A alegria durou pouco. Na mesma semana em que Paulo Maluf (PPB) apareceu em primeiro lugar nas pesquisas para o governo paulista, nove pontos à frente do governador Geraldo Alckmin (PSDB), um ex-funcionário da empreiteira Mendes Júnior denunciou o esquema de superfaturamento da avenida Águas Espraiadas, a milionária obra de sua gestão na Prefeitura de São Paulo (1993-1997). Em depoimento ao Ministério Público Estadual na quarta-feira 27, Simeão Damasceno de Oliveira declarou, entre outras coisas, que os cofres municipais pagaram US$ 800 milhões por uma obra que custaria US$ 250 milhões. E mais: “Maluf levava seus 20% religiosamente todo mês durante cinco anos”, disse a ISTOÉ. A avenida foi construída entre 1993 e 1998 e inaugurada no segundo ano da gestão Celso Pitta. A novidade não é o superfaturamento da obra, investigado pelo MP há pelo menos dois anos, e sim o esquema de ida e volta do dinheiro. Como provas, os promotores têm em mãos cópias de cheques e recibos. “Jamais tivemos esta quantidade de indícios sobre um esquema de corrupção”, garante o promotor Sílvio Marques.

Simeão trabalhou de 1985 a 2001 na Mendes Júnior, que presta serviços à prefeitura há 14 anos, e hoje, num processo trabalhista, pede
R$ 5 milhões em participações nos resultados de 17 contratos. Como coordenador administrativo, ele diz ter sido ator coadjuvante na execução do desvio. “Tudo que era das finanças passava por mim”, explica. Segundo Simeão, o esquema funcionou assim: a Mendes Júnior contratou dez empresas-fantasmas que emitiam notas fiscais frias com valores baseados em medições fictícias, avalizadas pela Empresa Municipal de Urbanização (Emurb). Esses valores eram pagos pela empreiteira em cheques nominais às terceirizadas, como a Planicampo Terraplanagem. As sub-empreiteiras descontavam o dinheiro e emitiam cheques menores, que, somados, chegavam a 90% da quantia recebida. O MP diz que, na realidade, as terceirizadas nem sequer assinavam tais cheques. Eles eram preenchidos na própria Mendes Júnior pelo então funcionário Joel Guedes Fernandes, responsável pelo caixa da empresa, que foi demitido um ano antes de Simeão e prestou depoimento em janeiro.

Mala de dólares – Simeão contou que o bolo da Águas Espraiadas era dividido em três partes. Maluf teria embolsado 20%; funcionários da Emurb, 17%; e a Mendes Júnior, o restante. E, de acordo com ele, que trocava os cheques com doleiros, 37% de Maluf e da Emurb eram distribuídos de três formas. A primeira: o dinheiro em espécie era entregue na casa do então secretário de Serviços e Obras, Reynaldo de Barros, por um gerente da Mendes Júnior. A segunda: Simeão e Joel enviavam o dinheiro embrulhado para presente aos participantes do esquema. E a terceira: a quantia era depositada por Simeão em contas no Exterior. “Eu me lembro de ter depositado no Citibank e no Safra, de Genebra, e no MTB Bank, de Nova York.” Ele conta que “em 1998, era o Flávio Maluf (filho do ex-prefeito) quem fornecia os números das contas”. Só naquele ano, segundo Simeão, foram entregues de US$ 1,5 milhão a US$ 3 milhões por mês para a turma da prefeitura. Joel, que fez um acordo trabalhista ao sair da empresa, declarou que o caixa 2 da Mendes Júnior movimentava cerca de US$ 4 milhões por mês.

O superfaturamento teria livrado a empresa da falência, segundo Simeão. Os promotores também apuram se o esquema engordou os cofres de outra empreiteira. Em 1993, Maluf teria incluído a OAS no mesmo contrato para fazer acertos de campanha. “Até 1995, ela era subempreiteira, mas dividia tudo. Depois a OAS e a Mendes formaram o Consórcio Águas Espraiadas com, respectivamente, 54% e 46% de participação”, conta. Por saber demais, ele diz ter sido ameaçado de morte inúmeras vezes. “Simeão deu o depoimento porque é um arquivo vivo e pode morrer”, diz o promotor José Carlos Blat, responsável pela segurança da testemunha. O ex-funcionário afirma que “apenas cumpria ordens” e guardou segredo por fidelidade à empresa. “Até que trocaram a diretoria e me isolaram. Insatisfeito, reclamei do que estava acontecendo. Eles me ofereceram R$ 250 mil e eu não quis. Abriram uma representação acusando a mim e a meu advogado de extorsão.” A Mendes Júnior nega todas as acusações do ex-funcionário e se defende dizendo que Simeão teria tentado chantagear a empresa mais de uma vez, motivo pelo qual a empreiteira fez a denúncia contra ele e seu advogado, Pedro Lessi.

Segundo Blat, “o inquérito foi montado”. Uma das provas seria uma conversa telefônica gravada entre Joel Guedes e Carlos Henrique Savastano Júnior, superintendente de obras da Mendes Júnior. No diálogo, Carlos diz que a empresa só pagará a Joel os R$ 28 mil garantidos no acordo trabalhista se ele prestar um depoimento, redigido pela Mendes Júnior, contradizendo Simeão. A seguir, alguns trechos da conversa, periciada pelo Instituto Del Picchia:

“– Mas, Carlinhos, por que eles tão colocando que só me pagam depois que eu prestar o depoimento?

– Porque fui eu que levantei a lebre, Joel (…), e agora os caras falam que acertam, mas tão vinculando uma coisa com a outra. (…) Cai fora que agora que vai ter esse negócio de Água Espraiada e vai falar que tem caixa 2. (…) Na representação, tá lá o seu nome, do Simeão e do advogado. (…) A partir do momento que você presta depoimento e fala que você desconhece todos aqueles assuntos, acabou.”

O MP agora quer fazer uma devassa. Na mira, estão contratos da Mendes Júnior com outras empresas públicas, estaduais e federais. “Há contratos da Dersa, Fepasa, Sabesp, Cesp e outras”, diz o promotor Sílvio Marques. Mas Paulo Maluf, que está em campanha pelo interior do Estado há dois meses, é o mais visado. Para o advogado do pepebista, Ricardo Tosto, “as acusações são frágeis. O MP quer provar que Maluf possui contas no Exterior, mas não consegue. Criaram um fato novo para manter vivo o processo”. Resta saber se ele conseguirá se manter líder nas pesquisas.