reeleição, Maluf elegeu Pitta e a manutenção no poder da capital paulistana foi fundamental para sua eleição de volta à Câmara dos Deputados, onde garante a imunidade parlamentar.

O próprio Pitta, porém, nunca conseguiu eleger-se deputado depois do rompimento com o mestre. Em 2002, teve apenas 87 mil votos. Em 2006, parou em 7 mil. Sem poder, faltaram-lhe amigos. E também dinheiro. Ao contrário daquela vida nababesca e incompatível com seu patrimônio, que a própria Nicéa denunciou, Pitta começou a reclamar de falta de recursos.

Para tentar se reerguer, ele comprou quotas na empresa Fundamentals Consultoria e Participações S/C Ltda., e começou a dar consultoria em investimentos. Os negócios iam bem até julho de 2008, quando a Operação Satiagraha da Polícia Federal bateu à sua porta e o levou algemado para a prisão. Foi acusado de envolvimento em um suposto esquema de lavagem de dinheiro. Em abril deste ano, quando teve a prisão decretada por não pagamento de pensão à ex-mulher, a dívida acumulada há meses superava os R$ 100 mil. Nicéa, por sua vez, não conseguiu pagar as taxas de condomínio do luxuoso apartamento no bairro dos Jardins onde viveu com o ex-marido por vários anos e perdeu sua propriedade.

Segundo um integrante do PTB, as despesas do Hospital Sírio-Libanês, onde Pitta ficou internado por 17 dias, foram pagas por “um doleiro amigo” do prefeito e um de seus principais financiadores de campanha. Procurado por ISTOÉ, Naji Nahas não negou nem confirmou que essa pessoa benevolente fosse ele. Foi lacônico: “Ele morreu pobre, sem nada, foi um injustiçado.” A situação de penúria era tal que Pitta, garantem três fontes ouvidas por ISTOÉ, ficou sem dinheiro para pagar seu tratamento de quimioterapia durante os últimos 11 meses. Já as despesas da banca de advogados – eram mais de três profissionais para todos os processos – ficaram para ser quitadas, talvez, pelo mesmo protetor. Talvez o único que tenha absolvido Pitta depois da morte.

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