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Hoje com 91 anos, este senhor retratado na foto ao lado é uma espécie de testemunha do período de transição incrível que chacoalha o mundo neste exato momento. Mesmo acometido pelo mal de Alzheimer, Orlando Orfei, o verdadeiro e único, sabe que pertence a dois mundos. No primeiro deles, uma história de glórias que se inicia em 1820, na Itália, quando o primeiro membro da família, um padre chamado Paolo Orfei, larga a batina, se casa com uma saltimbanca e acaba se juntando à trupe dela. Um século depois, nasce Orlando, já sob a lona do circo da família. Aos 5 anos, começa o que talvez tenha sido a mais longeva e bem-sucedida carreira de um homem de circo
no mundo. Recebido por papas, estrelas de cinema como Elizabeth Taylor e estadistas, condecorado por sua contribuição para a educação dos jovens, este artista italiano viveu dias de glória e prestígio. João XXIII o recebeu cinco vezes e numa delas declarou: “Orlando, teu trabalho é um apostolado de paz, continue a levar a alegria às famílias cristãs”. Impulsionado por esse sucesso, Orfei veio ao Brasil em 1968 para uma apresentação no Festival Mundial do Circo. Decidiu que não sairia mais daqui. Em pouco tempo o circo Orlando Orfei tornou- se um dos maiores do País.

Orfei lançou em 1972 o Tivoli Park na lagoa Rodrigo de Freitas em pleno miolo da zona sul carioca. Depois de mais de duas décadas de fartura e sucesso do empreendimento que divertiu gerações de cariocas, o parque foi fechado em 1995 por ordem do então prefeito César Maia por motivações que até hoje não são claras. De um lado, alegações de problemas fiscais, acidentes em atrações do parque e até um possível estupro ocorrido em suas dependências. Por outro lado, o da família, interesses políticos movidos pela especulação imobiliária na lagoa, lançamento de parques concorrentes etc.

Corte rápido para os anos 2000. Em 2005, já num outro mundo completamente diferente, os animais começam a ser proibidos em circos num número expressivo e crescente de cidades e Estados brasileiros. Sem contar com suas grandes atrações, um dos maiores domadores de felinos da história se arrastou com seu empreendimento até sucumbir e fechar o circo em 2008, acompanhando o fim da maioria dos seus colegas e concorrentes.

Orlando, que se tornou famoso por entrar nas jaulas das feras sem chicote, banqueta ou qualquer objeto, que sempre se considerou uma espécie de psicólogo de animais e adestrou até hienas, bichos de trato dificílimo, se via rotulado como parte de uma indústria de maus tratos e da exploração violenta e vil de felinos e outras espécies. Na sua visão, os bichos tinham ótimo tratamento, à base de carinho e boa alimentação e viviam em excelentes condições. Segundo sua família, os circos de qualidade pagaram pelos mambembes, que não tinham estrutura para cuidar decentemente de seus animais. A família se considera ainda vítima da hipocrisia de uma sociedade que celebra rodeios, que até hoje, de alguma maneira, admite celebrações macabras como a farra do boi e permite que zoológicos precários, como os mostrados na edição da semana passada de IstoÉ, se mantenham abertos.

Na reportagem de Ricardo Calil para a edição da “Trip” de agosto, focada nas lições que podemos aprender na interação com o mundo animal, o leitor vai descobrir que muita gente discorda. “Por mais que alguns donos e domadores tenham afeto por seus animais, nenhum circo, grande ou pequeno, consegue garantir o bem-estar dos bichos e prover o que eles teriam em seu habitat natural. Eles estão em melhores condições nos zoológicos e santuários para onde foram enviados pelo Ibama”, diz a veterinária Ana Nira, consultora da WSPA, sociedade mundial de proteção animal.

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Orlando Orfei é uma dessas pessoas que experimentam as dores e as delícias de viver por tempo suficiente para presenciar as mudanças radicais pelas quais estamos passando ao longo destes dois séculos que se emendaram. Com perdão do trocadilho fácil, é preciso ser um leão para enfrentar tantas vidas numa só.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente


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