19/08/2011 - 21:00
Assista à entrevista:
BLOCO 1
Da infância ao futebol profissional
Edmundo fala sobre sua família e o começo nas divisões de base do Botafogo e do Vasco da Gama
Idolatria e Seleção brasileira
O “Animal” relembra seus melhores momentos no Palmeiras e no Vasco e faz um balanço de sua atuação com a camisa da Seleção
BLOCO 3
Ídolos, amigos e desafetos
Zagallo, Romário, Vanderlei Luxemburgo, Eurico Miranda e Roberto Dinamite. Os personagens marcantes na trajetória de Edmundo
BLOCO 4
O acidente de 1995
O ex-jogador revela detalhes da tragédia e fala sobre o processo judicial que se arrasta até hoje.
BLOCO 5
Paternidade
Edmundo conta como anda sua relação com Alexandre, seu filho com a ex-modelo Cristina Mortágua
ANIMAL
O comentarista na cobertura do prédio onde vive, em São Paulo
Poucos atacantes encarnaram o espírito de bad boy com o apetite de Edmundo Alves de Souza Neto. Um dos astros do futebol brasileiro na década de 1990, o camisa 7 entrou para a história como um dos maiores ídolos do Vasco da Gama e do Palmeiras, mas nunca conseguiu repetir o brilho que apresentava nos clubes com a camisa da Seleção Brasileira. Ao mesmo tempo que arrebentava nos campos, Edmundo colecionou episódios polêmicos em sua vida pessoal.
Na entrevista a seguir, concedida no flat onde vive em São Paulo, o atual comentarista da Rede Bandeirantes não fugiu de perguntas sobre o acidente automobilístico em que se envolveu em 1995, no Rio de Janeiro. O caso, que deixou o triste saldo de três mortos, se arrasta desde então e levou à prisão do ex-jogador, condenado a cumprir uma pena de quatro anos e meio no regime semiaberto, há cerca de dois meses. Aos 40 anos, Edmundo briga na Justiça para que a prescrição do caso seja reconhecida e ainda convive com a rotina de ser pai de quatro filhos – um deles, o jovem Alexandre, filho da ex-modelo Cristina Mortágua e homossexual assumido.
"Emprestei R$ 400 mil para o Luxemburgo em 1996.
Ele foi para a Seleção e eu fiquei com receio de cobrar,
queria ir para a Copa. Só fui para a Justiça dez anos depois"
"Para mim, o Alexandre não assumiu que é homossexual.
Pode ser coisa de pai enganado, mas não tenho certeza"
O que você sente quando vê as imagens das brigas nas quais se envolvia durante os jogos?
Não me arrependo do que fiz em campo. Podendo evitar, ótimo (risos), mas faria tudo de novo. No dia a dia sou tranquilão, não caio em provocação. Também sou totalmente paciente no trânsito. Apesar de o rótulo negativo ter ficado muito forte, hoje conheço alguém e depois escuto: “Pô, como você é diferente.”
Por que você não se destacou na Seleção Brasileira?
Fui convocado 69 vezes e não consegui mostrar o meu melhor futebol. Não foi frustrante só para mim, e sim para o Brasil inteiro. Peguei a entressafra entre a geração de Bebeto e Romário e a seguinte. E aí não superei o Ronaldo, o Ronaldinho Gaúcho e a turma que veio depois. Tive a oportunidade de ficar na Itália e no Japão, mas acabei voltando para cá, onde fui massacrado pelos meios de comunicação, perseguido e prejulgado. Mas estou de pé, com saúde e com a minha família.
Ainda existe algum segredo sobre os acontecimentos antes da final da Copa de 98?
Um dos maiores defeitos do brasileiro é achar que sempre tem sacanagem na história. Só posso falar do que vi. O que houve foi um encontro de coincidências ruins. Dizem que o Ronaldo poderia ter morrido se eu não tivesse percebido que ele estava tendo uma convulsão. Isso me deixa até lisonjeado. O que aconteceu naquela concentração tirou todo mundo do prumo.
Você se preparou para virar comentarista?
Quando parei de jogar, comprei uma sala e montei um escritório para ser empresário de jogadores. Mas o momento era ruim porque empresas como a Traffic e o Grupo Sondas entraram no mercado. Aí, depois de uma conversa com o Ronaldo (Giovanelli, ex-goleiro do Corinthians), que já era comentarista, meu nome foi indicado para trabalhar em alguns jogos na Rede TV!. Depois de quatro meses, fui convidado para ir para a Bandeirantes, onde estou até hoje.
Quem é mais difícil, Neto ou Milton Neves?
O Milton Neves é mais mala. O Neto é boleiro, fala a minha língua. Acho que eu funciono como um ponto de equilíbrio. Você sabe, a nossa briga é injusta. Na Bandeirantes, herdamos a audiência em traço. Na concorrência, o esporte pega a novela com 40 pontos no ibope.
Como você avalia a atuação de Romário como deputado?
Fui convidado para entrar na política com ele. A ideia era fazer uma dobradinha, ele como deputado federal e eu como estadual pelo PSB. Num primeiro momento eu achei legal, mas recebi um monte de críticas. Como eu já estava trabalhando como comentarista, coloquei na balança e abandonei a história. Pensei que o Romário iria fazer o mesmo por causa do seu temperamento. Ele nunca foi político no trato, não achava que iria dar certo. Mas estou muito satisfeito com o seu desempenho na Câmara.
Em que pé está a sua relação com o Vanderlei Luxemburgo? E o processo que você move contra ele?
Emprestei o dinheiro para ele (R$ 400 mil) em 1996. Três anos depois, o Vanderlei foi para a Seleção e eu fiquei com receio de cobrar, queria ir para a Copa. Só fui colocar o caso na Justiça dez anos depois. E aí a imprensa divulgou a história. Em vez de pegar o telefone para conversarmos, ele deu uma coletiva e me chamou de mau-caráter, de vagabundo. Fiquei tranquilo e mostrei que estava surpreso com as declarações do Luxemburgo, alguém que eu já tinha chamado de pai. Até o caso ir para a Justiça, eu era considerado um filho, o melhor do Brasil, o querido. Ele é enrolado, mas não acho uma má pessoa. Só o Vanderlei pode resolver essa situação, pagando o que deve e colocando a história para trás.
Como foi o acidente em que você se envolveu no final de 1995?
Lembro de tudo. Fomos a uma choperia onde, eu juro, não bebi nada. Até tomava alguma coisa na balada para ficar com coragem de chegar em uma garota, mas bebida nunca foi o meu forte. Depois paramos num bar, onde tomei um chope e uma água. Quando eu estava indo para uma boate com um amigo, acabei dando carona para duas meninas. E foi nesse percurso que houve o acidente. Talvez por eu estar conversando, distraído, não vi que um carro entrou na minha frente em uma curva acentuada. E aí capotamos, causando a morte de duas pessoas que estavam em outro carro e de uma menina que estava conosco. Não quero fazer acusações, e sim me defender, mas ninguém falou que o menino que morreu não tinha carteira de motorista, por exemplo.
Que lições ficaram?
Minha vida mudou radicalmente. Passei a ser uma pessoa melhor, a ter outros valores. Sofri muito com a dor das famílias dos envolvidos, mas graças a Deus todo mundo entendeu que foi uma fatalidade. Tentei fazer tudo o que estava ao meu alcance. Paguei indenizações absurdamente altas, e esse dinheiro nunca me fez falta.
Como está o processo, depois da sua prisão em junho?
A prescrição do crime é um direito constitucional. O problema é quem vai assinar essa prescrição. O juiz que me condenou pela primeira vez disse para o meu advogado que chegou à pena depois de ler uma nota na coluna do Ancelmo Gois (no jornal “O Globo”). Ela dizia que o Eurico (Miranda, ex-presidente do Vasco) tinha pago US$ 1 milhão para me livrar. Isso não é verdade, faço questão de dizer. Aí o juiz ficou naquela si­tuação. Eu estava pronto para pegar a pena máxima, que poderia ser revertida em cestas básicas. Foi isso que aconteceu, mas fui condenado com agravantes, algo que não é aplicado em acidentes de trânsito, em casos de homicídio doloso. Eu era réu primário, sem antecedentes, e tudo poderia ter sido encerrado há 15 anos. O caso foi a Brasília e voltou para o Rio de Janeiro, onde ninguém assina a prescrição. Agora, tudo volta e meus filhos sofrem.
Como foi a sua prisão?
Eu estava na minha casa, esperando que o meu advogado conseguisse uma liminar. Aí os policiais chegaram, fui encaminhado à delegacia e fiz todos os procedimentos necessários. Mas gostaria de dizer que fui tratado de forma diferente. Minha pena é de prisão semiaberta e a polícia não poderia vir à minha casa no meio da noite. Meu advogado é muito competente e deixo o caso nas mãos dele. Digo sem receio: cumpro a pena no semiaberto sem problemas, desde que a lei seja respeitada. Estou pronto para isso. Não tenho medo. Aceito a pena, mas só se for o justo, se ela for aplicada a todos na mesma situação que eu.
Como está o relacionamento com Alexandre, de 16 anos, seu filho com a modelo Cristina Mortágua?
Infelizmente, ainda não consegui ser pai do Alexandre em tempo integral. Ele é um moleque do bem. Estamos tendo a oportunidade de compreender um ao outro. Depois que ele teve um problema com a mãe, aquela briga, a Justiça mandou que fizéssemos terapia. Mas sempre fui pai do Alexandre. Na verdade, tive esse papel com os meus filhos, os meus pais e a minha família inteira.
A mãe do Alexandre disse que ele usa drogas. Você já falou com ele sobre isso?
Ele me garantiu que não consome nada. Ninguém vai me enganar, meu irmão usou drogas por 15 anos. O Alexandre não conseguiria me enrolar. Acho que a mãe dele estava desesperada porque o garoto acordou para a situação. Ela não trabalha e sempre viveu da pensão do menino. Agora ele quer ter liberdade, quer viver a vida e seguir o seu caminho. Eu respeito, admiro e apoio.
Como você reagiu quando o Alexandre assumiu que era homossexual nas páginas de uma revista gay?
Para mim, ele não assumiu. Mas vejo traços. Pode ser coisa de pai enganado, mas tanto eu quanto a terapeuta não temos certeza disso. Talvez seja uma fuga, uma consequência da convivência apenas com a mãe, que é muito afetada. Não vejo problema com a opção sexual dele, só falo que ele tem de ser íntegro, honesto e trabalhador. Até porque a opção sexual é algo íntimo demais. Só acho que tem que ser algo discreto. O garoto vai fazer 17 anos, ainda é uma criança.
Voltando ao futebol, o Neymar é mesmo o cara?
É muito cedo para jogar toda a responsabilidade em cima dele. Dentro de um time forte, de um bom elenco, ele é o cara que vai se destacar e se sobressair. Esse é o maior desafio da Seleção. Meu único medo é que o Neymar perca o foco.
E o técnico Mano Menezes, dura até a Copa de 2014?
Tenho dúvidas. Não dá para esperar mais, temos que ganhar essa Copa. Gosto do estilo do Mano, ele tem um modo de agir parecido com o meu – não se abate nas derrotas nem se empolga muito quando está por cima. Só que a pressão é muito grande. É aquela coisa: os dois cargos mais importantes do Brasil são o de presidente da República e o de técnico da Seleção.
Vamos passar vergonha com a Copa feita no Brasil?
Não, vamos nos orgulhar muito. Estive em duas Copas, na França, em 1998, e na África do Sul, no ano passado. Sei que o Brasil está preparado, mesmo com os estádios ainda em obras. Só acho uma coisa: nada contra o Corinthians ou o Andrés (Sanchez, presidente do clube), mas acho que o Morumbi deveria ter sido reformado para receber a abertura da Copa em São Paulo. Tínhamos de contar com o charme daquele estádio. A briga política foi muito feia.