De bermuda e camiseta, o padre Alércio Azevedo estava aguando a horta de sua paróquia, em Rio Branco (AC), quando foi chamado para batizar uma garotinha à beira da morte. Depois de vestir a batina às pressas, o padre deu a bênção com a mesma água açucarada que a família de Iza Bruna Vieira tomava para se acalmar, no Hospital Santa Juliana. A menina nascera quatro dias antes, com uma má-formação congênita do sistema nervoso central.

“Na verdade, dava a impressão de que ela tinha duas cabeças”, lembra o neurocirurgião Carlos Emílio Mantilla Carrasco, que operou Iza Bruna. “O prognóstico era sombrio e, se houvesse sobrevida, as sequelas seriam gravíssimas.” Depois da cirurgia, a menina sofreu três paradas cardiorrespiratórias, uma série de convulsões e entrou em coma. “Parecia uma bonequinha, imóvel e silenciosa”, conta a avó Zaira Darub de Oliveira. Devota de madre Paulina, Zaira passara os dias rezando e mantivera um retrato de sua protetora junto à neta até na sala de cirurgia. “Assim que o padre acabou o batismo, Iza Bruna começou a se mexer, chorou e fez xixi”, conta a avó. Zaira e sua família entraram em êxtase e passaram a se considerar testemunhas de um milagre. Quase dez anos depois, o milagre não só foi endossado pelo Vaticano como permitiu que o Brasil ganhasse a sua primeira santa. Na terça-feira 26, o papa João Paulo II anunciou que madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus será canonizada no dia 19 de maio.

Com 120 milhões de fiéis, o Brasil é o maior país católico do mundo, mas jamais teve nenhum santo. Para se ter uma noção da discrepância, o Japão, onde apenas 1,2% da população professa o cristianismo, ganhou, de uma só tacada, 26 santos. Os mais conhecidos deles são Paulo Miki e Paulo Suzuki, que, junto com outros 24 companheiros, foram crucificados por adversários religiosos em fevereiro de 1597. No Brasil, além de madre Paulina, apenas o padre José de Anchieta (1534-1597) e o frei Galvão (1739-1822) já ultrapassaram o processo de beatificação – a primeira etapa para se tornar santo. Dos três, o único efetivamente nascido em território nacional é o frei Galvão, natural de Guaratinguetá, no interior de São Paulo.

Com o nome de Amabile Lucia Visintainer, madre Paulina chegou ao Brasil ainda criança, com nove anos, radicando-se com a família em Santa Catarina. Embora tenha nascido em Trento, na Itália, e jamais se naturalizado brasileira, a religiosa passou no Brasil quase toda a sua existência. “Aqui madre Paulina iniciou sua vida religiosa, aqui se manifestou sua santidade, e, após sua morte, muitas graças foram concedidas em resposta às suas preces, por Jesus Cristo, junto a Deus. Por essas razões, madre Paulina é a primeira santa brasileira”, pontifica o cardeal dom Cláudio Hummes, arcebispo metropolitano de São Paulo

Como a maioria dos imigrantes no final do século XIX, os Visintainer tiveram de trabalhar pesado no campo para se estabelecer na nova terra. Segunda filha entre 14 irmãos, Amabile não teve vida fácil. Abnegada, com 25 anos resolveu deixar a casa dos pais e passou a dedicar-se inteiramente aos doentes da região. Em 1895, fundou a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, que hoje reúne quase 500 freiras em 11 países. Em São Paulo, onde viveu por quatro décadas, a partir de 1903, madre Paulina ficou conhecida pela assistência à população carente, em especial crianças e idosos de origem escrava. “Para nossa família, ela sempre foi santa”, comentou Agenor Visintainer, sobrinho-neto de madre Paulina, no dia em que o papa fez o anúncio oficial da canonização.

Para consagrá-la oficialmente como a primeira santa do Brasil, quase 37 anos depois da abertura do processo eclesiástico, o Vaticano considerou verdadeiros dois milagres atribuídos a madre Paulina. O primeiro ocorreu em setembro de 1966, quando a catarinense Eluiza Rosa de Souza descobriu que não estava no sétimo mês de gestação, como imaginava.

Na realidade, nos três meses anteriores ela carregara um feto sem vida no ventre. Internada no Hospital São Camilo, em Imbituba (SC), Eluiza teve uma hemorragia violenta e uma parada cardíaca. “Quando eu já estava desenganada por dois médicos, as freiras do hospital invocaram madre Paulina e colocaram sobre o meu peito uma imagem dela”, recorda Eluiza. “Madre Paulina intercedeu por mim e me curou.”

Atualmente com 59 anos, Eluiza continua morando em Imbituba. Viúva, vive com um de seus seis filhos. Perdeu as contas de quantas vezes se submeteu a exames médicos e entrevistas até que sua cura convencesse o Vaticano a beatificar madre Paulina, em outubro de 1991. “O processo durou 24 anos, mas, durante todo esse tempo, sempre acreditei que madre Paulina era santa”, garante Eluiza. “Eu não podia pensar diferente depois do que ela fez comigo. Eu era uma pessoa de saúde fraca, anêmica, que toda hora estava no médico. Isso acabou em 1966.” Na semana passada, ela não perdeu um único ato em homenagem a nova santa. Participou de missas, caminhadas e não conteve a emoção.

O segundo milagre, necessário para que madre Paulina fosse alçada à condição de santa, foi a cura da pequena Iza Bruna. A beatificação, o primeiro passo do processo de canonização, ocorrida em outubro de 1991, encontrou ressonância no distante Acre, onde a então cabeleireira Zaira assistiu a uma reportagem sobre a religiosa na tevê. “Eu me encantei por ela e por sua história. Na mesma hora implorei que aceitasse ser minha protetora”, conta Zaira. Menos de um ano depois, Zaira colocou a imagem que tinha da beata, retirada de uma revista, junto à neta Iza Bruna. Ao contrário dos prognósticos médicos, a garota tem se submetido a recorrentes exames e não apresenta
nenhuma sequela do drama superado pouco após o nascimento. Carlos Emílio, o médico que operou a garota, não usa o termo milagre, mas admite que a cura de Iza Bruna foi “um acontecimento fora do comum, fantástico”. Ele lembra que, horas antes da cirurgia, chegou a preparar a família para o pior. “Como o sistema nervoso central estava comprometido, tudo indicava que a paciente poderia ficar cega, paraplégica e até sofrer de retardo mental”, explica.

Viagem a Roma – Na tarde do anúncio da canonização de madre Paulina, Iza Bruna, hoje com nove anos, jogava bingo com os amigos, na casa da avó, num modesto conjunto habitacional de Rio Branco. Aparentemente alheia ao entra-e-sai de parentes e conhecidos, ela estava preocupada com a viagem que fará em breve. Enquanto todos comemoravam o anúncio papal, Iza Bruna procurava localizar num mapa a cidade de Roma. É que em 19 de maio, quando a santidade da religiosa será oficializada, ela receberá a primeira comunhão das mãos do papa João Paulo II. “Não sei como vai ser quando as aulas começarem. Antes, todo mundo já me pedia santinho. Imagine agora!”, conta.

Naquela mesma tarde, mais de 500 pessoas acorreram à Capela Sagrada Família, na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Madre Paulina vivia lá quando, na esteira de um desentendimento pouco esclarecido, acabou afastada da congregação. Durante quase dez anos, ela cuidou de um asilo em Bragança Paulista, no interior de São Paulo, mas sua saúde foi aos poucos se debilitando, principalmente por causa da diabete que a acometia. Ao retornar à capital, estava cega, perdera o polegar direito e em seguida todo o braço. A religiosa, que escolhera adotar o nome “Agonizante” por acreditar que os doentes eram a imagem de Jesus, jamais reclamou do infortúnio. “Jesus me pediu primeiro o dedo. Depois o braço. Mas eu sou toda dele. Por que negar?”, comentava, segundo registros da congregação. Aos 77 anos, madre Paulina morreu em São Paulo, no dia 9 de julho de 1942.

Seguidores – Desde 1991, quando o Vaticano reconheceu o primeiro milagre de madre Paulina, a legião de fiéis em torno da religiosa só tem aumentado (leia reportagem na pág. 52). Na última semana, a Igreja Católica no Brasil já começou a se preparar para algo bem maior. O movimento em uma das mais tradicionais indústrias de imagens religiosas do País, a Artesanato Costa, que fica na cidade de Mafra, em Santa Catarina, reflete a atual popularização de madre Paulina. O diretor de vendas Antônio Hack Netto conta que o telefone não parou de tocar depois do anúncio da canonização. São lojas de todo o Brasil, encomendando réplicas da imagem feita originalmente a pedido do santuário de Nova Trento. “Em dois dias, vendemos mais imagens de madre Paulina do que nos últimos cinco anos”, contabiliza Hack Netto.