Tempos atrás, lendo na imprensa brasileira a notícia sobre uma atriz que se matou, notei que a palavra suicídio não aparecia no texto.
Dizia-se apenas que a moça havia morrido depois de cair da janela de tal andar. Dias depois, a família autorizou que os bilhetes escritos pela atriz antes de sua morte fossem publicados numa revista semanal.

Criou-se uma polêmica. Especialistas no assunto declararam ser essa atitude perigosa, que poderia funcionar como um gatilho para pessoas vulneráveis à ideia do suicídio.

É verdade que nossa cultura lida mal com a ideia de mortalidade, mesmo em circunstâncias naturais, e o suicídio talvez seja o paroxismo dessa nossa dificuldade. Qualquer pessoa se mobiliza com a notícia de que alguém se matou, mesmo se tratando de um desconhecido.
Mas daí a acreditar que a própria notícia possa ser responsável por novos suicídios, não seria exagero?
Até que ponto essa preocupação faz sentido?

Quem se interessa pelo debate deve ler o livro “November of the Soul – the Enigma of the Suicide”, de George Howe Colt, publicado pela Scribner em 2006, mas ainda hoje considerado um dos melhores estudos sobre melancolia. Há muito suspeita-se que o suicídio, assim como a histeria, seja contagioso, e que os vírus dessa epidemia sejam a mídia e a exposição sensacionalista do assunto.

Os dados citados por Colt impressionam: em Arlington, Texas, um subúrbio de Dallas, aconteceram cinco suicídios em quatro meses. No mesmo período, ocorreram três em Beverly Hills. Em Columbus, Ohio, foram cinco no período de um mês, incluindo três calouros do mesmo colégio num único fim de semana. Em Cheyenne, Wyoming, foram três em 17 dias. Em Englewood, Colorado, foram três em cinco meses, sendo que todos na mesma escola. (Na mesma época, no sul do Brasil os dados eram também impressionantes. Em Porto Alegre, eram registrados, em média, três suicídios por dia.)
Colt se pergunta: “Houve algo num suicídio que agisse como gatilho para o outro?”

Emile Durkheim, sociólogo francês do século XIX, o primeiro a apontar o suicídio como patologia social, acreditava que a sugestão não era relevante nas análises dos dados de auto-homicídios. Segundo ele, os suicídios que acontecem por sugestão já estão fadados a acontecer, independentemente de influências externas, que só podem acelerá-los. Talvez sua opinião fosse diferente se na sua época a mídia tivesse o poder que possui hoje.

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Colt conta que o sociólogo americano David Phillips, “comparando a taxa de mortalidade americana com as primeiras páginas que reportam suicídios desde a Segunda Guerra Mundial, descobriu que suicídios aumentam significativamente de número no mês seguinte a uma história de suicídio altamente publicizada”.

O exemplo que ele cita é de Marilyn Monroe, que desencadeou um salto de 12% nos suicídios, 197 suicídios a mais do que seria esperado num mês normal após a sua morte.

É isso que David Phillips chamou de “Efeito Werther”, referindo-se ao personagem da obra homônima de Goethe, publicada em 1774, em que o protagonista se suicida por conta de um amor frustrado.

Yeats dizia que fomos nós quem inventamos a morte.
É verdade. Mas a sua banalização, e consequente mutação em produto “comercial”, é obra midiática, e cabe à mídia, portanto, avaliar a forma e suas consequências ao divulgar um suicídio. 

Patrícia Melo é escritora. Colaborou esta semana em substituição a Marcos Sá Corrêa, que, por motivos de saúde, não pôde escrever


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