Foram necessários 22 anos para que Apocalypse now, um dos maiores filmes da história do cinema, pudesse ser finalmente visto em sua versão integral. Apocalypse now redux, o trabalho que Francis Ford Coppola sempre quis mostrar ao mundo desde que, em 1979, concluiu sua insana odisséia cinematográfica nas selvas úmidas das Filipinas, estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro, na sexta-feira 21, com 49 minutos adicionais, o que lhe dá uma duração de 3h16. À época, Coppola tinha motivos para apresentar uma versão mutilada e mais acessível comercialmente. Quando terminou sua adaptação do clássico literário Coração nas trevas, de Joseph Conrad, ele não era mais o milionário prodígio que havia dirigido O poderoso chefão I e II, mas um artista cercado de descrédito, com uma casa hipotecada e um excedente de produção de US$ 16 milhões. Preferiu, então, não arriscar. Curvou-se aos interesses do mercado, cumpriu um grande sucesso de bilheteria e ainda assim apresentou um filme arrebatador, quase insuperável no seu gênero. Ganhou a Palma de Ouro do Festival Internacional do Filme de Cannes e teve oito indicações ao Oscar, incluindo a de melhor filme.

Neologismo – A versão redux – neologismo criado pela indústria com o significado de reeditado, relido, refeito – atribui ao épico de guerra um caráter mais existencialista. Neste aspecto, se aproxima da obra de Conrad, recentemente relançada pela editora Nova Alexandria numa edição que traz um alentado prefácio do ensaísta e crítico literário Otto Maria Carpeaux. O livro relata a viagem de barco do capitão Marlow pelo rio Congo em busca do enigmático mercador Kurtz. Mas no caminho ele se depara com um mundo regido pela barbárie. No cinema, Marlow foi rebatizado de Willard e transformado num oficial da inteligência americana vivido por Martin Sheen. Ele persegue Kurtz – papel do irascível Marlon Brando –, oficial brilhante que vive na selva do Vietnã e paira como divindade intocável sobre uma tribo de lunáticos e assassinos. Com as novas cenas, o percurso de Willard é visto como uma atormentada viagem interior. É uma sequência enorme, que cobre sua chegada e de seu grupo numa fazenda francesa. O diálogo, durante um requintado jantar em plena selva, entre Willard e os franceses, verdadeiros colonizadores do lugar, é um show à parte permeado de reflexões sobre a guerra e a estúpida presença americana no Vietnã.

Coelhinhas – Entre as passagens adicionais, destaca-se ainda o romance regado a ópio entre Willard e a viúva francesa Roxanne (Aurore Clement) – instante de lirismo e refresco de sensualidade num filme que privilegia a brutalidade e deságua em sordidez em outro momento extra, quando o oficial e seus comandados reencontram as coelhinhas da Playboy. Elas haviam se apresentado para os soldados e não puderam retornar depois que os helicópteros ficaram sem combustível. Trocam-se favores sexuais por gasolina rolando na lama. De resto, há pequenas sequências que humanizam o filme e ajudam a refrear seu ímpeto militarista. Nelas, Coppola revela-se um cineasta ainda mais complexo e apurado na sua recriação do caos. Caos absoluto, diga-se, que ele realmente viveu nas Filipinas. “Nós éramos muitos, tínhamos muito dinheiro e equipamentos, mas pouco a pouco fomos enlouquecendo”, conta ele. O desabafo faz sentido.

Drogas

– Um tufão arrasou os cenários, e Marlon Brando – que perpetrou um Kurtz inesquecível – quase não chega no set de filmagens depois de ter embolsado US$ 1 milhão. Além dos faniquitos, o ator também não emagreceu como o diretor havia lhe pedido. Não cabia nos uniformes e nem sequer leu o livro de Conrad. Como se não bastasse, durante as filmagens Martin Scheen teve um ataque cardíaco e chegou a receber a extrema-unção. Sem contar que parte do elenco parecia viver entre delírios provocados pela embriaguez e pelo consumo industrial de drogas. Com tantas histórias, a lenda que cerca o clássico tornou-se ainda maior.

 A grande família 

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Fanáticos pela saga de O poderoso chefão podem se deliciar. Os três filmes dirigidos por Francis Ford Coppola já estão disponíveis em DVD. Além da trilogia – comentada pelo cineasta –, há um generoso cardápio de extras que inclui 1h13 só de making of, fatia concentrada principalmente na escolha do elenco. Sabe-se que Robert Redford, por exemplo, galã nada italianado, foi cogitado para ser Michael Corleone, papel conquistado a duras penas por um ainda imberbe Al Pacino. Considerado um chato pelos executivos da Paramount, Pacino só agarrou a chance ao ser bem convincente numa cena de duplo assassinato. “Pegava bem atirar em alguém”, lembra o ator em depoimento. Marlon Brando também estava na lista negra do estúdio, mas quem iria tirá-lo da história depois que, no teste, ele encheu as bochechas com um lenço de papel e besuntou os cabelos com graxa de sapato? No filme, seu memorável Vito Corleone usa uma prótese na boca. Além das curiosidades, os extras mostram diversos takes cortados. Num deles, o sangue esguicha exageradamente como num filme de terror trash. O DVD ainda traz o processo de criação do metódico Coppola e uma completa árvore genealógica de cada personagem.


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