Luka era uma criança nova-iorquina comum. Morava no segundo andar de um prédio. Teria uma trajetória como a de qualquer outra se não vivesse apanhando dos pais. Quem não se lembra desta história, contada na primeira pessoa pela cantora americana Suzanne Vega nos anos 80? Letras como estas, escritas sob forte marca confessional, eram comuns na década que assistiu ao aparecimento de inúmeras cantoras-compositoras mostrando o mundo pelo viés rosa-choque. A longa lista alinhava, além de Suzanne Vega, nomes como o da também americana Tori Amos. Hoje, mesmo com a atual avalanche tecno, as calorosas vozes femininas insistem em se fazer ouvir, como atestam os dois ótimos lançamentos Songs in red and gray, de Suzanne Vega, e Strange little girls, de Tori Amos.

O novo trabalho de Suzanne, hoje com 42 anos, é de longe o seu melhor disco nos últimos tempos. Primeiro porque a cantora, que não entrava em estúdio desde 1996, abandonou a pretensão vanguardista e retornou às raízes folk com que ficou conhecida. Mais ainda. Ela volta amadurecida, cantando e tocando seu violão como nunca. Neste período de ausência, Suzanne escreveu livros, se envolveu com causas humanitárias e divorciou-se do produtor Mitchell Froom. O clima de separação está presente em várias faixas de Songs in red and gray, todas enfeixadas por aquele toque límpido das cordas de aço que se casa tão bem com sua voz doce. Não se trata, contudo, de uma coleção de lamúrias folk-urbanas, voltadas para o próprio umbigo. “Descobri que ao falar por metáforas poderia escrever sobre coisas pessoais, usar imagens poderosas em vez de apenas dizer que estou triste”, confessa.

Aos 38 anos, Tori Amos também concebeu seu novo álbum, Strange little girls, durante um período especial de sua vida: os meses de amamentação de sua primeira filha, Natashya, quando era “forçada a pensar durante horas e horas do dia”. Mas, ao contrário de Suzanne, preferiu cantar músicas de outras pessoas, mais exatamente de homens ou grupos masculinos, relendo-as sob o olhar feminino. Como já havia feito com Smells like teen spirit, do Nirvana, e Angie, dos Rolling Stones, Tori surpreende em brilhantes e impensáveis interpretações de conhecidos trabalhos de Lou Reed (New age), Tom Waits (Time), Neil Young (Heart of gold), The Beatles (Happiness is a warm gun) e Depeche Mode (Enjoy the silence), entre outros, a maioria marcada por um piano suave e pela guitarra do King Crimson Adrian Belew. Dentre as mais ousadas, está a esplêndida revisão de ’97 Bonnie & Clyde, do rapper Eminem. Num canto falado aos sussurros, acompanhado de percussão mínima e arranjo de cordas, Tori desconstrói o violento rap, declamando em lamento maternal a letra trágica na qual um homem, depois de ter matado a mulher, tenta confortar seu bebê


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