Um dos mais reconhecidos caçadores de telas e esculturas roubadas em todo o mundo e autor de livro campeão de vendas nos EUA, o ex-agente do FBI conta detalhes das missões que resgataram US$ 300 milhões

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DISFARCE
Passando-se por receptador, Wittman recuperou obras de Goya e Rembrandt

Nascido no Japão e criado nos EUA, o ex-agente do FBI e hoje especialista em segurança de acervos artísticos Robert K. Wittman herdou de sua mãe japonesa os olhos puxados e também a persistência na resolução de pequenos problemas – o que dizer, então, dos grandes. Criador da Equipe de Crimes contra a Arte, do FBI, ele passou dez anos resolvendo os mais difíceis casos de roubos de museus e coleções particulares, resgatando obras de Rodin, Goya, Rembrandt e outros mestres. Ao todo, devolveu aos donos objetos artísticos e antiguidades no valor de US$ 300 milhões. Desligado há três anos do Bureau americano, ele decidiu contar as missões que o levaram a cruzar os quatro cantos do mundo (trabalhou inclusive no Rio de Janeiro, onde localizou três telas desaparecidas de Norman Rock­well) no livro “Infiltrado” (Zahar), best-seller nos EUA. Com a autoridade de quem conhece os bastidores dos grandes roubos mundiais, Wittman afirma que 88% deles tiveram a participação de algum funcionário das instituições. E fuzila: “Esse tipo de bandido é perigoso porque já se envolveu com toda forma de crime. Surrupiar peças artísticas é apenas mais uma aventura para ele”.

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"A investigação da tela de Rembrandt culminou em um encontro em Copenhague. Eu
já tinha estado com os ladrões e chegamos a um valor de US$ 250 mil pelo autorretrato"

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"O roubo do Museu da Chácara do Céu, no Rio, é um dos dez
maiores do mundo. Gostaria de ajudar na recuperação das obras"

ISTOÉ

Por que o FBI decidiu criar um grupo contra o roubo de arte?
 

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Robert K. Wittman

Devido à crescente valorização das obras e ao aumento do crime envolvendo a propriedade cultural e artística em todo o mundo. Outra razão foi que, até 2005, os EUA não tinham uma equipe especializada para combater esse tipo de contravenção. Ao observarmos países como a França, que conta em Paris com mais de 30 investigadores trabalhando no OCBC (órgão contra o tráfico de bens culturais), ou a Espanha, com dois pelotões em Madri, sem falar dos carabinieri italianos com suas três brigadas lutando contra atentados contra o patrimônio cultural, tornou-se óbvio que o nosso país, o maior comprador de trabalhos artísticos no mundo, precisava de uma força especializada. 

ISTOÉ

Quais foram as suas grandes missões? 

Robert K. Wittman

Participei de inúmeras operações vultuosas. Recuperei um lote de pinturas avaliado em US$ 50 milhões em Madri, um autorretrato de Rembrandt cotado em US$ 36 milhões em Copenhague e até artefatos pré-colombianos no Peru e no Equador. Embora tenha resgatado obras que no total somam mais de US$ 300 milhões, nunca pensei no valor financeiro, mas no significado cultural. Um dos casos mais significativos de minha carreira foi a recuperação de uma bandeira usada na guerra civil americana. Foi usada pelo regimento afro-americano e os oficiais que a carregaram foram mortos. É conhecida como “tecido de sangue”, um símbolo de um povo lutando pela primeira vez por sua liberdade e dos que viriam depois. Valia apenas US$ 30 mil, mas realmente não tinha preço.
 

ISTOÉ

O sr. trabalhava disfarçado como o colecionador de arte Bob Clay e não usava armas. Poderia falar de seus métodos?
 

Robert K. Wittman

Nos dez anos que trabalhei como agente inflitrado, entre 1998 e 2008, tive muitas faces. Em alguns casos, eu era um marchand; em outros, um professor de arte. Algumas vezes, agia como um colecionador com bastante conhecimento na área ou apenas um consultor para outra pessoa. Tudo dependia do tipo de objeto que estava sendo vendido e como podia me infiltrar entre os traficantes. 

ISTOÉ


O sr. é um conhecedor de arte? 

Robert K. Wittman

Qualquer pessoa que decide trabalhar nessa arena deve possuir um conhecimento mínimo de arte. Meus pais eram comerciantes de antiguidades asiáticas e eu cresci nesse ambiente, fui adquirindo esse saber. Por isso, conseguia convencer os ladrões e os negociantes e fazê-los acreditar que eu era do meio. Roubos de obras de arte, no entanto, não têm nada a ver com a história da arte. São um negócio. Assim, é fundamental a um investigador que queira atuar sob disfarce saber como se negocia nesse mundo.
 

ISTOÉ

Usa algum equipamento especial nessas operações? 

Robert K. Wittman

Uso luzes negras portáteis, lupas com poder de aumento de dez vezes, microscópio e uma lanterna de alta potência usado para autenticação. Mas o melhor “acessório” é a habilidade de pensar rápido sob pressão e ter personalidade para persuadir o criminoso e fazê-lo acreditar na encenação. 

ISTOÉ

Já correu risco de morte?
 

Robert K. Wittman

Policiais colocam a sua vida em risco todos os dias ao trabalhar. Eu era um deles. Mas, sempre que atuava como agente infiltrado em um grupo de traficantes, sabia que existia um elemento a mais de perigo e buscava minimizá-lo planejando minha operação. Qualquer coisa poderia acontecer, e o pessoal de apoio estava lá para “vingar, não salvar”. Você tinha que se virar se algo saísse errado.  

ISTOÉ


Poderia dar um exemplo?
 

Robert K. Wittman

Uma vez, como resultado de uma bem-sucedida infiltração de mais de um ano em uma gangue, nós quase recuperamos dois Picassos roubados em Paris cotados em mais de US$ 60 milhões. Durante a operação, a polícia francesa cometeu um equívoco e deu a dica para os bandidos de que eu não era um comprador, mas um informante. Os criminosos disseram que iriam me executar. Eu os encontrei no bar de um hotel em Miami e os convenci de que não era o cara que tinha passado informações para os franceses. Embora nunca usasse armas, naquela noite portava dois revólveres.
 

ISTOÉ

Como se deu a recuperação do autorretrato de Rembrandt?
 

Robert K. Wittman

O resgate desse auto-retrato foi o ponto alto de minha carreira. Levamos meio ano para descobrir quem estava com ele e ganhar sua confiança. A investigação culminou em um encontro no Hotel Scandic, em Copenhague. Eu já tinha estado com os ladrões, que viviam em Estocolmo, e chegamos a um valor de US$ 250 mil pela tela. Finalmente, eles concordaram em fechar o negócio. A polícia sueca me passou a informação de que esses três homens estariam viajando de trem de Estocolmo para Copenhague portando um saco de papel do exato tamanho da tela de Rembrandt. Ela havia sido roubada em dezembro de 2000 num assalto que envolveu metralhadoras, explosão de carros e uma fuga de lancha em alta velocidade. Ficamos esperando a chegada do bando no hotel de Copenhague. Eles vieram andando, seguidos a distância por policiais dinamarqueses. Dois deles foram ao meu quarto para ver o dinheiro. O que tinha o saco ficou fora. Todos foram presos pela polícia.
 

ISTOÉ

Poderia falar da “Operação Obra-Prima”, para resgatar telas do Gardner Museum, de Boston, mas que foi abortada pelo FBI?
 

Robert K. Wittman

Eu estava havia dez meses infiltrado numa gangue francesa e só faltava uma última negociação para convencer os bandidos de que eu era um grande comerciante americano de obras roubadas. Nosso alvo era duas pinturas surrupiadas do Museu Isabella Stewart Gardner, de Boston, em 1990 – “O Concerto”, de Veermer, e “Tempestade no Mar da Galileia”, única paisagem marinha de Rembrandt. Esse foi o maior roubo da história dos EUA, quando o museu foi desfalcado de 13 telas no valor de US$ 500 milhões. Nosso plano foi promover uma venda de seis pinturas a um fictício traficante colombiano que só negociava em seu iate. O bandido que estava atraindo iria trabalhar para mim no transporte e venda das telas. Passamos o dia na Baía de Miami, regados a champanhe e jovens mulheres. Estive perto de resolver o caso.
 

ISTOÉ

Como foi sua passagem pelo Brasil, quando resgatou três telas?
 

Robert K. Wittman

Foi em 2001. Consegui resgatar três pinturas de Norman Rockwell em Teresópolis, e essa operação é tida como um importante exemplo da cooperação entre o Brasil e os EUA nessa área. Com promotores do Rio de Janeiro consegui chegar ao senhor José Maria Carneiro, que tinha posse das obras. Ele concordou em devolvê-las, já que eram roubadas. Não tinha conhecimento disso ao comprá-las no Brasil e foi reembolsado no valor que pagou.
 

ISTOÉ

Qual a sua opinião sobre o roubo do Museu da Chácara do Céu, no Rio, em 2006?
 

Robert K. Wittman

Esse assalto à mão armada de quatro telas de Matisse, Dalí, Picasso e Monet, foi incluído pelo FBI entre os dez maiores crimes de arte atuais. Espero que os bandidos não tenham destruído as obras e estejam guardando-as em condições adequadas. Tenho interesse em rever o caso e ajudar na recuperação dessas obras. 

ISTOÉ

No caso do Masp, em São Paulo, a polícia conseguiu fazer isso em tempo recorde. Foi sorte?
 

Robert K. Wittman

Tenho um amigo no FBI que diz para eu não me levar muito a sério e que é sempre melhor ser sortudo que inteligente. Concordo com ele, mas acho que a sorte é sempre o resultado de empenho e trabalho concentrado. 

ISTOÉ

Por que o crime organizado invadiu o mundo da arte? 

Robert K. Wittman

A máfia está interessada em qualquer atividade criminosa que lhe proporcione rendimentos. Hoje, o crime contra a propriedade cultural, que inclui roubo, fraude, falsificação e saque, é o quarto maior no mundo.
 

ISTOÉ

É possível traçar um perfil do ladrão de arte?
 

Robert K. Wittman

Existem muitos tipos. O mais comum é o criminoso que não sabe nada de arte a não ser que ela é valiosa. É o mais perigoso. Esses indivíduos roubam museus usando armas ou fazem arrombamentos no meio da noite. São muito bons ao escapar com sua carga, mas péssimos negociantes e acabam sendo pegos ao tentar vender as obras justamente para a polícia.
 

ISTOÉ

Essa é a razão de uma obra roubada valer apenas 10% de seu valor real no mercado negro?
 

Robert K. Wittman

Esse índice é resultado de ela não ter procedência ou histórico. Como uma obra roubada não pode ter um título de propriedade, ela passa a não ter valor intrínseco. Na verdade, o valor real de uma obra roubada é zero.
 

ISTOÉ

O que o leva a concluir que houve a participação de algum empregado do museu em um roubo?
 

Robert K. Wittman

A primeira indicação é a inexistência de evidências de arrombamentos. Um estudo do FBI mostrou que 88% do roubo de museus contou com a participação de pessoal interno. 

ISTOÉ

Para um agente se passar por um colecionador é preciso parecer um milionário?
 

Robert K. Wittman

O importante não é parecer rico, mas agir como rico. Um negociador esperto não ostenta fortuna, status ou atributos pessoais. Por isso, não era preciso usar joias caras ou carros do último tipo para impressionar quem eu queria atrair. Na verdade, era exatamente a ausência desses indícios e o fato de sempre usar um carro comum e alugado que convencia os traficantes de obras de arte de que eu tinha dinheiro para negociar.
 

ISTOÉ

Em seu livro, o sr. afirma que ladrões de arte são bem diferentes de Pierce Brosnan e George Clooney. Por que Hollywood trata o tema de forma romântica?
 

Robert K. Wittman

Isso se dá pelo alto valor das obras. Mas esses bandidos não são diferentes de traficantes de drogas ou ladrões de bancos.
 


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