"Oh mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal!": Ninguém melhor que Fernando Pessoa para expressar o que sinto que herdei da terra de toda minha árvore genealógica. Nasci aqui, mas sinto-me lisboeta da gema, digamos assim. Minhas lágrimas correm a cada acontecimento que julgo merecedor de meu pranto, ou seja, qualquer coisa que me toque.Choro de alegria, choro no cinema, no teatro, na televisão, em apresentação de escola, em comercial do Dia das Mães, em despedida no aeroporto. Se calhar, como dizem os portugueses, estou a chorar pelas ruas do Leblon ou nas ladeiras de Lisboa atrás de grandes óculos escuros. Choro porque choro. Choro porque corre em meu sangue toda tristeza, toda melancolia, toda alegria dos imigrantes.

Meus pais para cá vieram como tantos outros para tentar a vida em um país promissor. Minha mãe corria para pegar a correspondência que invariavelmente começava assim: “Espero que te encontres bem, assim como tua família…” Carrego tantas lágrimas por ter sido criada num ambiente carregado de saudade. Saudade das oliveiras, das alfarrobas, dos figos, dos toicinhos, dos tremoços. Dos entes queridos que lá ficaram também a chorar. Impossível não chorar ao ouvir minha tia, a caçulinha da família, contar que esperava o navio chegar com vestidinhos que minha mãe continuava a fazer mesmo aqui no Brasil. Os irmãos reencontram-se e o tempero especial das sardinhas na brasa são, claro, lágrimas das lembranças do passado.

Por um preconceito ou por certa ignorância acho que o Brasil não valoriza Portugal como deveria. Já tivemos várias novelas sobre imigração italiana e nenhuma sobre a portuguesa. Muitos turistas brasileiros que vão para a Europa pulam Portugal. Acredito que isso esteja mudando um pouco, mas ainda acontece muito. Azar o deles, perdem uma cultura riquíssima, praias de tirar o fôlego, castelos metidos em lindas matas, uma comida de dar água na boca, uma Lisboa moderna em contraste com a arquitetura antiga e um povo cujas crianças todas, apesar da crise, têm acesso a um computador na escola.
Nas estradas, sem nenhum buraco, diga-se de passagem, atravessa-se de norte a sul com casinhas humildes nos campos, mas sem uma só miserável.

Sobre essa imbecilidade de ainda se julgar burros os portugueses, vejam que curioso: estávamos eu e minha filha a almoçar numa pastelaria, que é uma espécie de restaurante pequeno, quando li numa placa “prato amanhã, caldo verde”. Pensei eu, o que me interessa o de amanhã? Quero saber o de hoje! O garçom trouxe-me o menu, escolhi e esqueci o assunto. No dia seguinte na hora do almoço minha filha diz: “Mãe, lembra, tem caldo verde naquela pastelaria.” Lembro, filha, vamos lá ora pois pois.
Ah… Só a título de curiosidade, nunca ouvi nenhum português falar “Ora pois pois”.


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