Véspera do réveillon de 2001 para 2002. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) recebe em sua casa de Angra dos Reis, no litoral sul no Rio de Janeiro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Nelson Jobim, e o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Entre doses de uísque e canapés, Miro vira-se para Jobim e dispara: “Quando é que o tribunal vai responder minha consulta sobre as coligações partidárias? O candidato de vocês (José Serra, do PSDB) pode ser o grande beneficiado.” A resposta veio esta semana, na terça-feira 26, às 22h45, quando o TSE anunciou que as coligações nos Estados devem obedecer às alianças feitas para as eleições presidenciais. A chamada verticalização dos acordos eleitorais acabou se tornando a mais importante alteração nas regras do jogo político dos últimos anos. Partidos que até então davam como certas suas candidaturas à presidência e alianças com outras legendas nos Estados já não sabem se terão condições de disputar a eleição presidencial ou se serão obrigados a desfazer as alianças regionais. Nomes em franco crescimento nas pesquisas, como a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), e o governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), poderão ser forçados a desistir. Legendas poderosas, como o PMDB, podem optar por ficar fora de qualquer aliança nacional e até mesmo sem candidato. Partidos nanicos e microlegendas de aluguel, que sempre lançavam candidatos à Presidência para negociar com outras legendas seu espaço na tevê, agora simplesmente não devem aparecer em rede nacional.

Uma mudança tão abrupta nas regras, é claro, teria que provocar indignação nos jogadores. “É quase um golpe”, protestou Roseana Sarney. “Uma aberração”, bateu Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É tendencioso. Uma armação!”, acusou Garotinho. Mais brando, Ciro Gomes (PPS) considerou a decisão “intempestiva”. A amizade entre Jobim e Miro acabou sendo alvo de desconfianças e insinuações. O convescote do Ano-Novo, por exemplo, já é do conhecimento de Garotinho, que batizou a decisão do TSE de “Lei de Angra”. As acusações contra Jobim se baseiam no fato de ele ter sido ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e ter morado no mesmo apartamento que o candidato do PSDB, José Serra, considerado um de seus maiores amigos em Brasília. “O casuísmo é o resultado da ação da ancada do líder do governo no TSE, o Jobim. Ele manobra para ajudar o Serra”, acusa o deputado José Genoíno (PT-SP), acrescentando: “Agora nós temos o TSGE, Tribunal Superior do Golpe Eleitoral.”

Jobim, de fato, já estava de olho na consulta que Miro apresentara ao tribunal em agosto. Em setembro, o Ministério Público opinou pela liberdade das coligações e o tema só voltou a ser tratado pelos ministros na sessão de 27 de novembro. O relator Garcia Vieira chegou a defender a liberdade das coligações. Jobim fez um apelo para o colega rever o voto e sugeriu que o próprio procurador Geraldo Brindeiro também alterasse sua posição. Brindeiro não aceitou, mas Garcia Vieira concordou. Na reunião da terça 26, sob a coordenação de Jobim, a decisão do TSE foi de goleada. Cinco ministros votaram pela verticalização das coligações e apenas dois foram contra, entre eles o ministro Sepúlveda Pertence.“Ainda que houvesse dúvida jurídica, o jogo político já começou”, alertou Sepúlveda. Nelson Jobim minimizou: “Estamos a três meses das convenções. O que há hoje são apenas conversas.” Além do relator, Garcia Vieira, a bancada do governo a que se referiu Genoíno é formada pelos ministros Luis Carlos Madeira, Ellen Gracie e Fernando Neves, este último pensando na renovação do contrato com TSE, já que seu mandato vence em junho. O Congresso pode até recuar, mas por ora anuncia a revanche para anular a decisão do TSE. “O tribunal roubou o apito, que é do Congresso”, protesta o líder do PMDB, Renan Calheiros. “O jogo é no campo, não no tapetão”, diz a senadora Heloísa Helena (PT-AL). A revolta dos parlamentares foi levada pelo presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello. Nas conversas reservadas Marco Aurélio tem dito que o TSE errou jurídica e politicamente.

Revolta – No dia em que o TSE virou a sucessão de cabeça para baixo, o senador José Sarney (PMDB-AP), uma espécie de líbero da candidatura da filha Roseana, se queixava das caneladas recebidas do governo. Uma das táticas tucanas para murchar a bola do PFL envolve críticas explícitas à hiperinflação da era cruzado, de Sarney. Uma tentativa de desarrumar o meio campo pefelista vinculando Roseana ao pai. “Um plano não tem sucesso garantido só porque muda o nome da moeda”, espetou FHC na Polônia após criticar Dílson Funaro, ex-ministro de Sarney. “Insultar o Maranhão não deu certo, agora querem partir para cima de mim. O que está em julgamento é o governo Fernando Henrique. Eu já fui avaliado. A troca da moeda elegeu FHC senador e deu oito milhões de votos ao Mário Covas”, rebateu Sarney. Indignado disse mais: “E essa campanha do governo, vale-gás, vale isso, aquilo. É o vale tudo”, numa alusão à mudança das regras capitaneada pelo TSE. Com a temperatura aumentando em campo, a primeira baixa pode ser emblemática. O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (MA), que já entregou a carta de demissão, deve ser o primeiro pefelista a ficar com passe livre antes do prazo e engrossar o coro da candidatura da irmã. “Temos de deixar o Ministério. A inimigos não se pede nem demissão. Com o PSDB não tem volta”, engrossa o líder pefelista no Senado, José Agripino Maia (RN), revelando o belicismo agravado após decisão do TSE. Os pefelistas acusam FHC de atuar nos bastidores para mudar a interpretação da lei e tentar polarizar a eleição, já no primeiro turno, entre um time governista e o combinado oposicionista.

Cataclisma – A decisão do TSE teve o efeito de um terremoto em todos os partidos. A maioria deles, além das vaias para a decisão dos juízes, entra no vestiário para contabilizar o perde-e-ganha com a guinada. Vão sobrar contusões e beneficiados em todos os Estados e em todos os times. Mas, na disputa nacional, uma avaliação é unânime. A decisão da Justiça anaboliza o candidato José Serra na medida em que ameaça isolar Roseana. A idéia é que, com candidatos fracos nos Estados, o PFL necessita de coligações, o que o obrigaria a abandonar a candidatura presidencial. O mesmo raciocínio vale para Garotinho. E os cartolas do Planalto também acreditam que Lula perderá o apoio do PL. Mas os petistas e até Miro Teixeira prevêem que a decisão do TSE poderá reagrupar as oposições em torno do PT. Tanto mais se o time de Ciro Gomes for desfalcado do PTB. “O tira-teima da eleição é voto, não as regras”, dribla o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC). A situação mais confortável é a do PMDB, que cobiça uma camisa de vice do PFL ou do PSDB, quem estiver melhor na tabela. O PMDB assume o papel de fiel da balança. A cúpula quer esvaziar a bola dos pré-candidatos Itamar Franco, Raul Jungmann e Pedro Simon, que se inscreveram para as prévias. Estes afirmam que a decisão do TSE favorece a candidatura própria. Como os dois grupos não se entendem, o partido pode ficar sem candidato e sem aliança na eleição presidencial. Teria liberdade para negociar nos Estados com qualquer time de qualquer legenda. O PL, que estava de afagos com o PT, já escancara as portas para vestir outros uniformes: “Quero eleger o Francisco Rossi governador em São Paulo. Lá a Roseana não tem palanque, talvez seja melhor fecharmos com ela”, raciociona o presidente do partido, Valdemar Costa Neto. Cotado para vice de Lula, José Alencar (PL-MG) resolveu sair de campo por alguns dias e cuidar de problemas de saúde.

Lições de futebol – As reviravoltas políticas parecem mesmo coisa de futebol. Na década de 70 o técnico João Saldanha vetava os jogadores sugeridos pelos generais. O presidente FHC esqueceu o constrangimento e também
atuou como treinador. Publicamente pregou a convocação de Romário. Não deu certo, por enquanto. Mas no campo da política vem conseguindo emplacar algumas jogadas, como, por exemplo, fazer de Serra o candidato titular do governo. Mas no lance do TSE ainda não dá para festejar o gol. “Os tucanos podem estar comemorando uma burrada. Todas essas avaliações podem dar errado e a jogada deles se revelar um gol contra. Veja como os governadores do PSDB estão atônitos” alerta o presidente do PPS, Roberto Freire (PE). Cartola na vida real, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PPB-SP) ironiza, parodiando Garrincha: “O FHC e o Serra jogaram para as sociais, falta agora combinar com a geral, com os russos.”