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ISTOÉ – Para o sr., como é a liberdade?
Cesare Battisti – O preso tende a exagerar a noção de liberdade. Já tinha a experiência de cadeia e liberdade. Sabia que, depois do inferno da prisão, tem outro inferno, fora da cadeia.

ISTOÉ – Que tipo de inferno?
Battisti –Há problemas. Desde os mais simples, como pagar o aluguel, até como ser o menos egoísta possível. Nunca achei que sairia da cadeia e o mundo estaria em minhas mãos. Ainda assim, não é igual sair aos 25 anos e aos 56.

ISTOÉ – Qual a diferença?
Battisti – Aos 56 anos, é mais difícil. A pessoa tem mais responsabilidades.

ISTOÉ – Como o sr. se preparou para essa fase?
Battisti – Desde 2009, quando Tarso Genro me concedeu o refúgio, comecei a pensar o que faria no País e a retomar contatos. Escrevi para o Luiz Rosas, um brasileiro que foi para a França nos anos críticos do Brasil e nunca mais voltou. Lá, ele faz um trabalho social extraordinário. Sua organização, a Literatura Furiosa, trabalha com grupos que têm problemas de integração social. Trabalhei com ele no começo dos anos 90. Agora tem mais de dois meses que estou na rua. Ainda não consigo ler livros nem escrever, mas estou preparando isso aí.

ISTOÉ – Preparando o quê?
Battisti – Importar a Leitura Furiosa para o Brasil. O Luiz Rosas está entusiasmado. E sua ONG conta com o apoio de escritores do mundo inteiro.

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ISTOÉ – De imediato, o que o sr. pretende fazer?
Battisti – Acabei de receber o Registro Nacional de Estrangeiro. Hoje (segunda-feira 22) me inscrevi no Correio para obter o CPF. Quero abrir uma conta num banco, pagar impostos. Depois, vou a São Paulo me reunir com o meu editor, para combinar o lançamento de meus livros na bienal do Rio de Janeiro, em setembro.

ISTOÉ – O sr. vai à bienal?
Battisti – Não. Não quero provocar polêmica, me exibir.

ISTOÉ – Que outra providência o sr. pretende tomar?
Battisti – Alugar um apartamento em São Paulo e viver como me permite o Estatuto do Estrangeiro. Não posso votar, mas terei muitos direitos de um cidadão brasileiro.

ISTOÉ – O sr. pensa em se naturalizar brasileiro?
Battisti – Já pensei em me naturalizar brasileiro, porque eu quero fazer coisas neste país.

ISTOÉ – Se sair do Brasil, o sr. pode ser preso. Isso o incomoda?
Battisti – Vivi 14 anos na França sem sair de lá. Agora é vida nova, país novo. Eu estava no deserto e encontrei água pela frente. O Brasil é um oásis, um continente com gente maravilhosa que me ajudou muito sem me conhecer.

ISTOÉ – Quando o sr. saiu do presídio, sua intenção era vir para o litoral paulista?
Battisti – Não. Fiquei dois dias em São Paulo, mas os jornalistas faziam plantão o tempo todo. Depois, seis ou sete provocadores, fascistas, enviados sabe-se lá por quem, fizeram uma manifestação em frente à casa do meu advogado, Luiz Greenhalgh, onde eu estava. Preferi sair da cidade.

ISTOÉ – Como é a sua relação com as pessoas daqui?
Battisti – É o máximo. Já me convidaram para pescar, para conhecer a Mata Atlântica. Tem muito a ver com o amigo que está me hospedando, o Magno de Carvalho, que é muito conhecido. Saio na rua e todo mundo me cumprimenta. Tenho que me cuidar, senão tenho de tomar uma cerveja em cada boteco.

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"O Brasil é um oásis, um continente com gente
maravilhosa que me ajudou muito sem me conhecer"

ISTOÉ – Alguém já o questionou sobre o Caso Battisti?
Battisti – Não. Boa parte das pessoas com as quais tenho contato sabe quem eu sou. Só que elas souberam depois de me conhecer. E têm uma relação de simpatia comigo. Se tivesse sido o contrário, talvez fosse mais difícil. Teve só um morador, que paradoxalmente tem uma história de esquerda, que falou para um amigo, dono de um quiosque, que eu era um assassino. Depois, esse morador disse ao Magno que havia feito besteira e pediu desculpas.

ISTOÉ – O sr. tem medo?
Battisti – Vou responder que não tenho medo de nada. Estou livre. Tenho muito respeito pelas autoridades brasileiras. Espero poder agradecer pessoalmente às muitas pessoas que me ajudaram, principalmente ao Tarso Genro. Se for possível, se não incomodar, também gostaria muito de agradecer ao presidente Lula.

ISTOÉ – Qual a sua rotina aqui?
Battisti – Acordo às 6h30. Faço o café, vou comprar jornal. Depois, vou andar. Encontro pescadores voltando da pesca. Compro peixe. Gosto de cozinhar. Aqui é a zona da tainha.


ISTOÉ – E depois do almoço?
Battisti – Dou outra caminhada. Aí encontro vizinhos e crianças. Um dos meninos, o Guilhermino, só me chama de “Piradinho”, porque eu ando muito, mesmo quando o tempo está ruim. Ele gosta de mim, brinca e caminha comigo. Tenho duas filhas, que já são grandes. Quando fugi da França, deixei a menor delas com oito anos, a idade de Guilhermino. Minhas filhas estiveram aqui durante 15 dias e quase ficaram com ciúmes.

ISTOÉ – Suas filhas também querem morar no Brasil?
Battisti – A mais nova, a Charlène, sabe que precisa continuar em Paris, pois está no ensino médio. A mais velha, Valentina, que é bióloga especializada em genética e está terminando o doutorado, já está fazendo contatos com uma universidade.

ISTOÉ – E a Joice? O sr. continua namorando a Joice?
Battisti – Sim. Tenho uma companheira carioca, que estimo e respeito muito. Ela ficou comigo todo esse tempo.

ISTOÉ – O sr. vive de quê?
Battisti – Estou vivendo de grupos de apoio, de diferentes países, que fizeram “vaquinhas”. Isso já dura quatro anos. Na realidade, desde 2004, quando cheguei ao Brasil, só consegui viver de direitos autorais os primeiros dois ou três anos. Em 2007, já não tinha mais dinheiro.

ISTOÉ – O sr. faria tudo de novo?
Battisti – Não me arrependo de nada. Não posso me arrepender do que não fiz. Eles estão me acusando de homicídios. Os responsáveis foram presos e torturados. Quando as mortes aconteceram, eu não estava mais na organização.

ISTOÉ – Por causa do abrigo que o sr. recebeu no Brasil, há uma campanha da Itália pelo boicote da Copa de 2014.
Battisti – A maioria dos italianos nem liga para isso. Por trás dessa campanha estão grupos de extrema direita, manipulados. Mas tem também aqueles que me defendem.

 


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