Arremessada para o anonimato pelos escândalos que consomem a agenda do Congresso, uma CPI pouco conhecida trabalha quase silenciosamente para desvendar os negócios das quadrilhas que traficam armas no Brasil. Criada em março, a CPI do Tráfico de Armas passa longe das denúncias de mensalão, mas pode contribuir para alargar o número de cassações de mandatos numa das legislaturas mais conturbadas da história da Câmara. O mandato que está em risco é de um integrante da própria CPI do Tráfico de Armas, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), peça-chave de um enredo que mistura ameaça, chantagem, tentativa de suborno, tiros e vazamento de informações sigilosas.

Pompeo de Mattos é acusado de fazer chegar às mãos de um investigado a cópia de um depoimento secreto prestado à CPI. Na semana passada, o presidente da comissão, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), enviou ofício ao presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que pode complicar a vida de Pompeo. No documento de quatro páginas, com a tarja de confidencial, Moroni destrincha a confusão em que o pedetista se meteu. Aldo já mandou o caso para a Corregedoria da Câmara, que abrirá sindicância para investigar o episódio. Assim como os colegas mensaleiros, Pompeo de Mattos poderá ter o mesmo fim: o Conselho de Ética.

A história tortuosa começa em junho deste ano, quando um grupo de parlamentares da CPI esteve em Porto Alegre. Durante dois dias, os deputados ouviram de uma testemunha secreta detalhes sobre um suposto esquema de contrabando de armas pela fronteira com a Argentina. No centro das acusações está o empresário Jair de Souza Rodrigues, um dos homens mais ricos da cidade fronteiriça de Uruguaiana. A “Testemunha Z”, como foi batizada pela comissão, apontou Rodrigues como um dos financiadores de uma quadrilha especializada em trazer armamento para o Brasil pela cidade portenha de Paso de Los Libres. Entre os produtos “importados” ilegalmente pela quadrilha, composta por policiais civis e militares gaúchos, estariam pistolas israelenses e armas de grosso calibre. O arsenal, conforme o relato de “Z”, teria como destino preferencial facções criminosas da região Sudeste, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.

Por conta do teor bombástico do que dissera à CPI, na semana seguinte o denunciante foi incluído no programa federal de proteção a testemunhas. Na secretaria da comissão, as revelações foram mantidas a sete chaves. Paralelamente ao trabalho da CPI, a Polícia Federal deflagrou uma operação para apurar as denúncias. Tudo corria tranqüilamente até que o segredo da investigação foi interrompido. Descontente com o tratamento que vinha recebendo no programa de proteção – alvo recorrente de reclamações que incluem desde maus-tratos até falta de comida –, “Z” pediu para sair. Deixou Brasília, para onde havia sido levado junto com a família, e decidiu voltar para Uruguaiana.

A volta à velha rotina na cidade gaúcha veio acompanhada de ameaças. Até que, em outubro, “Z” foi vítima de um atentado à bala. A testemunha circulava de moto por uma das ruas de Uruguaiana quando foi surpreendida por dois disparos. Os tiros atingiram apenas a moto. “Z” safou-se do atentado, mas logo depois viria a se envolver em nova enrascada. Foi chamado para conversar no escritório de um advogado conhecido na cidade e aceitou o convite. Não esperava que lá fosse encontrar Jair Rodrigues, o empresário que denunciara no depoimento reservado à CPI. Conforme relato de “Z” à PF e ao Ministério Público, após a reunião Rodrigues tomava satisfações sobre a denúncia e teria feito pressão para que a testemunha retirasse as acusações. Para isso, “Z” seria recompensado com R$ 10 mil.

ISTOÉ teve acesso à cópia do depoimento em que “Z” relatou a pressão ao delegado Farnei Franco Siqueira e ao procurador da República Carlos Henrique Bara. “Z” conta que Jair Rodrigues mostrou-lhe uma cópia do depoimento secreto na CPI e que o empresário afirmou ter conseguido o documento com Pompeo de Mattos. Em seguida, “Z relatou que Jair teria telefonado para o deputado e acionado o viva-voz. A testemunha conta que, na ligação, Pompeo manifestou disposição em ajudar o empresário na CPI. Segundo “Z”, o deputado ainda teria perguntado a Jair Rodrigues: “E o meu presentinho?”. O empresário respondera que “estava tudo certo”.

“Presentinho” – O relato da testemunha caiu como bomba na CPI. Bem-relacionado com boa parte dos colegas, Pompeo passou a ser investigado por eles. Ficou no ar a suspeita de que o pedetista trocara a cópia do depoimento pelo tal “presentinho” citado no telefonema. Uma subcomissão foi destacada para apurar o caso. Composto pelos deputados Raul Jungmann (PPS-PE), Laura Carneiro (PFL-RJ) e Luiz Couto (PT-PE), o grupo ouviu Pompeo na semana passada. Foi o último procedimento antes de o assunto ser remetido à Mesa Diretora da Câmara. O ofício enviado pela CPI a Aldo Rebelo pede “providências cabíveis para o fato”. Esta semana, Aldo respondeu à CPI, informando já ter remetido o caso para a Corregedoria.

Pompeo nega enfaticamente que tenha repassado cópia do depoimento a Jair Rodrigues. “Eu jamais faria uma coisas dessas. Isso é armação”, afirma o parlamentar. “Alguém bolou um plano maquiavélico”, emenda Pompeo, que também integra a CPI dos Correios. O deputado admite conhecer Rodrigues. “Ele já foi do PDT”, diz.

Um elemento, entretanto, pode servir de complicador para a defesa de Pompeo: o deputado realmente retirou cópia das declarações num período que coincide com as revelações de “Z”. A prova disso está num pedaço de papel que leva a sua assinatura. Meses atrás, o deputado procurou a secretaria da CPI para ter acesso ao depoimento da testemunha sobre o esquema capitaneado por Jair Rodrigues. Para levar o material, teve de assinar uma declaração. O papel, agora, também pesa contra ele.