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SINA
Oito meses depois da enxurrada, a cidade ainda tem
escombros: o novo prefeito, Arlei Rosa (abaixo), não tem caixa

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O primeiro golpe foi da natureza. No dia 12 de janeiro, uma tempestade despejou, em três horas, sobre Teresópolis, no Rio de Janeiro, a quantidade de chuva prevista para 30 dias, devastando o município e causando a morte de pelo menos 300 pessoas, além de deixar quatro mil desabrigadas. Alguns morros em torno da cidade se desintegraram e o deslizamento de terra provocou uma avalanche que transformou a paisagem verde em um cenário árido e inóspito. O segundo golpe foi da ganância humana. Corrupção, fraude e desvio de dinheiro fizeram com que o socorro às vítimas e a recuperação da cidade fossem deficientes a ponto de, ainda hoje, Teresópolis parecer uma cidade de escombros. O então prefeito, Jorge Mário Sedlacek (PT), 52 anos, foi afastado do cargo, acusado de embolsar aproximadamente R$ 20 milhões da verba da reconstrução. O terceiro golpe foi do destino: o vice-prefeito que assumiu o cargo principal, Roberto Pinto (PR), morreu vítima de infarto dois dias após ser empossado. Assim, Teresópolis tem, agora, seu terceiro prefeito em uma semana, Arlei de Oliveira Rosa (PMDB), presidente da Câmara dos Vereadores e iniciante na política. Na quarta-feira 10, ele reuniu a imprensa na sede do governo para anunciar que o município está falido. “Temos R$ 1,5 milhão em caixa e uma dívida de R$ 23 milhões”, comunicou, desanimado.

Tanta desgraça fez com que os moradores passassem a se sentir alvos de uma espécie de conspiração do mal. “Conhece alguma rezadeira boa? Manda para cá”, ironiza o presidente da Associação de Vítimas de Teresópolis, o aposentado Jorge Henrique Ramos de Mattos, 52 anos. Segundo ele, mais de 500 dos cerca de quatro mil desabrigados continuam sem receber o aluguel social – de R$ 500 –, seis escolas estão fechadas e bairros inteiros continuam isolados, sem transporte público e energia elétrica. “O prefeito afastado só fez besteira e o atual é inexperiente”, afirma, desolado. “Aqui, só retiraram o entulho enquanto procuravam corpos. Depois nos abandonaram”, reclama a dona de casa Neuza Helena Marques de Almeida, 46 anos. Do alto de seus 80 anos, Haroldo Silva, que perdeu parentes na tragédia, sentencia: “O problema de Teresópolis é que os sabidos querem levar a grana dos miseráveis”.

A calamidade das chuvas em Teresópolis sensibilizou o País e uma rede de solidariedade se formou. O governo federal liberou R$ 7 milhões, o governo do Estado, R$ 5 milhões, e a sociedade, através de doações, arrecadou mais de R$ 6 milhões. Isso, sem contar com a doação de roupas, mantimentos, eletrodomésticos, veículos e a mão de obra de centenas de voluntários. No entanto, a ajuda não chegou às mãos dos necessitados. Muitas acusações recaem sobre o prefeito Sedlacek, que se elegeu pelo PT, mas foi expulso do partido após as denúncias de irregularidades. Seu patrimônio cresceu inexplicavelmente. Com salário de R$ 12 mil mensais, ele trocou o seu carro popular Clio por uma caminhonete blindada avaliada em mais de R$ 200 mil e mudou de uma modesta casa, no centro, para um apartamento no mais luxuoso condomínio da cidade, o Península Ibérica, onde os imóveis não custam menos de R$ 1 milhão.

O prefeito afastado contratou, sem licitação, por R$ 5 milhões, duas empresas para executar os serviços de limpeza da cidade durante 45 dias. “Para fazer o mesmo trabalho que empreiteiras contratadas pelo Estado estavam fazendo”, acusa Rita Telles, diretora da ONG Nossa Teresópolis. A situação estava fora de controle a ponto de o dono de uma dessas empresas, a RW Construtora e Consultoria, José Ricardo de Oliveira, procurar o Ministério Público Federal para denunciar o aumento da propina cobrada pela prefeitura, de 15% para 50% – o que dizer disso? Neste mês, os parlamentares de Teresópolis aprovaram o afastamento, por 90 dias, do prefeito Sedlacek. Numa atitude patética, ele chegou a se trancar no gabinete da prefeitura para não largar, literalmente, a cadeira. Só saiu de lá mediante ordem judicial. Teresópolis tem este nome para homenagear a imperatriz Teresa Cristina, esposa de Dom Pedro II. Com 150 mil habitantes, cercada por recantos lindos e com uma temperatura amena em torno dos 20 graus, é um município que proporciona bem-estar a quem mora lá ou a visita. Merecia mais respeito.

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