Autora de O livro de ouro do sexo,sexóloga detona o casamentonos padrões tradicionais e diz quecaminhamos para a androginiae a bissexualidade

No futuro, sexo a três, ou ménage à trois, será tão comum quanto a dois. As pessoas serão andróginas, sem marcações muito definidas entre masculino e feminino e, nesse contexto, a bissexualidade poderá vir a ser a opção preferencial. O casamento com cláusula de exclusividade sexual deixará de existir. Freqüentar clubes de swing ou praticar sexo grupal em casa será corriqueiro. Sai de cena a idéia do amor romântico, no qual a busca pela alma gêmea leva o indivíduo a idealizar o parceiro e, ato contínuo, a frustrar-se com a realidade. Essas são algumas das tendências de mudanças no comportamento sexual que poderão se tornar fenômeno de massa daqui a algumas décadas, segundo a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins. O tema é abordado em O livro de ouro do sexo (Ediouro), que ela lança em parceria com o marido, o roteirista e escritor Flávio Braga, no fim deste mês. Regina tem idéias libertárias e, não raro, provoca polêmica até entre seus próprios colegas. Crítica dos padrões de comportamento oriundos da sociedade patriarcal, Regina costuma dizer, nas palestras que faz pelo Brasil afora, que “o casamento é o lugar onde menos se faz sexo” e que isso vale para os casais homossexuais também. Autora do best seller A cama na varanda, desta vez ela fez um tratado sobre sexo. Fala de Freud e Reich, sobre os grandes movimentos de emancipação, a indústria erótica, as fantasias e, baseada em estudos, pesquisas e “sinais da sociedade”, arrisca um painel para o futuro.

ISTOÉ – Quais são as tendências sexuais para o futuro?
Regina Navarro Lins

Quando falo de tendências, falo de mudanças que virão não para pequenos grupos, mas para se transformar em fenômeno de massa. Há 40 anos, as meninas se casavam virgens e hoje isso é uma exceção. Estamos falando de mudanças assim, que podem ser predominantes no comportamento das pessoas. Em dois anos de estudos, Flávio e eu chegamos a algumas conclusões. Primeiro, a exclusividade sexual vai acabar. A idéia de que se você ama não tem tesão por mais ninguém é falsa e equivocada. Está dentro das expectativas do amor romântico que idealiza as relações e condiciona o sexo a só ser bom se houver amor. Como a exclusividade nas relações tende a acabar, as pessoas vão aceitar com mais naturalidade que alguém tenha desejo sexual por várias pessoas. A médio prazo, será comum ter vários parceiros.

ISTOÉ – A sra. quer dizer swing?
Regina Navarro Lins

Não exatamente. Refiro-me a vários parceiros, um de cada vez, mas no mesmo período da vida. É bem possível que se tenha um parceiro predileto para o sexo, outro para viajar, outro para a vida cultural. Vai diminuir o número de pessoas que queiram formar um casal fechado. Há uma nova formação de rede de amigos que está substituindo a família e o casamento. Pessoas solteiras ou divorciadas se unem e se amparam. Quando um está doente, os outros dão apoio. E sexo com amigo também está incluído. Na medida em que os envolvidos não tenham expectativa de relação estável e separem sexo de amor, não tem problema. Essa história de que sexo com amigo deve ser evitado para não acabar com a amizade só é válida se um dos dois quiser namorar firme

ISTOÉ – O casamento vai acabar?
Regina Navarro Lins

Esse modelo que a gente conhece – duas pessoas sob o mesmo teto, regidas pela exclusividade e com direito a cobranças – tende a diminuir. Claro que sempre vai existir, mas vão predominar relações mais abertas. Primeiro porque o casamento fechado, desse jeito que a gente conhece, é uma tragédia. O casamento é o lugar onde menos se faz sexo. Não tenho dúvidas. O swing, a troca de casais, tudo isso está se tornando corriqueiro, mas o que desponta como mudança de comportamento forte é o sexo a três. Depois de observar essa tendência em consultório, palestras, e-mails, eu lancei a seguinte pergunta no meu site (www.camanarede.com.br): “Você gostaria de fazer sexo a três?” Mais de duas mil pessoas responderam e 80% disseram que sim. Quando 80% dizem que desejariam é porque já está em processo de mudança.

ISTOÉ – E por que as pessoas preferem três no relacionamento? Como é? Dois homens e uma mulher ou o inverso?
Regina Navarro Lins

Acho que, na medida em que há um afrouxamento dos limites, da censura, as pessoas começam a ficar mais livres. Querem experimentar novas sensações. Ménage à trois é uma prática antiga. Esse trio sexual, hoje, é majoritariamente duas mulheres e um homem. Acho que é porque o homem ainda está carregado de valores patriarcais e não admite estar com outro homem nu numa cama. Mas isso também tende a diminuir. Passará a ser natural: sexo a três, swing, sexo grupal, parceiros múltiplos. Tudo isso porque há um outro fenômeno importante em marcha: não tenho dúvida de que caminhamos para a androginia.

ISTOÉ – Por quê?
Regina Navarro Lins

Primeiro, vamos desfazer aquela imagem do homem pálido que ninguém sabia se era homem ou mulher. Não é isso a que me refiro. É uma pessoa ser mais inteira, ter dentro dela a harmonia entre masculino e feminino sem precisar mutilar ou esconder aspectos de sua personalidade. A marca da androginia é a capacidade de dissolver a divisão entre o que seria ser homem ou ser mulher. As pessoas são o que são. E vamos gostar delas pelas suas características de personalidade, seu jeito de ser, e não por ser deste ou aquele gênero. Nesse sentido, as pessoas vão se abrir para a experimentação sexual também com pessoas do mesmo sexo. A pílula anticoncepcional foi o golpe fatal no sistema patriarcal e tudo começou a se transformar. O homem deixou de controlar a sexualidade e a fecundidade da mulher. Ela passou a ter filho quando quer, se quiser, com quem quiser. Sua sexualidade também se aliou ao prazer. A fronteira entre masculino e feminino começa a se dissolver em outros campos também. Não tem mais nada que interessa somente ao homem ou só à mulher. E isso é fundamental numa sociedade de parceria.

ISTOÉ – A busca de relacionamento com pessoas do mesmo sexo significa aumento do homossexualismo?
Regina Navarro Lins

Não necessariamente. As pessoas transitariam entre os dois sexos com mais liberdade, seriam mais comumente bissexuais. Agora, quero deixar bem claro – senão vão achar que estou louca – que isso não vai acontecer no ano que vem. Não se prevêem com exatidão as grandes mudanças, mas sabe-se que levam algumas décadas. Já estamos no processo, há sinais evidentes disso.

ISTOÉ – O sexo virtual é fator importante no processo?
Regina Navarro Lins

Na cybercultura, as mudanças são inimagináveis. O sexo virtual que se faz hoje é pouco perto do que a evolução da tecnologia vai proporcionar. O que importa, no sexo, são as sensações, não é? Não importa estar presente; basta que os estímulos sensoriais levem ao prazer.

ISTOÉ – Tirando a parte do sexo virtual, as outras tendências seriam, na verdade, uma volta à liberdade sexual da Antigüidade, antes do cristianismo?
Regina Navarro Lins

Não, porque a liberdade que supostamente havia era ligada aos preceitos patriarcais. As mulheres das orgias de Roma ou Grécia não eram esposas, eram prostitutas, cortesãs. Estamos vendo, pela primeira vez, uma sexualidade em que a mulher tem vez. A mudança de mentalidade é sempre lenta e gradual. As mulheres não só passam a tomar iniciativas como também assumem que gostam de sexo. Hoje, se uma mulher disser que sexo é bom e que não está ligado ao amor, ninguém vai segregá-la. O problema é que essa consciência toda acontece quando se sabe que as pessoas fazem muito pouco sexo.

ISTOÉ – Pouco sexo ou sexo de pouca qualidade?
Regina Navarro Lins

A quantidade de gente que faz pouco sexo é impressionante. Mulheres principalmente, mas homens também. O homem tem mais facilidade porque pode contratar uma garota de programa. A mulher tem vontade de fazer isso, mas tem medo, muito pela força física. Já ouvi de várias mulheres, em consultório, pesquisas, palestras, que seria ótimo se existisse bordel para as mulheres porque, num lugar desse, elas saberiam que não correriam risco de morte. Outra constatação é que as pessoas, além de fazer pouco sexo, ainda o consideram sem qualidade. Muita gente diz que faz sexo por obrigação, para não perder o(a) parceiro(a).

ISTOÉ – Isso não aparece nitidamente nas pesquisas. As pessoas mentem?
Regina Navarro Lins

Mentem, e muito, quando o assunto é sexo. Mesmo sem dar o nome, endereço, sem mostrar o rosto, ainda assim, mentem. Acho que é porque ficam constrangidas, se sentem diminuídas. Outra mentira: dizer que a média de relação sexual no casamento é três vezes por semana. Eu não tenho estatística, mas sei que não é verdade. Os períodos de jejum são grandes. Agora, qualquer pessoa com um mínimo de informação já viu pelo menos uma reportagem dizendo que sexo é importante para a saúde, para o bem-estar físico e emocional. Se é verdade que sexo faz esse bem todo, então há um problema de saúde pública porque se faz muito pouco sexo. Esse tema é abordado nos relatórios Kinsey, Hite e também no trabalho de Carmita Abdo sobre o comportamento sexual no Brasil. E isso não é exclusivo da relação heterossexual. O mesmo acontece com casais homossexuais, que costumam reproduzir as relações heterossexuais no pacto de exclusividade e também na perda de tesão.

ISTOÉ – Então, é o casamento que acaba com o tesão?
Regina Navarro Lins

Acaba porque o casamento se presta a uma dependência emocional entre os dois. O casamento é terreno propício para a simbiose, a fusão. A idéia de encontrar a alma gêmea, alguém que complete, isso faz com que as pessoas busquem e inventem parceiros, idealizem e criem dependência. Mas o principal fator para a perda de tesão é a certeza da exclusividade. Saber que o outro depende de você e não vai fazer nada para não perdê-lo faz com que as pessoas não conquistem, não tentem seduzir.

ISTOÉ – E como ficará o ciúme?
Regina Navarro Lins

O ciúme é um condicionamento. Aprendemos a ser ciumentos. A criança tem ciúme da mãe porque, se a mãe sumir, ela morre. É necessário fazer um trabalho intenso dentro da gente para controlar o ciúme. Mas é cultural também: se você é criado para encontrar alguém que o complete, quando encontrar, terá pavor de perdê-lo. O ciúme pode ser visto como algo aprendido.

ISTOÉ – A sra. consegue viver dentro desses parâmetros?
Regina Navarro Lins

Não estou dizendo que isso é fácil, que eu tiro de letra. Não é. Mas eu acho que a gente tem de se esforçar para conseguir. Será muito mais fácil para as gerações futuras, que vão nascer com a mentalidade mudada. Eu acredito em tudo o que falo. Mas não nasci em Marte, também recebi todos esses condicionamentos culturais e preciso lutar para mudar. Não há outra saída. Há muito tempo, por exemplo, não aplico as palavras traição e fidelidade em questões sexuais.

ISTOÉ – Por quê?
Regina Navarro Lins

Acho que empregamos mal essas palavras quando falamos em sexo. Por que é considerado traição quando uma pessoa está casada e tem uma relação extraconjugal? Isso acontece quando se fecha um pacto com aquela pessoa do tipo: você é só meu, não vai olhar para ninguém, não vai sentir atração por ninguém, pense só em mim. Traição é seriíssimo, é grave. É trair uma amizade, um sentimento, é enganar, mentir, roubar, fingir que gosta e detestar a pessoa. Infidelidade é grave quando se refere a sentimentos. Agora, ter uma relação extra não é traição. Tem de mudar essa mentalidade.