Rogério Flausino: De Alfenas ao J. Quest
 

Rogério Flausino: drogas, idolatria, bons e maus exemplos
 

Rogério Flausino: paternidade, amor, sexo e imprensa
 
 

 

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A cara e a voz de um dos maiores grupos do pop brasileiro desde os anos 90, Rogério Flausino é sinônimo de festa. Quem já foi a um show do Jota Quest percebe imediatamente como o vocalista fica à vontade ao ocupar o centro do palco. Carismático, ele construiu uma imagem colorida e, de certa forma, inofensiva rapidamente. Foi o que bastou para o bom moço cair no gosto do público e até mesmo ser transformado em garoto-propaganda de refrigerante.

Agora, em meio às comemorações dos 15 anos de sua banda, Flausino conversou com ISTOÉ e resolveu abrir o jogo sobre um comportamento surpreendente para quem está acostumado com sua persona pública: o uso de drogas. “Sempre administrei muito bem essa parada de droga. Eu seguro a onda”, diz o cantor de 39 anos. Além de abrir o jogo sobre o assunto, ele ainda faz uma retrospectiva de sua trajetória e confessa: “Houve um momento em que pensei em sair da banda.”

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ISTOÉ – Quando você decidiu que iria viver de música?
Rogério Flausino – Eu já ouvia roda de violão quando estava na barriga da minha mãe. Meus avôs gostavam de música e tinham um grupo de teatro, que misturava muito com o circo, uma tradição do interior de Minas. Meu tio mais velho gravou um disco na Rádio Nacional com meu avô, tenho esse vinil lá em casa. Montei a primeira banda quando tinha 12 anos, com o Sideral (irmão de Rogério) e dois primos, em 1984. Era normal porque todo mundo na família só falava disso. E tinha aquela coisa: “Que legal, agora os meninos também estão tocando.” Para mim, tudo começou mesmo com o primeiro Rock in Rio, que botou no palco principal aquelas bandas que a gente via no Chacrinha toda semana.

ISTOÉ – O que a geração de roqueiros dos anos 80 te ensinou?
Flausino – Eles foram a minha referência inicial. Só fui ouvir Beatles, Led Zeppelin e Rolling Stones depois daquela loucura toda que foi o rock nacional. Titãs, Paralamas, Legião Urbana, Lobão, Lulu Santos… Posso ficar horas falando de todos eles.

ISTOÉ – Como o Jota Quest pintou na sua vida?
Flausino – Depois de me formar em informática, ainda em Alfenas, descolei um estágio de 15 dias em uma agência de publicidade de Belo Horizonte. Cheguei à cidade num momento incrível. Na primeira semana, abri o jornal e lá estava: “Skank assina com a Sony Music.” Falei: “Mudei pra cidade certa, vou colar.” BH estava fervendo. Comecei a ir em todos os shows, não conhecia ninguém, mas ficava lá, assistindo. E uma dessas bandas era o J. (prunucia-se “jay”) Quest, tocando funk, soul e discoteca. Meses depois, recebi um telefonema do Márcio Buzelin (tecladista), me chamando para fazer um teste. Como já tinha visto a banda ao vivo, disse que não sabia cantar em inglês igual ao outro vocalista, mas mesmo assim eles me chamaram. Os meninos demoraram 10 ensaios pra falar que eu estava dentro, mas aí a gente não se separou mais.

ISTOÉ – Como você se integrou ao som da banda?
Flausino – A gente mergulhou nessa coisa da black music pra valer. De usar roupa, perucas. Viver esse mundo foi um aprendizado muito grande pra mim. Misturamos soul com Tim Maia, Roberto Carlos, Hildon e Cassiano. Isso me fez achar um jeito de entrar naquela banda.

ISTOÉ – Quando você teve a sensação de aquele era o seu grupo?
Flausino – Não existiu um momento assim. Também nunca imaginei que eles iriam me botar pra fora. Não houve isso. A gente foi amadurecendo a relação a cada dia. Sofremos uma pressão muito grande no auge do sucesso. Éramos uma boa banda, mas nos cobrávamos muito.

ISTOÉ – É que o sucesso foi monstruoso, não? Foi difícil seguir adiante depois do estouro de uma música como “Fácil”, por exemplo?
Flausino – Houve um momento, quando lançamos o disco “Oxigênio” (2000), em que pensei em sair da banda para não atrapalhar. Eu achei que a culpa era minha. Levamos muita pedrada e, na verdade, a culpa não era de ninguém. Tínhamos lançado dois discos, vendido 1,5 milhão de cópias e não sei o quê. Aí fechamos um bom contrato publicitário para fazer os comerciais do refrigerante Fanta. Neguinho queria matar a gente, a galera achou que eu tinha pintado o cabelo de laranja porque a Fanta tinha mandado. Quinze dias depois eu falei: “Vamos trocar esse cabelo, tingir de outra cor.” Pintei o cabelo de roxo, cheguei na esquina e fui pegar um taxi. Aí um cara disse: “Fanta uva!” Não deu outra, bicho. Virei Fanta uva. Todo mundo no nosso meio meteu o pau na gente publicamente. E boa parte dessas bandas fez o mesmo tipo de coisa poucos anos depois.

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ISTOÉ – Você amadureceu com essa história?
Flausino – A primeira pedrada a gente nunca esquece. Tanto que demos um tempo e ficamos oito meses no estúdio para gravar o “Discotecagem Pop Variada” (2001), que tem a faixa “Na Moral”. É um disco black, pegamos o caminho de novo com ele. Tenho muito orgulho dos nossos erros e acertos. Aprendi a lidar com tudo e não tenho mágoa. Esses dias me perguntaram se nós nos achávamos injustiçados. Não, isso é um jogo que tem que ser jogado.
 
ISTOÉ – Como você administra a sua grana?
Flausino – Meu pai me ajuda a guardar, e eu sou pão-duro mesmo porque a gente não sabe o dia de amanhã. Administrei a minha grana da forma mais tradicional possível, comprando imóvel. A única coisa que eu tentei fazer fora isso deu prejuízo.

ISTOÉ – O que foi?
Flausino – Prefiro não dizer, criou uma inimizade desnecessária, que eu até gostaria de recuperar um dia. Meu negócio é fazer música, cantar e fazer festa. Gosto e vivo disso. Ganho muito bem pra fazer o que eu faço, está maravilhoso.

ISTOÉ – Alguns dos seus ídolos, como Renato Russo e Cazuza, acabaram assumindo uma aura messiânica para os fãs. Você pensou em encarar esse tipo de papel em algum momento?
Flausino – Quando você está tentando aprender a administrar a situação, acaba se perguntando: “Quanta inteligência eu tenho pra ser isso? Quanta paciência eu tenho? Qual o tamanho do trabalho” E aí começa a comparar. Isso demora um tempo, até hoje eu não sei direito. Acredito que existem os gênios e os insistentes. Não me acho genial, inteligente o bastante, então sou um dos insistentes. Sou um soldado Quest, entendeu? Por isso eu gosto muito dos Rolling Stones e do U2.

ISTOÉ – Você pirou em algum momento?
Flausino – Tive uma fase, ali depois do “Oxigênio”, muito conturbada. Era o auge da música eletrônica e eu mergulhei mesmo, do jeito que tem de ser. E aí você fica meio confuso. O Jota Quest não me cobrava, sempre foi o meu porto seguro. Mas as noites e noites viradas começaram a atrapalhar. Isso rolou de 2001 a 2005.

ISTOÉ – Você está falando especificamente do quê? De usar drogas e cair na noite?
Flausino – É, de saborear esse movimento da mesma maneira que a geração dos 60 fez, depois a dos 70, e assim por diante. Aí eu falei: “Quero participar desse negócio.”

ISTOÉ – As drogas chegaram a ser um problema para você?
Flausino – Não, foi bem. Sempre administrei muito bem essa parada de droga. Eu seguro a onda. Graças a Deus eu não tenho essa coisa de querer sempre mais. Para mim, é recreativo total. Eu sempre fui muito cauteloso, entendeu? Não uso para trabalhar, não uso para subir no palco. Aí é uma porcaria, me deixa confuso, acaba com a voz.

ISTOÉ – Você e o Jota passam uma imagem de bom-mocismo. Você chegou a pensar que esse estilo de vida era uma contradição?
Flausino – Teve um tempo que eu ficava pensando que tinham dois Rogérios, mas é um cara só. E ele tem que dar conta da parada toda. Seja quem você é. E tem uma coisa de personalidade, eu não tenho esse negócio de ficar tentando convencer as pessoas de que a minha opinião é a melhor.

ISTOÉ – Você já fez análise?
Flausino – Não.

ISTOÉ – Você participaria da Marcha da Maconha?
Flausino – No dia em que a policia desceu a borracha na Marcha da Maconha eu fiquei com vergonha. Agora, não sei se participaria. O moleque vai me ver lá e dizer: “Olha o Flausino falando que pode fumar maconha.” Não sei não, é muito complicado isso.

ISTOÉ – Você tem uma posição sobre a liberação da maconha?
Flausino – Acho que a gente poderia discriminalizar. Isso iria trazer uma certa leveza para a coisa do usuário inicial, não ia mandar tanto moleque para a cadeia. Tenho dúvidas sobre quem fala que a maconha é a porta de entrada para outras drogas. Fiz todo esse caminho, mas tenho do meu lado várias pessoas que se deram mal pra caralho e botaram a vida no saco.

ISTOÉ – Você ainda usa alguma droga?
Flausino – Eu bebo, como bom mineiro. E uso algumas coisas de forma recreativa, de vez em quando. Mas o alucinógeno não me interessa, definitivamente. Acho que a gente já vive um negócio tão hardcore, vê tanta merda social, que essa coisa da alucinação nunca mexeu muito comigo. Fica aquela confusão… Aí é melhor ter calma, vou pra minha casa com minha mulher, minha filha, meu pai e minha mãe. Vamos ficar na moral. E olha que até pouco tempo eu tinha vontade de tomar o chá de Santo Daime.

ISTOÉ – Você é um cara espiritualizado?
Flausino – Acho que sim. Sou de formação católica, mas gosto de me deixar influenciar por outras religiões, coisas que eu acho bacana. Mas o negocio do chá… Já tô velho demais pra isso.

ISTOÉ – O que a paternidade mudou em você?
Flausino – Muita coisa. Ser pai com 35 anos, depois de já ter feito bastante bagunça, foi muito bom porque me ajudou a acalmar. Quando olho pra Nina e vejo o sorrisinho dela… Volto pra casa mais cedo pra ficar com ela.

ISTOÉ – Você acha que o pop brasileiro de hoje em dia importa tanto quanto nos anos 80? Ou o cara do “Vou não, quero não…” tem mais relevância?
Flausino – Isso é problemático. A gente viveu um negócio muito bom, nos transformamos em pessoas diferentes por causa daquilo. Por que os anos 80 e 90 foram legais? Porque de um lado havia o Jota Quest fazendo uma coisa bem colorida e, do outro, gente discutindo coisas importantes, como O Rappa e o Planet Hemp. Com o declínio das gravadoras, o pop rock brasileiro e a MPB deixaram de ser paparicados. O artista não pode mais ficar em casa, fumando maconha e esperando que as coisas aconteçam.

ISTOÉ – Você tem mágoa da imprensa?
Flausino – O jogo ainda está rolando, a partida está na metade. E eu não tenho que ficar provando nada. Já disse aqui que eu não sou genial. Faço um som, tenho uma banda de pop rock e a gente roda o Brasil há 15 anos. Já vendemos quatro milhões de discos e eu não tenho que ficar explicando isso, sacou?

ISTOÉ – Para encerrar, vamos olhar para o futuro: como será o aniversário de 20 anos do Jota Quest?
Flausino – Opa, vai rolar, uai! Porque esta festa de 15 anos já está sendo boa. Só espero ter saúde e fígado para chegar aos 20.