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SENTIMENTOS
Bruno não admitia que estava mal. Maria Goreti teve ajuda para controlar o pânico

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Uma doença sinaliza a fragilidade da vida. Diante de um difícil diagnóstico, como um tumor, ou uma disfunção que nos obriga a uma vigilância constante, como a diabetes, o corpo e a mente são obrigados a se adaptar à nova condição. A certeza anterior de um organismo saudável, autossuficiente, entra em xeque. Quando essa adaptação é tardia, há o risco de negação de sinais evidentes de debilidade. Ou, em outro extremo, de invenção de sintomas. A medicina há muito tempo pesquisa a influência de estados mentais na manutenção – ou perda – do equilíbrio biológico. Agora, uma pesquisa realizada pela Universidade Kentucky, nos Estados Unidos, avança em outro sentido. O trabalho mostra como um corpo antes doente pode condicionar a mente, mantendo-a presa a um estado de doença mesmo depois da cura, gerando o medo de adoecer novamente.

Os cientistas analisaram a reação de 96 indivíduos – parte sadia e parte enferma meses antes – à exposição de diferentes imagens. Aqueles recentemente doentes tenderam a evitar fotografias de pessoas e situações que, em tese, poderiam torná-las doentes novamente. As que não enfrentaram nenhuma condição de debilidade não apresentaram diferença no tempo de reação a essas imagens. “Quando adoecemos, tendemos a demonstrar preconceitos contra pessoas culturalmente associadas a doenças – como os mais velhos e os estrangeiros”, explicou o psicólogo Saul Miller, coordenador da pesquisa.

Uma explicação para esse tipo de constatação está no fato de que, após adoecer, o organismo pode ser capaz de instaurar uma espécie de vigilância patológica. “O corpo entra em estado de alerta e elabora mecanismos de adaptação quando ficamos doentes”, explicou a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da seção brasileira da International Stress Management Association, organização internacional de manejo do estresse. A especialista lembra-se do caso de uma paciente de câncer que, mesmo curada, ao chegar no mesmo andar do hospital onde havia recebido o tratamento sentia intenso mal-estar.

O mais comum é que reações de medo se instaurem em pacientes que, ao demonstrarem pânico após um difícil diagnóstico, não recebem tratamento adequado. A dona de casa Maria Goreti Leitão, 47 anos, de São Paulo, diz ter tido sorte de haver feito terapia quando recebeu a notícia de que estava com tumor de mama, dois anos atrás. “Eu sentia muito medo”, lembra “Tive episódios de pânico, não conseguia andar de metrô.” Com psicoterapia e medicação, ela enfrentou o tratamento e hoje se sente fortalecida. “O paciente de câncer tem de encarar a morte. É inevitável que tenha reações, que vão de uma leve ansiedade a crises de pânico”, diz Maria Teresa Lourenço, responsável pela área de psico-oncologia do Hospital A. C. Camargo, de São Paulo, referência no tratamento da doença.

A fuga da realidade e a negação da doença também são exemplos de medo que podem prejudicar o tratamento. “É comum, por exemplo, após um infarto o paciente apresentar uma reação refratária aos fatos. Muitos não entendem os riscos”, diz o cardiologista Marcelo Sampaio, do Hospital Oswaldo Cruz, de São Paulo. Também são observadas histórias inversas: quando o temor de sofrer um novo problema cardíaco é tamanho que qualquer sinal mais diferente do corpo é confundido com um infarto. Essa situação tem se tornado tão frequente que, na cardiologia, cresce o número do chamado diagnóstico diferencial de pânico: quando o paciente chega ao hospital acreditando estar tendo um infarto, mas, na verdade, passa por um episódio de pânico – há sintomas semelhantes, como suor excessivo e falta de ar.

Em casos mais sérios, o pânico pode impedir que o indivíduo procure ajuda. O fotógrafo Bruno Zanardo, 29 anos, de São Paulo, esteve perto disso. No final de 2010, ele foi levado a um hospital queixando-se de um mal-estar. Lá descobriu que sofrera um infarto silencioso e, como diabético, apresentava um quadro de acidose metabólica – quando o corpo passa a queimar gordura para obter energia, liberando ácidos tóxicos no corpo. Seus rins também estavam quase parando de funcionar. Bruno só recebeu ajuda porque cedeu à insistência da namorada, que notava que as coisas não iam bem. “Eu não queria saber detalhes, só queria trabalhar”, diz. “Não assumia que estava mal”, admite, hoje recuperado.  

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