Sempre que um escritor famoso escreve inspirado nas vicissitudes de seu ofício, os críticos dedicam anos de elucubrações a tentar descobrir se o livro é autobiográfico ou se conta segredos de algum de seus pares. Com O destino de um homem (Globo, 270 págs., R$ 24), o britânico W. Somerset Maugham (1874-1965) não fugiu à regra. O personagem principal, Edward Driffield, já foi considerado por muitos alter ego de autores consagrados como Thomas Hardy, George Meredith e o próprio Maugham. Sem entrar no mérito das polêmicas, talvez haja um pouco de realidade em todas as suspeitas. Na verdade, a obra de Maugham – filho de um diplomata britânico nascido em Paris que, por ter o francês como primeira língua e esgrimir uma visão distanciada do ridículo da sociedade inglesa da virada do século XIX para o XX, nunca contou com as simpatias dos críticos seus conterrâneos – se ressente de muitos dos problemas vividos pelo próprio Driffield. Por muitas décadas, os ingleses acharam seu trabalho menor que sua fama. Uma injustiça, como prova esta obra nada pretensiosa, mas reveladora dos cacoetes da sociedade dita ilustrada.

A história de O destino de um homem – cuja primeira edição é de 1943 – fala da vida e do relacionamento de um jovem escritor com um colega mais velho, marido de uma bela mulher de atitudes e modos um tanto levianos para o rígido comportamento da época. Depois de ter se casado outra vez, e com sua morte, a segunda mulher chama um novo escritor para cuidar da biografia do esposo. A tarefa, porém, pressupõe a eliminação dos fatos mais escabrosos, vividos no primeiro casamento. E aí surge o conflito da criação: como esconder justamente o período mais criativo, de maior energia do falecido autor? Este conflito é o que vai percorrer cada página do livro de Maugham, que sabia muito bem o que era não seguir os cânones sociais preestabelecidos.


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