Na terça-feira 15, o capítulo da minissérie global O quinto dos infernos lembrou os velhos tempos da pornochanchada. Quase a um só tempo, a inocente camponesa Manuela – vivida pela voluptuosa Danielle Winitts – foi estuprada pelo padrasto, por um batalhão de soldados franceses e, mesmo depois de tantas mazelas, encontrou fôlego para entregar-se pela primeira vez ao namorado, o aventureiro Chalaça (Humberto Martins). Durante o périplo sexual, a azarada Manuela disse ter aprendido a diferença entre “a dor e o amor”. A rima é pobre, mas o português é quase castiço, como quer o autor Carlos Lombardi. Afinal, a trama dita de época se passa no século XIX e traz como pano de fundo um pedaço importante da história do País. Foi quando a corte portuguesa desembarcou no Rio de Janeiro, chegada em 62 navios, trazendo no comando o rei dom João VI, divertidamente vivido por André Mattos. Só que o coitado vem sendo apresentado sem nenhum resquício de nobreza. Apenas como um glutão covarde e marido traído.

A visão caricata de dom João VI irritou integrantes da família real brasileira e historiadores. O príncipe dom Francisco de Orleans e Bragança – bisneto da princesa Isabel – alerta que “dom João nunca foi bobo” e não à toa se tornou um dos únicos monarcas europeus a não sucumbir ao expansionismo de Napoleão. Para não se chatear, o príncipe dom Francisco tem ignorado a minissérie, ainda que venha recebendo informes escandalizados de amigos. “Dizem que é uma pornochanchada com cenas quase explícitas.” Maria Luisa Albiero Vaz, mestre em história social pela Universidade de São Paulo (USP), é outra que se decepcionou. “De história não tem nada. A reconstituição cai no clichê e há um apelo sexual exagerado. Parece uma Malhação qualquer.” Segundo ela, é impossível que dom João VI, criado para ser um rei absolutista e formado num ambiente da corte de Portugal – uma potência colonial – fosse tão aparvalhado.

Para Lombardi, toda a polêmica é falsa. “Estamos em janeiro, o famoso mês de falta de assunto na mídia”, comentou secamente. Contra seus argumentos há, inclusive, uma disposição da Justiça em averiguar os excessos. A comissária Valéria Fernandes, da 1ª Vara da Infância e Juventude, recebeu inúmeros telefonemas indignados, falando do erotismo exagerado e da participação de crianças em cenas impróprias. Como Valéria não assistiu à minissérie, encaminhou à Rede Globo um ofício pedindo cópias do programa, para depois, quem sabe, punir a emissora. Mas a Globo não colhe apenas dissabores. Na mesma terça-feira 15, O quinto dos infernos registrou 30 pontos na medição do Ibope. Números promissores para um canal que terminou 2001 sob o impacto de derrotas para Casa dos artistas, do SBT. Só que, ao contrário do programa da rival, preferiu dispensar o edredom.


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