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A comparação era inevitável. Ver a Ferrari de Felipe Massa atravessar uma curva no treino de sábado 25 de julho do Grande Prêmio da Hungria de Fórmula 1, bater violentamente contra a barreira de pneus e o piloto não se mexer trouxe apreensão a milhares de brasileiros diante da tevê. Mesmo após 15 anos, as imagens de Ayrton Senna imóvel na curva Tamburello em Ímola, na Itália, são relembradas como uma das mais tristes passagens da história do País. Felizmente, dessa vez houve um drama provocado por incertezas sobre o futuro, mas não tragédia. O piloto saiu da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Militar em Budapeste na quarta-feira 29 e deveria voltar para o Brasil no domingo 2 de agosto. A evolução de seu quadro clínico (um traumatismo craniano leve chamado concussão cerebral) é excelente e as expectativas são as melhores. Voltar às pistas, porém, só em 2010. Quem substitui Massa até o fim da temporada é seu amigo e heptacampeão mundial Michael Schumacher, 40 anos, que interrompe a aposentadoria iniciada em 2006 para resolver o problema da equipe pela qual alcançou a consagração, permanecendo como conselheiro. Competitivo, o alemão deve esquentar a disputa nos próximos GPs. "Por uma questão de lealdade à equipe, não posso ignorar essa situação complicada. Como competidor, estou ansioso pelo desafio", afirmou o piloto em nota oficial publicada em seu site. Abandonar o descanso também tem seu preço: R$ 8,5 milhões a cada corrida. Schumacher começará do zero na pontuação dos pilotos, mas a Ferrari manterá os pontos de Massa no Mundial de Construtores.

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A aposta é que o talento e a experiência do alemão podem levá-lo a vencer e devolver à Ferrari o brilho perdido com as mudanças nos carros de F-1, que nivelaram a competição desde o começo da atual temporada. Estaria o lugar de Massa ameaçado? A escuderia italiana garante que não. O posto é dele no ano que vem. Não é segredo, no entanto, que o circo da F-1 é dinâmico. Schumacher é um competidor nato. Se ele começar a subir no pódio, relembrar como é bom vencer e trouxer lucros para a Ferrari, talvez nem a equipe nem o alemão queiram abrir mão desse retorno e as vagas teriam que ser revistas. Carlos Montagner, diretor de prova do GP Brasil, não acredita que Schumacher volte em definitivo. "Trazer alguém que conhece o carro e a dinâmica da Ferrari era apenas a melhor solução." É importante lembrar que o alemão terá que se familiarizar com as diversas novidades na categoria. Asas dianteiras móveis controladas pelo piloto no cockpit e menos aerodinâmica, que obriga o piloto a segurar o carro no braço, são algumas das modificações com as quais Schumacher terá que se acostumar. Ganhar não será tão simples como antes. "Há mais competitividade", diz Montagner. Na quinta-feira 30, ele dava início também aos treinamentos físicos, com especial atenção para o fortalecimento do pescoço. Foi essa a parte mais afetada em uma queda de moto que sofreu em fevereiro.

Para Massa, que foi vice-campeão no ano passado e não estava satisfeito com a performance do carro, não será fácil ver mais um campeonato escapar. Ainda no leito da UTI, o brasileiro disse que desejava voltar já na próxima disputa, que acontece no dia 23 de agosto, na Espanha. Por hora, Ferrari e médicos concordam que o mais prudente é o piloto não pensar em nada além da própria saúde. "O esperado é que ele fique muito bem e volte a dirigir", diz o neurocirurgião Cláudio Fernandes Correa, do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. "Mas complicações tardias, apesar de raras, devem ser consideradas", diz o neurocirurgião Hallim Feres Junior, do Hospital Israelita Albert Einstein, também em São Paulo. Crises epiléticas não estão descartadas. Elas podem aparecer meses depois de acidentes graves, como o que Massa sofreu. Comprometimento da memória e da atenção são outras consequências.

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O piloto Cristiano da Matta passou por situação semelhante em 2006, durante testes na Fórmula Indy, quando um cervo atravessou a pista e bateu contra sua cabeça. Ele permaneceu 28 dias em coma. Após despertar, teve que fazer fonoaudiologia e fisioterapia todos os dias, nos três primeiros meses. "Saí muito fraco do hospital", conta. "E os médicos só me liberaram para pilotar mais de um ano depois." O piloto Luciano Burti foi outro automobilista que enfrentou uma concussão cerebral devido a um acidente no GP da Bélgica, em 2001. Numa tentativa de ultrapassagem, seu carro tocou o do irlandês Eddie Irvine. A suspensão quebrou, Burti ficou sem volante e bateu em um muro a 280 quilômetros por hora. "Meu caso foi bem parecido com o do Massa", explica. O brasileiro voltou a pilotar em quatro meses, mas reconhece que não se sentia 100%. "O carro de F-1 exige muito fisicamente", diz. "Talvez ele até tenha condições de pilotar em menos tempo, mas é fundamental um resguardo."

Depois do acidente, Massa passou por uma cirurgia de pouco mais de uma hora para a retirada de fragmentos ósseos que comprimiam seu cérebro. O coma ao qual foi induzido baixou a atividade cerebral, uma espécie de repouso para evitar um aumento do edema causado pela pancada. A sedação foi diminuída em 48 horas. Logo, ele já apresentava uma melhora progressiva. Reconheceu a família – o irmão Dudu (que o acompanhava no autódromo de Hungaroring), os pais, Luis Antônio e Ana Elena, e a esposa, Rafaella, grávida de cinco meses. Conversou em inglês e italiano com os amigos que o visitaram. Na terça-feira 28, os médicos descartaram qualquer trauma na visão do olho esquerdo, também atingido no choque. No começo da noite, a irmã Fernanda, que embarcava de São Paulo para a Hungria, disse que a família estava preocupada, mas esperançosa. E que todos, antes abalados, melhoravam junto com Massa. "Ele faz brincadeiras, seus reflexos estão ótimos", disse em entrevista à ISTOÉ. Fernanda assistia ao treino em casa. Quando percebeu que o irmão não movia a cabeça, começou a chorar. "Eu gritava pedindo para ele se mexer", conta. Na quarta-feira 29, o piloto deu os primeiros passos pelo quarto, se alimentou normalmente e iniciou exercícios de respiração. No dia seguinte, pela primeira vez desde o acidente, Massa e Rubens Barrichello conversaram. "Você tinha que jogar as coisas logo na minha cabeça?", brincou Massa. Durante a bem-humorada conversa, de cerca de cinco minutos, Barrichello perguntou pelas condições do amigo e desejou melhoras.

Massa teve sorte. Caso a mola que se soltou do carro de Barrichello atingisse o rosto do piloto alguns centímetros abaixo, ele não sobreviveria. O herói nessa história foi o capacete, hoje produzido com o que há de melhor em tecnologia e muito superior aos usados até a década de 70 (leia quadro). Uma sorte que Senna não teve quando uma peça da suspensão do carro atravessou seu capacete. Foi justamente o acidente dele que levou a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) a definir novas medidas de segurança no esporte. Entre as mais significativas, o aumento da proteção de ombros e pescoço do automobilista no cockpit, melhorias nas áreas de escape nas pistas e testes de resistência mais exigentes para os carros.

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Além do acidente de Massa, a morte do jovem piloto Henry Surtees, 18 anos, na Fórmula 2 em 19 de julho, na Inglaterra (atingido por um pneu), e as queimaduras de segundo grau que o brasileiro Tony Kanaan sofreu nos dedos e no rosto no domingo 26, durante a etapa de Edmonton, da Fórmula Indy (houve vazamento de combustível e um princípio de incêndio durante a parada nos boxes), poderão levar a FIA a estudar novas medidas de segurança. Um relatório sobre os acidentes está sendo preparado. Quem é do meio, porém, acredita que esses três casos foram fatalidades. Kanaan, que já está liberado para a próxima corrida, disse à ISTOÉ, dos Estados Unidos, que a segurança é um item com o qual nunca deve existir contentamento. "Sempre há uma busca por aperfeiçoamento", diz. "Mas, em automobilismo, acidentes acontecem." Cristiano da Matta afirma que o perigo no esporte é restrito e calculado. "Quem sai na rua pode ser atropelado. É uma possibilidade diária." Para Luciano Burti, qualquer piloto é consciente em relação ao que está exposto. "Não é fazer papel de valente para dar espetáculo. O risco faz parte." Os fãs só torcem para que os acidentes fatais nunca ocorram. E que Felipe Massa volte, em breve, para o lugar mais alto do pódio.