01/07/2011 - 21:00
Em sua nona edição, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece a partir da quarta-feira 6, tem como grande destaque da programação o escritor americano James Ellroy, autor de “Dália Negra” e de “Los Angeles, Cidade Proibida”, ambos adaptados para o cinema. Seguidor da tradição do romance policial noir, Ellroy costuma ambientar suas histórias em Los Angeles, narradas com estilo seco e direto. Não é diferente com “Sangue Errante” (Record), que ele lança na Flip. Última parte da trilogia “Underworld USA”, o livro combina ficção com a história americana (entre as décadas de 1950 e 70) e recorre a figuras reais como o presidente Richard Nixon e o chefe do FBI John Edgar Hoover para inserir as tramas do submundo em perspectiva épica.
+5 atrações da Flip
POLA OLOIXARAC (FOTO)
Da nova geração argentina, lançou no Brasil “As Teorias Selvagens”, sobre a ditadura em seu país
VALTER HUGO MÃE
O autor português lança “A Máquina de Fazer Espanhóis”. José Saramago chamou sua obra de “tsunami literário”
JOE SACCO
Nascido em Malta, une linguagem jornalística aos seus quadrinhos e recebeu o American Book Award por “Palestina”
ANTONIO CANDIDO
Um dos maiores intelectuais do País, vai falar sobre a personalidade e a obra de Oswald de Andrade
DAVID BYRNE
Músico e ambientalista, é autor de “Diários de Bicicleta”, sobre a sua experiência de ciclista
Leia um trecho do livro "Sangue Errante" de James Ellroy :
Los Angeles, 24/2/1964
De repente:
O caminhão de leite fez uma curva fechada à direita e raspou
o meio-fio. O motorista perdeu a direção. Pisou no freio em pâ-
nico. Causou uma derrapagem de traseira. Um carro blindado da
Wells Fargo bateu no caminhão de leite de frente/lado.
Ouve só isso:
7h16. Sul de L.A., esquina da 84 com a Budlong. Área residen-
cial para negros. Casebres desprezíveis com terrenos cobertos de
sujeira na frente.
O choque fez os dois veículos pararem. O motorista do ca-
minhão de leite bateu no painel. A porta do lado do motorista
se escancarou. O motorista tombou e bateu na calçada. Era um
negro com cerca de 40 anos.
O carro blindado ficou com alguns amassados no capô. Três
guardas saíram para verificar os estragos. Eram brancos com uni-
formes cáqui apertados. Usavam cintos Sam Browne com coldres
fechados com botões de pressão.
Ajoelharam-se ao lado do motorista do caminhão de leite. O
cara estremeceu e ofegou. A pancada no painel tinha aberto um
talho na testa. Sangue pingava nos seus olhos.
Ouve só isso:
7h17. Céu nublado de inverno. Rua calma. Sem tráfego de pe-
destres. Sem burburinho provocado pela batida de carro, ainda.
O caminhão de leite arfou. O radiador estourou. Uma nu-
vem de vapor sibilou e se espalhou até longe. Os guardas tossiram
e enxugaram os olhos. Três homens saíram de um Ford 62 para-
do mais atrás.
Usavam máscaras e luvas. Calçavam sapatos com solas de
borracha. Usavam cintos carregando bombas de gás em bolsas
pequenas. Usavam blusas de manga comprida abotoadas. A cor
da pele estava oculta.
O vapor os cobria. Andaram e sacaram armas com silencia-
dores. Os guardas tossiram. Isso forneceu cobertura sonora. O
motorista do caminhão de leite sacou uma arma com silenciador
e atirou na cara do guarda mais próximo.
O som foi uma pancada surda. A testa do guarda explo-
diu. Os outros dois guardas tentaram sacar as pistolas. Os
mascarados atiraram neles pelas costas. Estremeceram e tom-
baram para a frente. Os mascarados atiraram na cabeça dos
dois, à queima-roupa. Os estampidos e o estalar dos crânios
soaram abafados.
São 7h19. Ainda está silencioso. Ainda não há tráfego de pe-
destres ou burburinho causado pelo acidente de carro.