Uma das cidades mais festivas do Brasil virou palco de um megaevento: um encontro entre artistas e agentes culturais que estão fora da indústria, o único festival brasileiro – e dos maiores do mundo – de
arte independente. A quinta edição do Mercado Cultural Mundial, que agitou Salvador na primeira semana de dezembro, trouxe este ano
uma novidade: o Fórum Cultural Mundial, marcado para julho de 2004
em São Paulo. Desde a criação do Mercado em 1999, a capital baiana reúne intelectuais e autoridades mundiais para discutir política e
indústria cultural, desenvolvimento sustentável e inclusão social por
meio da arte. Conferências, debates e palestras complementam a
intensa programação de espetáculos de artistas, bandas e grupos independentes de vários cantos do mundo, que se encontram e fazem contatos com produtores, empresários e agentes culturais. O objetivo do Mercado é dar visibilidade e ajudar a difundir trabalhos autorais e regionais desconhecidos do grande público, uma vez que não encontram espaço na mídia. A iniciativa deu certo e a partir daí nasceu o Fórum, que, além do apoio do poder público, já conta com o patrocínio da Unesco, da Fundação Ford e da Petrobras, um enorme mutirão para promover a cultura e o desenvolvimento socioeconômico dos países, sobretudo os da África e América Latina.

“O Fórum está centrado na questão cultural como um dos três caminhos para o desenvolvimento sustentável”, explica o presidente do evento e diretor regional do Sesc-SP Danilo Miranda. Para garantir a eficácia das ações que serão propostas no Fórum será adotada a mesma logística do Mercado, que nasceu de redes virtuais formadas por agentes culturais. Será lançado um portal na internet que proporcionará a integração entre os agentes dos diversos países e compartilhará informações em rede, por meio de um software com um banco de dados completo. “Os movimentos de protesto antiglobalização usaram a internet para se comunicar. Informação é a moeda deste século e o Brasil pode usar essa riqueza a seu favor”, defende o agitador cultural Ruy Cézar Silva, idealizador do Mercado e um dos organizadores do Fórum. Partindo da premissa de que informação significa dinheiro, a proposta do Fórum é fazer uma espécie de distribuição de renda por uma via alternativa. “O Brasil sai na frente em termos de riqueza cultural e artística. Temos que valorizar isso, parar de reclamar e apresentar só pobreza ao mundo, um problema que, claro, tem que ser resolvido, mas que afinal todos enfrentam de uma forma ou de outra. Basta ver o Leste da Europa”, completa Ruy.

Pobreza, a comunidade de Felipe Camarão, em Natal (RN), conhece bem. Mas foi dali que saiu uma das atrações da quinta edição do Mercado. Manoel Lopes Galvão, mais conhecido como Manoel Marinheiro, 72 anos, é mestre do tradicional Boi de Reis e se apresentou com sua turma na quarta-feira 3. Ele encantou o público com a animada manifestação folclórica, típica do Estado onde nasceu. Há cerca de dois anos, a ONG Terramar iniciou o projeto Conexão Felipe Camarão com o objetivo de promover a construção da identidade cultural do Rio Grande do Norte e a inclusão social da comunidade local. Hoje, 180 jovens de oito a 22 anos participam das oficinas de flauta, percussão, boi de reis, costura e adereços. Além disso, fizeram o jornal Coisa Nossa, que está na sua primeira edição. “Foi feita uma verdadeira revolução social em Felipe Camarão. Os meninos não tinham perspectiva e agora descobriram que são capazes, recuperaram a auto-estima”, conta Vera Santana, coordenadora do programa, que começou sem apoio e hoje tem patrocínio de gigantes como Petrobras, Unicef e BNDES. Este ano, Manoel Marinheiro recebeu do Ministério da Cultura o título de Patrimônio Imaterial Brasileiro. E na sexta-feira 19 lança o primeiro registro do Auto do Boi de Reis em CD, resultado de um concurso promovido pela Petrobras que premiou 12 projetos escolhidos entre 425.

Difusão – O diálogo entre os diversos ritmos e tendências de várias épocas e regiões, aliás, foi o tema do quinto Mercado Cultural. Quem esteve lá viu desde samba de raiz até música eletrônica misturada com rock, passando pelo forró, performance de dança da Venezuela, recital de poesia e uma big band americana. Cerca de 100 mil pessoas disputaram ingressos para assistir às apresentações que ocorreram em teatros abertos e fechados, praças públicas e ruas. Enquanto isso, intelectuais, empresários e autoridades do mundo se reuniam em salas fechadas, discutindo políticas culturais, o uso das tecnologias para a difusão da arte, desenvolvimento social e integração econômica. Pluralidade típica do Brasil. Não é à toa que o País que sediou por três anos o Fórum Social Mundial há cinco recebe o Mercado e agora também promove o Fórum Cultural Mundial. A sociedade, aos poucos, começa a perceber que não adianta só cobrar ações do poder público e que onde falta esse amparo tem que sobrar união.