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ERRO
Rio, terça-feira 9: polícia tentou parar ônibus com tiros e atingiu inocentes

Em plena avenida Presidente Vargas, uma das mais movimentadas do Rio de Janeiro, passageiros de um ônibus são tomados como reféns por assaltantes e a Polícia Militar negocia para libertá-los. A cena, vista pela tevê por milhões de brasileiros na noite da terça-feira 9, parecia um replay. Inevitável associar o episódio com o sequestro do ônibus 174, ocorrido 11 anos antes, quando a ação de um policial resultou na morte da professora Geisa Gonçalves (leia quadro). A lição, no entanto, não foi aprendida. No assalto do coletivo da Viação Jurema na semana passada, mais uma vez, foi a atuação da polícia que causou os maiores prejuízos aos reféns: antes que todos fossem libertados, dois transeuntes e três passageiros acabaram baleados, tudo indica, por armas dos agentes da lei. “Fica óbvio o despreparo dos policiais, é uma noção básica de que não se deve atirar quando há reféns”, critica o sociólogo Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O próprio comandante da PM do Rio, coronel Mário Sérgio Duarte, reconheceu a precipitação de seus comandados, embora tenha, de início, classificado a atuação da polícia como “excelente”. A retificação veio no dia seguinte. “Os tiros não poderiam ter sido disparados”, admitiu, referindo-se à ação dos policiais que miraram os pneus do coletivo para fazê-lo parar. Segundo a perícia, teriam sido esses os disparos que feriram os passageiros. Também o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, criticou: “Houve erro na forma com que a polícia tentou parar o ônibus.” Depois do caso do ônibus 174, a PM tomou algumas providências, como criar um grupo especializado do Batalhão de Operações Especiais (Bope) para negociar com bandidos que fazem reféns. “Esses militares atuaram muito bem para libertar os passageiros”, destaca o coronel da reserva Paulo Cézar Amêndola, um dos criadores do Bope. “Mas a decisão de atirar foi uma falha. Somente ‘snipers’ (atiradores de elite) podem agir em casos assim.” Essa precaução parte de uma premissa simples: “A polícia não pode agir e agravar a situação”, diz José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública.

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O caso serviu também para destacar um tipo de crime para o qual as autoridades têm dado pouca atenção. A média de assaltos a ônibus no Rio chega à absurda marca de 19 ocorrências por dia. Algo muito mais frequente do que se supõe. ISTOÉ encontrou várias outras vítimas de episódios semelhantes. “Fui assaltado uma semana antes pela mesma quadrilha”, conta um bancário que não quer se identificar. Ele estava em um coletivo da empresa 1001, rumo a Niterói, quando houve uma invasão de bandidos. “Eles nos levaram até a avenida Brasil e roubaram todos os passageiros.” Para evitar esse tipo de assalto, o ideal seria usar a prevenção – algo que está longe de acontecer. “O motorista de ônibus está abandonado à própria sorte”, lamenta Osvaldo Garcia Gomes, vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários do Rio de Janeiro.

A Fetranspor, federação que reúne as empresas de coletivos, divulgou nota na qual lembra que todos os veículos têm aparelhos de vídeo. A verdade, no entanto, é que isso não tem surtido efeito. “Os assaltantes fazem caretas para as câmeras, não são intimidados por elas”, diz Gomes. A preferência dos assaltantes é pelos ônibus com ar-condicionado, que têm vidros escuros e escondem o crime. Por enquanto, as autoridades se limitaram a ações protocolares, como indiciar os três assaltantes presos e os dois PMs que fizeram 15 disparos contra o ônibus. Na opinião do sociólogo Cano, apesar de ter alcançado repercussão nacional, o último episódio não deve ter força para motivar qualquer mudança profunda. “Infelizmente, ações mais importantes do governo só acontecem quando há alguma vítima fatal ou várias”, avalia.

 

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