Ele nasceu em Brasília, foi na bagagem do pai para a Argélia fugindo da ditadura, estudou na França e chegou ao Rio de Janeiro aos 18 anos. Aos 41, Breno Silveira anda com a idéia fixa de conquistar o mundo. Desde que se propôs a quebrar preconceitos como diretor de 2 filhos de Francisco, o cineasta só faz conquistar territórios hostis. O pânico de fracassar na primeira direção durou até o primeiro milhão de espectadores, como previra no set a atriz Paloma Duarte. “Você é louca”, reagiu Breno. “Quando chegamos a um milhão, dei um champanhe para ela. Agora, a cada milhão, tenho de mandar garrafas para todos.” Haja champanhe. O filme, o título nacional mais visto nos últimos 25 anos, está no quinto milhão, já rendeu R$ 36 milhões – e a saga continua. A próxima batalha será em Hollywood, se ganhar a indicação ao Oscar.

Estrear no cinemão de forma tão triunfal não parece ter abalado a simplicidade do fotógrafo de documentários. O cabelo, já um pouco grisalho, é revolto como o de um cineasta das antigas, a calça é sempre jeans e a camisa varia entre azul e branco. “Adoro passar despercebido”, garante ele. Mas não é a impressão dos vizinhos no Jardim Botânico, zona sul, onde mora com a mulher, Renata, e as filhas Olívia, 11 anos, e Valentina, 9. Quando recebeu o roteiro da amiga Pan, Patrícia Andrade, e de Carolina Kotscho, sobre a vida de Zezé Di Camargo & Luciano, Breno passou a atormentar até os esquilos do bairro com uma penca de CDs de música caipira. “A maior rejeição ao gênero é no Rio. No início os vizinhos protestavam, mas logo começaram a cantar: É o amooor.”

Breno precisou superar seu próprio preconceito e o dos amigos. Quando a primeira versão ficou pronta, convocou toda sua produtora, a Conspiração Filmes, para a sessão, sob protestos. A fita tinha três horas e meia. “Parecia …E o vento levou”, brinca Pan. Teve de cortar, “sofrendo muito”. Na exibição para a Columbia Pictures, que bancou metade dos R$ 6 milhões, já chegou dizendo aos executivos: “Fiz uma merda, preciso de mais seis meses.” Mas o filme acabou aplaudido de pé, sob lágrimas de engravatados, cena comum nas salas por onde passa. “Às vezes entro no cinema e, quando aplaudem, dá vontade de gritar: é meu!”, conta, feito criança.

A paixão pelas imagens explodiu aos 14 anos, quando ele ganhou uma Nikon F2 do pai. Fã de Stanley Kubrick – “é genial, faz de tudo” –, já tinha prestígio quando os filhos de seu Francisco procuraram a Conspiração com a idéia do filme. Integrara as equipes de Carlota Joaquina, princesa do Brazil, Eu tu eles e Homem do ano, além dos prêmios por documentários e clipes. Diz que sua matéria-prima principal é a emoção, que o instala no fio da navalha. “Morro de medo da fronteira com a pieguice.” O perigo de um desastre desses em um filme sobre irmãos que nascem pobres e viram semideuses cantando as dores do coração era tão permanente que a equipe criou um alarme para identificar os exageros: “ muito Meu pé”. O próprio Breno perguntava: “Ficou Meu pé ou legal?” Meu pé é O meu pé de laranja lima, o triste romance de José Mauro de Vasconcelos.

Foi preciso receber muitos elogios para espantar o medo duplo de ser rejeitado na cidade grande e ainda perder o interior com o corte de cenas Meu pé. O elogio definitivo veio num e-mail do vice-presidente da Sony Pictures: “2 filhos de Francisco é um dos melhores filmes que eu já vi”, escreveu Sal Ladestro. Os camelôs tiveram a mesma sensibilidade e inundaram as ruas com 500 mil cópias piratas, forçando o lançamento do DVD oficial no dia 7 de dezembro.

Neto de deputado e filho de um arquiteto que acompanhou Oscar Niemeyer no
exílio, Breno tem a política no DNA. Diz estar “triste” com o presidente Lula,
“pela inércia”, e vê a violência carioca como “nó impossível de desatar”. Fugir
do maniqueísmo para mostrar o lado bom e o mau de cada ponta deste nó é a pretensão do próximo longa: a história do amor entre uma jovem rica de Ipanema
e um morador de favela. Mas esta é outra guerra. O cineasta prodígio só pensa
em conquistar Hollywood, para onde embarcou na quarta-feira 9. Não vai
sossegar enquanto não ouvir Los Angeles sussurando, ao ritmo de
Pirenópolis: “É o amooor… ”