O brasileiro paga uma das tarifas de energia mais caras do mundo. Mas, em alguns Estados, como no Pará, amarga até 82 horas por ano no escuro. Este é também um dos maiores índices de interrupção do planeta. Um morador do Rio Grande do Sul ou de Goiás sofre corte de 23 horas. Nos grandes centros, como São Paulo ou Rio de Janeiro, o blecaute, em média, dura de nove a 11 horas. Segundo quem estuda as complicadas ligações do setor energético, nada justifica esse serviço precário. Depois do apagão do dia 10, quando mais de 90 milhões de pessoas padeceram nas trevas, várias cidades passaram a viver mais tempo sem luz em horários alternados. São os “apaguinhos”. Na quarta-feira 25, foi a vez de Brasília e a escuridão surpreendeu o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em meio a uma palestra sobre a crise financeira global para empresários. Ele foi obrigado a reconhecer: “Não há dúvida de que um dos grandes desafios do Brasil é continuar os investimentos em infraestrutura.”

“Continuar” soou como um eufemismo. O País demanda investimentos muito mais pesados e efetivos. A maior prova é o caso do Rio de Janeiro, onde o corte de energia localizado tem sido diário. Por dois dias seguidos, 12 mil consumidores distribuídos entre os bairros da zona sul – já abarrotados de turistas nesta época do ano – e da zona norte ficaram sem luz. A Light, concessionária responsável pela distribuição, culpa o acaso. “Houve um curto-circuito que desligou três alimentadores justamente no horário de maior consumo”, explica o presidente da empresa, José Luiz Alquères. Nos dias que se seguiram, no entanto, blecautes continuaram a ocorrer em diferentes pontos da cidade. Além do Rio, também São Paulo, Bahia, Amazonas e outros Estados têm sofrido com a falta de luz.

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SURPRESA Meirelles faz palestra no escuro e, no Rio de Janeiro, cortes diários são a prova de que há algo de errado no setor elétrico

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que fiscaliza o setor, pediu explicações às concessionárias e apura as responsabilidades. Mas nem mesmo as causas do primeiro apagão foram identificadas. Para piorar, em audiência realizada no Senado na quinta-feira 26, Hermes Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), descartou a adoção de um sistema de segurança antiblecaute, que custaria R$ 600 milhões por mês. “Isso é antieconômico”, concluiu.

O relatório detalhando as causas do apagão só deverá ficar pronto nos próximos dias. Quanto aos “apaguinhos”, a Aneel ainda cobra explicações. O físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, acompanhou a audiência no Senado. Ele acha que o incidente do dia 10 foi uma fatalidade, mas pede a modernização do sistema. “É preciso adotar o monitoramento inteligente que é usado no Exterior”, diz ele. “Através de computadores e sensores é possível controlar de forma mais eficaz o que acontece nas linhas de transmissão.” Pinguelli classifica como “precário” o sistema de distribuição de energia no Brasil.

Em São Paulo, houve queda de luz no domingo 23 que atingiu os bairros do Paraíso e Aclimação. O blecaute durou cerca de três horas. A Eletropaulo, assim como a Light, também culpa as forças da natureza: informou que a causa foi a queda de um galho de árvore nos fios da rede elétrica. No mesmo dia, parte do centro ficou sem luz por seis minutos, em decorrência de um problema no transformador da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista. Ambas as empresas não souberam precisar quantas pessoas foram afetadas. Outras cidades paulistanas sofreram igualmente com a interrupção de energia, como Guaratinguetá. “Isso tem a ver com as condições de tempo e ventania, inundações e manutenção preventiva”, explica o professor José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Ele chama a atenção para a necessidade de manutenção nos equipamentos, para que as chuvas torrenciais que ocorrem nessa época não inundem os condutos do subterrâneo. “A sensação que se tem é que tudo é muito precário, a manutenção preventiva não está sendo feita de acordo.”

A região Norte é onde os cortes de energia são mais frequentes. A população de Manaus sofre diariamente com isso. “Aqui, temos um sistema antigo em uma cidade que cresceu desordenadamente. Não foi feito nada para atender à demanda – que é altíssima, especialmente por causa das indústrias”, diz Maurílio Pinto Leite, da diretoria de operações da Amazonas Energia. Para resolver o problema, a empresa pretende digitalizar o sistema, investiu este ano R$ 211 milhões e prevê injetar mais R$ 800 milhões em 2010. No Nordeste, um dos maiores focos de preocupação é a Bahia, onde ocorreram blecautes na terça-feira 24 e na quarta-feira 25, atingindo 81 municípios o sul e sudeste do Estado. Em resposta à Isto É, a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) enviou nota em que atribui a interrupção a um problema da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf).

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