David Aames é um jovem herdeiro de um império das comunicações. Com sua empáfia, provoca e desafia seus sócios minoritários, a quem costuma chamar de “Os sete anões”. Com sua beleza e poder de sedução conquista todas as mulheres e, antes do desgaste, as abandona com a mesma rapidez com que compra novidades eletrônicas de primeira linha. Para ele, importa mais pilotar uma Ferrari de US$ 10 milhões, dar festas regadas a muito champanhe, conservar raridades pop, como a guitarra quebrada de Pete Townshend, da banda inglesa The Who, e, de vez em quando, exibir para as garotas mais privilegiadas telas da cantora canadense Joni Mitchell ou do mestre francês do impressionismo, Monet, penduradas no imenso quarto do cinematográfico apartamento, no coração de Manhattan. Aames também adora Radiohead, grupo inglês de rock mais cult dos últimos tempos, dono de um som especial e estranhíssimo. Mas estranho mesmo é o inferno mental e físico que David Aames enfrenta no perturbador Vanilla sky (Vanilla Sky, Estados Unidos, 2001) – cartaz nacional na sexta-feira 25 –, com Tom Cruise no papel do egoísta executivo.

Vanilla sky – referência ao “céu de baunilha”, definição do empresário sobre a cor do firmamento na tela de Monet herdada da mãe – é uma refilmagem do espanhol Abre los ojos (1997), do cineasta Alejandro Amenábar, que também produziu e escreveu o roteiro original agora adaptado por Cameron Crowe, diretor da nova empreitada. No elenco, além de Cruise estão Cameron Diaz – uma das gatas de Aames, que exercerá na sua vida mais do que uma simples atração fatal – e a espanhola Penélope Cruz, provável sucessora de Nicole Kidman no cargo de senhora Cruise. Os dois se conheceram nos bastidores de Vanilla sky e já não escondem seu romance falado apenas em inglês porque, conforme admitiu, o máximo que Cruise consegue balbuciar em espanhol é “Buenos dias”. O impacto de vê-la ao vivo deve ter sido o mesmo de seu personagem, ao crivar os olhos sobre a dançarina Sofia Serrano (Penélope) entrando em seu apartamento enquanto os convidados se divertem com um holograma de John Coltrane. A esta altura já é tarde demais para Julie Gianni (Cameron Diaz) manter a ilusão de que era a escolhida, mesmo depois das cinco e intensas relações sexuais com Aames na noite anterior.

US$ 25 milhões – Em recente entrevista no Late show, do apresentador David Letterman, Tom Cruise declarou que a fita conta “uma história de amor moderna, fora do convencional e com muitas facetas”. O astro de 39 anos usou do bom marketing para simplificar o enredo e assim ganhar milhares de espectadores. Vanilla sky não é um filme fácil. Muito menos compreensível para quem só vai ao cinema atraído pelo milionário nome de Cruise, que se encaixa entre os atores mais bem pagos do mundo, com um cachê de US$ 25 milhões por trabalho. A partir de um desastre de automóvel, momento em que realmente o filme começa a ficar interessante, a vida de David Aames dá um giro de 180 graus. Ele se salva, mas seu rosto fica desfigurado, o que é uma tragédia para alguém tão narcisista. Seu encontro com a vida e com o mundo passa, então, a ser feito através de uma máscara de látex, enquanto pesadelos recorrentes tomam conta de sua mente.

Matrix – Cameron Crowe, que só acrescentou mais glamour ao roteiro original de Amenábar, pôs em prática uma história sinistra, mistura de Amnésia com Matrix no que diz respeito às verdades e mentiras, realidade ou ficção. Após o acidente, Aames começa a ter surtos de loucura. Julie morreu ou não? Sofia, que seria seu verdadeiro amor, misturou-se a lembranças ou a fatos verdadeiros? Neste turbilhão de situações – e não adianta contar mais para não perder a graça e a intensidade –, o espectador embarca numa história sufocante, mas muito bem realizada. O final ambivalente pode tanto ser uma surpresa quanto uma cruel constatação do que o ser humano é capaz de fazer com a própria existência. Há tempos, Tom Cruise – o mauricinho mais boa gente de Hollywood – vem se dedicando a filmes pouco leves, que instigam as pessoas a entrar nas suas tramas sinuosas, como em De olhos bem fechados e Magnólia. É uma determinação de quem chegou ao cinema com 18 anos, construiu uma carreira em cima de aventuras e comédias bobas, apanhou da crítica, mas provou ser um bom ator desde o gótico Entrevista com o vampiro.

Criado numa família só de mulheres, morando em 15 diferentes cidades antes de terminar o colegial, aos 12 anos ele entendeu o significado da palavra divórcio, com a separação de seus pais. No momento, está há quatro meses divorciado da australiana Nicole Kidman, que aos poucos também vem se transformando numa grande estrela. É uma batalha judicial cinematográfica. Estão em jogo US$ 325 milhões – ou US$ 350 milhões, como arriscam alguns –, uma fortuna que, de acordo com a revista Vanity Fair, ainda inclui quatro casas, um jatinho de primeira linha e dois pequenos aviões. Sem contar a disputa pela guarda dos filhos, Isabella, oito anos, e Connor, seis. A exemplo da maioria das pessoas públicas, Tom Cruise odeia falar da vida pessoal, especialmente para quem diante das câmeras protagonizava a idealização do casal jovem, bonito, rico e feliz. Agora, ele está mais interessado em levar adiante seu romance com Penélope Cruz, que fez o mesmo papel de Sofia em Abre los ojos.

O encontro dos dois rendeu bons momentos. Sendo uma das divas de Pedro Almodóvar, Penélope carrega uma aura pop. E Vanilla sky, mesmo com sua couraça de thriller psicológico, também é um filme intencionalmente pop. Há uma referência visual à capa do disco de Bob Dylan, Freewheelin’. Na trilha ouvem-se Beach Boys e R.E.M., e, logo na abertura, na área nova-iorquina de Times Square completamente deserta, vêem-se imagens de celebridades brilhando sob vários efeitos. Para conseguir a proeza quase inimaginável, o nome do ator gritou alto. Numa manhã de domingo, as autoridades locais fecharam por três horas 40 quarteirões na região. Tom Cruise é realmente pop.