Fora dos bastidores da indústria fonográfica, muito pouca gente ouviu falar de Carlos Roberto Piazzolli, o Piska, César Augusto Abdala ou Elias Muniz Sobrinho. Mas o Brasil inteiro sabe suas músicas de cor. O paulistano Piska, por exemplo, que já coleciona 350 composições e um punhado de sucessos, é autor da balada Pare, aquela em que Zezé Di Camargo & Luciano gritam para a amada parar de “mandar e mudar” sua vida. Junto ao parceiro habitual, o paulista César Augusto, Piska cunhou outro hit romântico, conhecido na voz de Leonardo – Todas as coisas do mundo –, que traz no refrão os versos: “Somos nós/como o sol e a lua (…)/você não me ama/não é culpa sua”. Na mesma linha derramada – marca registrada do gênero sertanejo pop, especialidade dos anônimos de sucesso – aparece a insistente Dormi na praça, sobre o guarda que acorda um apaixonado de pileque num banco de jardim público, canção interpretada pela dupla goiana Bruno & Marrone e assinada por Elias Muniz, o preferido de gente como Daniel, Rick & Renner e Adryana & a Rapaziada. Não por outra razão, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (Ecad) colocou a trinca entre os compositores mais executados em 2001. Encabeçaram a lista, ficando acima de pesos pesados como Roberto Carlos e Caetano Veloso.

Piska – o primeiro da relação, seguido por Djavan – garante que não conhece a fórmula do sucesso, apesar de ter emplacado, só no ano passado, outras três músicas nas paradas, todas gravadas pela boy band KLB: A dor desse amor, Estou em suas mãos e Porque tem que ser assim. “Se soubesse a fórmula, estaria trilhardário, faria 36 sucessos por dia”, conta Piska, enfiado numa camiseta combinando com uma bermuda de surfista, no estúdio de 720 metros quadrados que está construindo na Praia Grande, litoral paulista. Ele pode não conhecer o segredo da pedra filosofal da música, mas continua tentando. No mais recente disco do KLB, além da produção, compôs oito das faixas, algumas em parceria com o vocalista Kiko, 21 anos. A versatilidade do compositor e guitarrista de 51 anos tem história. Ele está na estrada há mais de três décadas. Começou tocando com Wanderley Cardoso, viu a MPB se profissionalizar, o rock brasileiro nascer, o pagode estourar. Depois de integrar os extintos grupos de rock Joelho de Porco e Casa das Máquinas, acompanhou Elis Regina, Gal Costa, Ney Matogrosso e As Frenéticas, entre outros. Como produtor, deixou sua marca nos primeiros álbuns de Marina. “Agora estou aqui, fazendo sertanejo”, ironiza o paulistano, pai de duas adolescentes, um roqueiro desnaturado, mas ainda fanático pelos Beatles.

Quem o levou para a longa e sinuosa estrada da música caipira foi o parceiro César Augusto, 48 anos, 30 de carreira, que ele conheceu no final dos anos 80, em São Paulo, nos corredores da extinta gravadora Copacabana. Já nesta época, Augusto era um nome de respeito no quem é quem do mundo do disco. Foi ele, por exemplo, quem produziu o quarto álbum da extinta dupla Leandro & Leonardo, aquele que trazia o arrasa-quarteirão Pensa em mim. “Estreei vendendo três milhões de cópias”, conta o compositor e produtor dos mais requisitados por duplas como Gian & Giovani. O paulista de Jaborandi, que já integrou a dupla César & César, contabiliza 700 músicas gravadas, entre elas Hoje é sexta-feira e Festa de rodeio, o hino dos peões-boiadeiros. Há também Antes de voltar para casa, gravada por Zezé Di Camargo & Luciano, Mentira que virou paixão, com Leonardo, e Agarrada em mim, do repertório de Bruno & Marrone, que lhe garantiram o posto de terceiro autor no ranking de arrecadação do Ecad. Hoje, soma cerca de 50 milhões de discos vendidos como produtor e compositor das chamadas músicas românticas. “Somos um povo sofrido e romântico. Minhas canções fazem sucesso porque escrevo com simplicidade, sem cair no lugar-comum.”

Vinícius Félix de Miranda, o Bruno da dupla Bruno & Marrone, sempre reservou pelo menos duas faixas de seus álbuns para as composições de César Augusto. “Ele fala do dia-a-dia das pessoas e tem um tino comercial forte. A probabilidade de acertar com ele é maior.” Outro nome que caiu nas graças de Bruno foi Elias Muniz. Caçula dos românticos e quarto no ranking do Ecad, aos 41 anos Muniz não é nada sonhador em relação ao prestígio adquirido. “Quem define o sucesso é o público. Para ele não importa se quem escreveu foi o Pedro, o Zé, o Roberto ou o Elias.” Radicado há 25 anos em São Paulo, o capixaba de Barra de São Francisco passou pela escola da noite tocando músicas de Djavan e Luiz Gonzaga. Chegou a gravar três LPs e dois CDs. Mas resolveu se dedicar exclusivamente à composição. “É o que deu certo e onde sobrevivo”, afirma ele, que garante ter recebido do Ecad, em 2001, não mais que R$ 200 mil e não menos que R$ 100 mil. Seus companheiros são mais objetivos. No mesmo período, César Augusto afirma ter recebido cerca de R$ 500 mil. Piska fecha na mesma quantia, adiantando que investiu tudo no estúdio onde também vai funcionar seu selo, o Piska Records.

Perfil arredio – Mas se existe algo que esta turma não gosta é de ostentação. Augusto, por exemplo, não exibe sequer um jeans de grife
ou um relógio cobiçado por trombadinhas. Apenas algumas correntes que não reluzem como ouro. O amigo Piska segue o mesmo modelo, elegendo os fotógrafos como as companhias mais indesejáveis. “O gostoso é você entrar no mercado e ouvir sua música tocando. Isto para mim já está bom”, afirma. Há quatro anos morando na Praia Grande, onde é dono
de uma cobertura a duas quadras da areia, ele detesta badalação. Diz
ter uma lancha, usada apenas para as pescas marítimas. No momento, pensa seriamente em trocar sua Toyota Hilux por uma simples Saveiro. “Sempre gostei de ficar quietinho no meu canto. Quando saio com minha mulher e o ambiente começa a ficar barulhento, pego na mãozinha dela e vou embora.” Muniz confirma o mesmo perfil arredio. Em sua discreta cobertura no Campo Belo, em São Paulo, decorada em vários tons de azul, diz não se dar ao luxo das “mordomias, extravagâncias e muitas férias. A vida de compositor é muito difícil, tem que trabalhar o ano todo”.

Misturado aos CDs dos amigos, ele oculta algumas preferências alienígenas como Björk, Billie Holiday, Paco de Lucia e Cesaria Evora. Sem medo de ter as orelhas puxadas pelos parceiros de sucesso, Piska é mais radical. Deixa escapar que não tem nenhum disco sertanejo na sua coleção, apenas clássicos roqueiros de Deep Purple, Pink Floyd, Uriah Heep ou Genesis, grupo do seu maior mito, Phil Collins. Mais fiel ao romantismo, Augusto não esconde o lado tiete em relação a Roberto Carlos. Seu sonho, também partilhado com Muniz, é que um dia o Rei venha a gravar alguma música sua. Para tentar agradá-lo, Augusto fez até um índex das palavras que sua majestade não gosta, entre ela “tiro”. “Todos os anos, eu mando uma música inédita para ele. Um dia talvez eu tenha este prazer.” Antes, ele deveria pedir a Roberto Carlos para ler a relação do Ecad.