O que aparece é bom, o que é bom aparece. A máxima sugerida pelo livro Sociedade do espetáculo – prognóstico feito pelo francês Guy Debord na década de 60 para um “tempo que prefere a imagem à coisa, a cópia ao original” – se reveste de atualidade num sonho coletivo: virar celebridade, viver um personagem público. A busca pela fama é o tema da pesquisa exclusiva realizada para ISTOÉ pelo Instituto Qualibest em todo o País, na qual 40% dos 414 entrevistados assumem o desejo de sair do anonimato. O alto índice revela uma sociedade que compartilha a busca pelo sucesso e explica o desempenho da novela global Celebridade, de Gilberto Braga, com 42 pontos no Ibope. Não à toa, a celebridade favorita na enquete é a atriz Malu Mader (17%), protagonista do folhetim.

Entre os que admitiram o desejo pela fama, 54% se disseram dispostos a fazer “pequenas loucuras” pelo objetivo. A maioria – surpresa – é masculina: 62% dos homens que sonham em escapar do anonimato cometeriam excessos, um índice que chega a 47% entre as mulheres. “Estar sempre em busca de um acontecimento que tenha tevê por perto” é a principal estratégia para aparecer na opinião de 8% dos entrevistados, mesmo índice dos que preferem “fazer o possível e o impossível para entrar em festas badaladas”. Depois de Malu Mader, as estrelas prediletas dos entrevistados são Fernanda Montenegro (9%) e Lula (8%), seguidos por mais 19 nomes, quase todos artistas expostos na mídia. Uma exceção é Gisele Bündchen, que não é atriz nem apresentadora de programas, mas é modelo de sucesso. E as passarelas, não raro, são esteiras rolantes para o estrelato. Vide os ex-modelos Erik Marmo, Reynaldo Gianecchini, Silvia Pfeiffer, Márcio Garcia e Ana Paula Arósio.

New faces – Concursos para modelos no Brasil são um bom termômetro. O Riachuelo Mega Model deste ano teve um milhão de garotas inscritas e as brasileiras lideram o ranking internacional de concorrentes no Super Model of the World: no ano passado, foram 300 mil concorrentes. O diretor da agência Mega/Rio, Sérgio Mattos, não se espanta: “Modelos estão virando celebridade.” Ele recebe mais de 100 e-mails por dia de jovens pedindo para fazer ficha. Foi numa trajetória simples assim que a new face Emília Cechele, 14 anos, viu sua vida virar do avesso. Nascida em Dourados (MS), ela venceu a etapa nacional do concurso Elite e ficou em quarto lugar na final mundial. “Sonhava ser modelo. Quando via pôsteres da Gisele Bündchen sentia um frio na barriga”, conta. “Fiquei emocionada ao ver minhas fotos na campanha da Arezzo. Nem parecia eu, e sim uma celebridade!”, diz Emília.

Juliana Paes, apontada como herdeira de Sônia Braga em sensualidade e beleza, também começou na passarela, mas escolheu a carreira de atriz para brilhar. Ela encarna a Jaqueline, de Celebridade, depois de emplacar três novelas seguidas. Tudo começou quando ela procurou Ike Cruz, da Ford Models, hoje seu agente, e arriscou: “Sou estudante universitária, sem dinheiro para book e quero ser modelo. Você pode me ajudar?” O auge de sua carreira será coroado no próximo Carnaval. Ela assumirá o posto de rainha da bateria da Escola de Samba Viradouro, substituindo a musa Luma de Oliveira.

Aos 24 anos, solteira, 1,70 metro de altura, a bela morena se revela preparada para a fama. “Continuo minha vida de sempre. Vou ao mercado, saio com amigos, faço compras. Se não for assim, morro”, diz. O assédio de fãs e o paparico da mídia não apagaram, pelo menos por enquanto, os registros do passado de pouco dinheiro. “Já dormi muito dentro do 996”, diz, referindo-se ao ônibus que pegava no Rio de Janeiro para Niterói, onde nasceu. Juliana dá uma dica: “Sozinha é muito difícil se tornar alguém. É bom ter quem cuide da gente.”

Nem todos alcançam a fama só com o trabalho. Há um fenômeno em ascensão, o da celebridade instantânea – pessoas que aparecem de repente, devido a gestos polêmicos, atitudes exibicionistas ou participações em reality shows. Sem muito esforço, eles viram VIP (very important people) e passam a frequentar os melhores lugares em restaurantes, hotéis e aviões, não enfrentam filas, se divertem de graça, atraem amores e, como se não bastasse, ainda ganham dinheiro com a credencial. Há um próspero e voraz mercado aberto para famosos de todas as estirpes, o de presença vip. Funciona assim: celebridades são pagas para dar o ar de sua graça em bailes, inaugurações, rodeios, batizados, casamentos. O cachê varia de acordo com a estatura da fama. Vera Fischer, uma das mais caras, chega a R$ 60 mil. Jovens atores e artistas em baixa vão até por R$ 500.

A lógica é simples: se o público deseja o que vê, quem estiver na
vitrine será o escolhido. Para estar em evidência, paga-se – e bem – a assessores de imprensa ou agentes. Não há tabela fixa, mas pode significar um desembolso de R$ 3 mil por mês ao assessor ou 20% do valor de uma campanha publicitária ao agente. Outra vertente profissional que fatura na calçada dos famosos é a do personal stylist, que tem a incrível função de decidir o que o cliente vai vestir ou como vai se pentear, e a do personal coach, que pode ser traduzido como domador de personalidade, uma novidade no Brasil.

Embalagem – Agentes de artistas fazem de tudo um pouco. Ike
Cruz seleciona os bons projetos e blinda sua clientela contra propostas de fama negativa. “Gosto de descobrir um bom produto, seja homem, seja mulher. Tendo uma superembalagem, uso todo o meu conhecimento na imprensa e começo um processo seletivo”, diz. Entre seus agenciados está Ellen Jabour, um desafio para qualquer agente. Ellen é uma modelo sem identidade própria: primeiro se destacou como dublê de Gisele Bündchen e, mais recentemente, como namorada de Rodrigo Santoro. “É difícil desconectar essas referências dela, mas este ano a Ellen fez a primeira capa como uma mulher bonita”, diz Ike, que aposta num futuro promissor para a bela.

Há precedentes que justificam o otimismo de Ike. Xuxa Meneghel entrou na mídia como namorada de Pelé. Adriane Galisteu se tornou famosa quando o namorado, o piloto Ayrton Senna, morreu. Ex-modelos e atuais apresentadoras de tevê, ambas souberam construir carreira e referências próprias. “Um namoro temporário pode evidenciar um profissional, mas, dependendo do talento, não altera”, aposta o agente de artistas Antonio Amancio Canhães. Noutra ponta estão os que herdam a fama de parentes. Como Carolina Magalhães, que acaba de se livrar da legenda “neta do senador Antônio Carlos Magalhães” para ser identificada como apresentadora do programa Jovens tardes, da Rede Globo. Preta Gil apareceu como filha do cantor e ministro Gilberto Gil e, de repente, lança o elogiado CD Prêt-à-porter.

Há casos especiais, como o de David Brazil, cujo grande talento é ser gago. E extremamente simpático. Os atributos o levaram ao programa
de Jô Soares e ele soube aproveitar os holofotes. Hoje é amigo de famosos como Xuxa e Ronaldinho, além de promoter da rede Porcão de churrascaria e apresentador de um programa sobre artistas na rádio FM O Dia. “Sou convidado para cinco eventos por dia. Graças a Deus, não passei”, diz ele. Outros não tiveram a mesma sorte. Suzana Alves, a Tiazinha, tenta entender a montanha-russa do sucesso. “Amadurecendo, vi como usar a fama e não ser só usada”, escreve ela no prefácio do recém-lançado Fama – como se tornar uma celebridade, de Nara Damante (Matrix). Também em declínio, Kléber Bambam, um dos vencedores do Big Brother Brasil, sobrevive fazendo presença vip e shows de lambaeróbica no interior. “Participei de um reality show, caí na simpatia do público e virei celebridade. Tive meu lugar. Acabou. Mas ainda sou muito reconhecido”, constata.

Os tais 15 minutos de fama que o ícone pop Andy Warhol previu para todos ocupam boa parte dos capítulos de Celebridade. Quando a manicure Darlene (Deborah Secco) fez um topless para atrair a imprensa, acabou inspirando uma estudante carioca. Vanessa Freire de Mello, 19 anos, repetiu a cena ao lado de Gilberto Braga, após a festa de lançamento da novela. Saiu em revistas e jornais. “Quero ser atriz. Não sei se isso vai facilitar, mas foi a forma que encontrei para aparecer”, justificou. Mas as cenas de nudez exibidas na tevê não são aprovadas pelo público, de acordo com a pesquisa Qualibest: 60% consideram apelativas e abusivas.

Uma das maiores atrizes brasileiras, Marília Pêra, assiste a tudo de camarote: “Atores da minha geração, que trabalharam muito para conseguir ser conhecidos, ficam assombrados.” Longe das novelas, a atriz brilha mais frequentemente no cinema: este mês estréia Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, dirigido pelo seu filho, Jofre Rodrigues. “Quando assisto a tevê, observo como as pessoas são lindas, turbinadas. Mas um lado meu, mais sensível, sente muita falta da interpretação”, diz. “A sociedade-espetáculo é performática. Não está em jogo o talento, e sim a capacidade de ser mercadoria de valor midiático”, explica o psicanalista Joel Birman. Nos consultórios aparece o resultado: as frustrações geradas pela pressão social. “Surge o que chamamos de cultura do ressentimento, ou da inveja, gerada pela frustração.” Birman aposta que atrás de todo fenômeno há a perda de utopias. “Perdemos os ideais coletivos. Ficaram os projetos individuais e a busca pelo marketing”, explica.

Nem a religião escapou. Os pastores evangélicos e padres católicos
que mais atraem fiéis são os que cantam, dançam e transformam a celebração em show. O mesmo vale para a política: o que é um
comício sem artistas e a imprensa? Foi numa festa que o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão teve a idéia de escrever um livro
com o sugestivo título O anônimo célebre (Global). “Percebi que, conforme os fotógrafos mudavam de lugar, acontecia uma espécie de procissão atrás deles”, lembra. Editor da revista Vogue, o jornalista conhece as senhas das celebridades. Ele avisa que a palavra “noncelebre” é uma sentença de morte para o nome ao qual ela estiver associada: é a abreviatura de non celebrity, alguém que já era. Mas candidatos à fama devem saber que virar celebridade pode ser tão rápido quanto virar sucata na sociedade-espetáculo.

Juliana Paes foi maquiada por Vini Kilesse. Ela veste Carlos Tufvesson.

 

“Todo mundo quer ser querido”

ISTOÉ – Você se considera uma celebridade? Por quê?
Malu Mader –
Celebridade, pelo que consta no dicionário, é qualidade de célebre, fama, notoriedade. Nesse caso, seria hipócrita da minha parte dizer que não.

ISTOÉ – E o que achou de ser eleita a celebridade favorita na pesquisa do Instituto Qualibest?
Malu Mader –
Todo mundo quer ser querido, né? Achei legal.

ISTOÉ – A carreira de atriz exige visibilidade. Como conviver
com essa necessidade e se preservar ao mesmo tempo?
Malu Mader –
É um conflito constante até pela dimensão que
tudo isso toma. De qualquer forma, não é das minhas maiores preocupações na vida.

ISTOÉ – O que você acha dessas pessoas – como as personagens Jaqueline e Darlene ou a estudante (real) Vanessa Mello que tirou a roupa para ser fotografada nua ao lado de Gilberto Braga, por exemplo – que fazem de tudo para aparecer?
Malu Mader –
Não vejo com muita gravidade. No caso da estudante, ri quando vi a foto. Depois, pensei: que absurdo! O que esta foto está fazendo na primeira página de um jornal enquanto tanta coisa mais importante e mais grave está acontecendo em todo o mundo? Não é à toa que essas pessoas se proliferam a cada minuto.

 

Um lugar ao sol

A carioca Jaqueline Barroso, ex-promoter de casas noturnas do empresário Ricardo Amaral, é assessora de imprensa expert em tirar anônimos da sombra. Ela explica como é este trabalho.

ISTOÉ – O que é preciso para se tornar
uma celebridade?
Jaqueline –
Um candidato a ator/atriz, por exemplo, precisa estar nos lugares certos. Não adianta ir somente a festas badaladas nas quais é praticamente impossível abordar um diretor de tevê. Melhor ir a estréias de teatro e tentar sair com o pessoal para jantar depois. Ciclos de leitura, como os da Giulia Gam, são ótimos. Já os ricos têm de alcançar visibilidade, aparecer ao lado de pessoas que acontecem. Fugir de gente feia, modelo falida, artista “deletado”.

ISTOÉ – Qual é o preço dessas assessorias?
Jaqueline –
Para socialites, R$ 3 mil por mês, incluindo indicação de lojas, salão de beleza, restaurantes e até médicos. Tem de ser os que estão na mídia. Para jovens atores varia: R$ 300, R$ 700, nada… Às vezes, invisto apenas no resultado porque é bom para o escritório.

ISTOÉ – Ex-celebridades podem resgatar a imagem?
Jaqueline –
Sim, e eu cobro de R$ 3 mil para cima porque é mais difícil. Fiz esse trabalho com o cantor Latino no ano passado. Devido à separação da Kelly Key, ele estava muito desgastado. Usei o réveillon para anunciar a sua virada. Ele apareceu com uma nova namorada, bacana. Avisei que em público só poderia aparecer com mulheres decentes. E nada de falar da ex-mulher com a imprensa. Deu certo.