Em sua primeira visita ao Rio de Janeiro, em 1964, o mineiro Wagner Tiso engarrafou o mar – pôs areia e água salgada de Copacabana numa garrafinha – para levar na bagagem de volta. E prometeu: “Vou voltar e encarar essa cidade.” No sábado 10, Tiso vai comemorar no palco do Theatro Municipal carioca o cumprimento da promessa: são 45 anos de carreira, 40 de Rio e 60 de vida. Convidados como Milton Nascimento, Gal Costa, Paulo Moura e Cauby Peixoto, além de bandas e instrumentistas que fazem parte de sua trajetória, estarão no show, que vai virar CD e seu primeiro DVD. Para ele, é época de relembrar os bailes da vida, iniciados em Três Pontas – cidade natal que deixou para tentar a sorte num grande centro –, que acabaram por transformá-lo num dos maiores orquestradores, maestros e compositores de trilhas cinematográficas do País.

Autodidata, Tiso começou a investigar o universo musical ainda criança. Sua mãe, dona Walda, era professora de piano e foi a primeira a incentivar sua vocação. Aos oito anos, ele descobriu que um garoto conhecido por Bituca, morador da mesma rua, compartilhava igual paixão por acordeão e cantorias. Assim começou a amizade com Milton Nascimento, o vizinho com quem formou bandas amadoras até chegar
a grupos profissionais, como o Som imaginário. Entre os vários conjuntos, vale citar o W’s Boys, formado por Wagner e os músicos Walton, Wayne e Wesley. Desafinado com a letra, o quinto parceiro teve de adequar o nome: e assim Milton virou Wilton. Entre as muitas parcerias da dupla, a mais famosa é Coração de estudante, composta para o filme Jango. “Nossa amizade começou para fazer
som. E fomos descobrindo, juntos, os acordes, as orquestrações…”, diz. “O
nosso som nasceu da mesma busca. Mas cada um tem seu jeito, segredo e sutilezas. Que o mundo abra o coração para a música e a pessoa desse moço”, escreveu Milton no site do amigo.

Hoje, o mundo está aberto. Mas o começo foi difícil. Durante os primeiros meses no Rio, Tiso dormiu em banco de praça e, quando conseguiu o bico de folguista de pianista em boates, pôde pagar vagas em apartamentos. “Uma cama era separada das outras por lençóis”, lembra ele. Gal Costa foi uma das primeiras amigas na Cidade Maravilhosa. “O tropicalismo ainda não tinha acontecido e a Gal estava começando. Ela me recepcionou com carinho e fizemos grandes trabalhos.” Para a cantora, “as energias combinam”. Ela complementa: “A sofisticação de seus arranjos, a brasilidade, as harmonias fantásticas com modulações quase imperceptíveis fazem dele o grande músico que é.”

Trilhas – Tiso é autor de mais de cinco mil arranjos, gravou 30 discos e praticamente não há um grande nome da MPB que nunca tenha trabalhado com ele. É um músico também ligado ao cinema devido às mais de 20 trilhas feitas para filmes, como o recente Vida de menina, de Helena Solberg – Kikito de melhor trilha no último Festival de Gramado –, e Os desafinados, de Walter Lima Jr., que estréia no ano que vem. Como desdobramento desse trabalho, ele passou a fazer temas para programas de tevê, como Dona Beija ou Primo Basílio. E está prestes a acrescentar mais um item ao currículo: o projeto Toca Brasil, para fazer a música voltar a ser matéria oficial do ensino básico na rede pública. “Estou lutando por isso. Meu objetivo é a formação de orquestras”, explica. Wagão, como é chamado pelos amigos, tem outras paixões, como o Vasco e o PT – partido que ajudou a fundar e que não abandonou na crise. Indignado, critica a forma como o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL/BA) se dirigiu ao presidente Lula recentemente. “Ser ameaçado de levar uma surra pelo neto do ACM (PFL/BA) sob acusação de suposto grampo é dose para leão. Nem que você não goste do presidente, não pode ameaçar assim.” Tirando isso e as eventuais derrotas do timão, nada mais altera seu jeito zen de ser.