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DESENVOLVIMENTISTA
Barros de Castro pertencia à escola keynesiana e
considerava um perigo deixar o mercado atuar sozinho

Alguns homens são independentes, prezam a liberdade de pensamento e nadam contra a maré montante. Esse foi o caso do economista Antônio Barros de Castro. Avesso às ideias preestabelecidas, ele dedicou a vida ao estudo da economia brasileira, sempre com luz própria. “Escuto dizer que meu pai era um otimista. Não é verdade. Era um inconformista”, diz sua filha Lavínia, economista do BNDES e professora do Ibmec. De fato, o inconformismo marcou a trajetória de Castro. Nos anos 70, ele fez parte do corajoso grupo de acadêmicos que se opuseram às bases do milagre econômico do regime militar. Acusou as excessivas concentração de renda e dependência externa, mas divergiu de seus colegas ao apoiar a substituição de importações financiada pelo BNDES. Nas décadas seguintes, atacou com vigor o inchaço do setor financeiro e a submissão do País aos ditames ortodoxos do consenso de Washington. Viu, porém, com bons olhos a abertura da economia, como fator de inovação da indústria nacional. Reservado, atuou sempre no meio universitário, no qual conquistou admiração como poucos dos mestres de seu tempo. Ao morrer aos 73 anos no domingo 21, quando uma laje desabou em sua casa, na zona sul do Rio de Janeiro, Castro foi lembrado com as honras que fez por merecer. “O dinamismo do Brasil de hoje deve muito ao professor Antônio Barros de Castro”, disse em nota oficial o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Ele deixa para todos nós um legado de compromisso com o desenvolvimento do Brasil”, afirmou Luciano Coutinho, presidente do BNDES.

Professor emérito da UFRJ e presidente do BNDES de outubro de 1992 a março de 1993, durante o governo Itamar Franco, Castro sempre foi rotulado como um economista da corrente desenvolvimentista. O rótulo é curto para abrigar a imensa atividade intelectual de Castro. O economista Carlos Lessa, seu amigo desde os tempos de graduação – os dois se formaram em 1959 pela antiga Faculdade Nacional de Economia –, diz que Castro foi “um excepcional acadêmico e um seríssimo pensador de tudo o que se refere à economia política”. Lessa conta que, poucos anos depois de se formarem, ambos foram convidados pela ONU para trabalhar no escritório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) no Rio. Já inspirados nas lições de Celso Furtado e Ignácio Rangel, eles se entusiasmaram também com as ideias do argentino Raúl Prebisch, criador da Cepal, e tornaram-se defensores intransigentes do estruturalismo. Somando a essa teoria os ensinamentos de Lorde Keynes, John K. Galbraith e Joseph Schumpeter, os diletos amigos fizeram um livro clássico: “Introdução à Economia: Uma Abordagem Estruturalista” (1967). Na 47ª edição, já vendeu mais de 500 mil exemplares. Só perde para a obra “Formação Econômica do Brasil”, de Celso Furtado.

Antes do golpe militar de 1964, a dupla de jovens estruturalistas havia se transformado num trio com a adesão da portuguesa Maria da Conceição Tavares. Vieram, porém, os anos de chumbo e os três partiram para o exílio voluntário. Castro passou pelo Chile e depois seguiu para Cambridge, na Inglaterra. Conceição foi para o México; e Lessa, para a sede da Cepal, em Santiago do Chile. Só voltaram ao Brasil quando já não havia risco de serem presos. No início do governo João Figueiredo, nos anos 80, foi aberto um concurso para professor na faculdade de economia da UFRJ. Lessa e Conceição ocuparam as duas primeiras vagas. E Castro disputou a terceira cadeira com Pedro Malan, bem mais jovem. Lessa fazia parte da banca e o escolhido foi Castro. Dizem que Malan, anos depois líder de um grupo de professores da PUC-Rio que comandou a economia no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, nunca perdoou o fato de ter sido preterido para a UFRJ. A corrente da PUC, como se sabe, afastou-se radicalmente da linha estruturalista e aderiu ao PSDB e ao neoliberalismo hegemônico nos anos 90. Por isso mesmo, Conceição se disse traída pelos meninos da PUC, Malan à frente.

Enquanto Lessa filiou-se ao PMDB e Conceição ao PT, Antônio Barros de Castro man­teve sua postura de intelectual independente. Segundo sua filha Lavínia, ele tinha uma alma “estruturalista”, mas tinha muitas outras influências em seu pensamento. Leu e deu aulas sobre Marx. Mas também era profundamente keynesiano e considerava um perigo deixar o mercado atuar sozinho. Antônio Barros de Castro morreu enquanto estudava em seu gabinete na tarde chuvosa do domingo passado. Mas deixa a semente da independência e do inconformismo para centenas de economistas brasileiros.

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