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NO LIMBO
Servidores que hoje são classificados como “empregados públicos”,
e não “funcionários públicos”, denuinciam discriminação em Brasília

Eles são pouco conhecidos dos brasileiros em geral, embora formem um contingente de mais de 14 mil pessoas que recebem salário do governo federal. Trabalham em condições precárias em ministérios e empresas estatais e vivem numa espécie de limbo burocrático. Tecnicamente, não são “funcionários públicos”, mas “empregados públicos”. Explica-se: quase 20 anos atrás, eles estavam entre os 100 mil servidores demitidos de forma atabalhoada pelo governo Collor. Eram todos celetistas, não concursados, exercendo carreiras que acabaram extintas ao final daquele ano (1990), quando foi criado o regime jurídico único dos servidores que tornou estatutários aqueles que ficaram no serviço público. Em 1994 eles foram anistiados pelo presidente Itamar Franco e tiveram que brigar mais cinco anos para começarem a voltar ao trabalho. Na maioria dos casos, reingressaram no nível mais baixo do quadro de salários, hoje não têm direito a gratificações nem a progressão de carreira e não podem contar o período que ficaram afastados para o tempo de serviço da aposentadoria. Em Brasília, eles são conhecidos como “os anestesiados”.

“Temos sido humilhados”, diz Marlúcia Souza Pinto, 45 anos, uma das 139 pessoas anistiadas que retornaram ao trabalho no Ministério da Ciência e Tecnologia. Junto com colegas de outros órgãos públicos ela rejeita a qualificação de “anestesiados” e denuncia assédio moral por parte de servidores de carreira. “Somos discriminados”, afirma o servidor Frederico Jaime, do mesmo ministério. “A função que eu ocupo dá direito à gratificação, mas eu não posso recebê-la”. Também na Ciência e Tecnologia, Samuel Santana, 56 anos, foi reintegrado na função que exercia 20 anos antes, como arquiteto. Mas seu salário é menor do que o piso nacional da categoria: R$ 1,9 mil.

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"Temos no nosso grupo pessoas com 70 anos
que têm dificuldade com o computador"

Marlúcia Souza Pinto, do Ministério da Ciência e Tecnologia

O drama desses servidores vem de longe. Depois de muita mobilização, o governo Itamar Franco concedeu-lhes a anistia por medida provisória em maio de 1994. Mas, somente em 2005, uma comissão interministerial ratificou a decisão e determinou o retorno dos anistiados. Foi analisado caso a caso. A volta ao trabalho começou em 2009, em dezenas de órgãos federais, entre eles Emater, BNCC, Datamec, Telebrás, Eletronorte e Siderbrás. Só na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi cerca de 1,5 mil. Houve casos especiais como o dos 350 empregados do antigo SNI, acomodados na Secretaria de Segurança Institucional. Nas audiências realizadas nos Estados, a comissão interministerial encontrou histórias polêmicas, como a da Companhia Docas de São Paulo (Codesp). Ali, centenas de empregados tinham sido pressionados a pedir demissão no governo Collor. “Eles eram levados a um local chamado casa de convencimento”, conta Érida Feliz, presidente da comissão interministerial. Anos depois, na audiência da comissão, dois policiais responsáveis pela pressão psicológica sobre os servidores acabaram depondo como testemunhas a favor dos anistiados. Todos os funcionários da Codesp foram reintegrados.

“Acontece que a lei da anistia é falha”, diz Érida Feliz. A presidente da comissão interministerial reconhece que esses servidores tiveram prejuízos, mas entende que há pouco a fazer. “Eles são empregados públicos, por isso, enfrentam defasagem salarial e não têm direito à progressão.” Érida ressalta que há também outros problemas. “Muitos estudaram, evoluíram nestes 20 anos, outros não. Há pessoas qualificadas e outras com dificuldade de readaptação”, afirma ela. Realmente, vários servidores ficaram afastados do mercado por muito tempo, o que atrapalhou a readaptação. “Temos no nosso grupo pessoas com 70 anos que têm dificuldade com o computador”, admite Marlúcia Souza Pinto, do Ministério da Ciência e Tecnologia. Talvez, por isso, alguns anistiados se mostram conformados e nem reclamam do apelido de “anestesiados”. Durvail Ferreira de Paula, 74 anos, ex-motorista e hoje auxiliar administrativo, comenta as perdas salariais rindo: “O que vamos fazer? Comer o que nós ganhamos aqui, não é?”. 

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