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A participação dos jovens nas recentes convulsões sociais da primavera árabe e do verão dos indignados na Europa trouxe de volta um tipo de música que andava fora de moda desde os turbulentos anos 1960 – a canção de protesto. Em Portugal, por exemplo, a música “Parva Que Sou”, do quarteto lisboeta Deolinda, tem sido apontada como o estopim da mobilização de uma juventude desempregada que coincidiu com a antecipação da escolha do novo primeiro-ministro no início do mês. Sua letra trata da situação dos estudantes recém-formados, obrigados a assinar contratos provisórios de trabalho, a chamada “geração à rasca” (abandonada). “A insatisfação geral vinha crescendo desde que começaram a ser tomadas medidas de austeridade. A canção acendeu o pavio”, disse o grupo à IstoÉ.

Na Espanha não foi diferente e nas “acampadas” (ocupações das praças Puerta del Sol, em Madri, e Catalunya, em Barcelona) o hit dos manifestantes era a música “La Rebelión”, do grupo catalão Macaco, uma rumba-reggae que fala de revoltosos sem partido, tal qual os indignados de agora. Em um show de apoio aos acampados catalães, o cantor franco-espanhol Manu Chao entoou seu sucesso “Zapato Viejo”, usado para criticar as medidas econômicas adotadas pelo primeiro-ministro José Luis Zapateiro. Apesar da grande afluência de músicos imigrantes na ocupada praça Syntagma, em Atenas, é uma canção do passado que tem sido entoada junto às palavras de ordem dos jovens gregos. Trata-se de “Song for Andreas”, que o compositor Mikis Theodorakis, 85 anos, compôs em homenagem a um cientista exilado durante a ditadura em seu país, na década de 1960. “Nós somos dois/Nós somos três/Nós somos mil e vinte três”, diz um trecho da canção.

Embora estejam na origem do movimento europeu, as sublevações nos países árabes têm uma raiz diversa – sua população luta por democracia e, obviamente, os conflitos têm gerado um outro tipo de música. O trabalho do roqueiro egípcio Ramy Assem, que se apresenta em Londres no mês que vem no concerto “A Night in Tahir Square”, é panfletário e sem o menor pudor: “Dê o fora/ Dê o fora/ Caia, Mubarak”, diz o refrão de “Irhal”. Assem se apresentou na praça Tahir durante toda a revolta da população e foi vítima da repressão das tropas de Hosni Mubarak. Nao é à toa que já vem sendo chamado pela imprensa britânica de “Billy Bragg do Egito”, numa referência ao músico mais engajado do rock inglês.

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O som da geração à rasca

A banda portuguesa Deolinda fala da repercussão de sua música e da situação dos jovens em seu país

ISTOÉ – Vocês poderiam fazer um retrospecto do que se deu com a canção “Parva que Sou”?
DEOLINDA – A canção “Parva que Sou” foi interpretada pela primeira vez no Coliseu do Porto em janeiro. A reação do público a uma música que não conheciam foi esmagadora. Verso a verso, as pessoas iam se levantando e aplaudindo uma canção que nunca tinham ouvido. Após este concerto, rapidamente “Parva que Sou” ganhou notoriedade na internet e depois nos meios de comunicação social. Houve muita discussão acerca deste assunto na sociedade portuguesa, culminando com uma manifestação em 12 de Março que juntou milhares de pessoas por todo o país.

ISTOÉ – Muitos comentaristas portugueses atribuem a queda do primeiro ministro José Sócrates aos movimentos gerados pela identificação dos jovens com essa música? É verdade?
DEOLINDA – A insatisfação geral vinha em crescendo desde que começaram a ser tomadas medidas de austeridade. A canção acendeu um pavio que poderá ter potencializado uma manifestação que já se adivinhava antes de sua existência.

ISTOÉ – Como vocês analisam o poder de mobilização da música hoje, com as redes sociais?
DEOLINDA – Hoje em dia, com o acesso quase ilimitado a imensas fontes de informação, é mais fácil reunir muita gente em torno de temas que sejam pertinentes para essas mesmas pessoas. A música sempre foi um forte elemento mobilizador social e por isso, a sua força é temida por muita gente.

ISTOÉ -Vocês pensam que os acontecimentos no Egito foram inspiradores dos jovens portugueses – e, depois dos espanhóis e gregos?
DEOLINDA – As pessoas voltaram a perceber que a força popular pode mudar a sociedade. As imagens que nos chegaram do Egito foram impressionantes e foram com certeza inspiradoras de outras manifestações na Europa.

ISTOÉ – O que diferencia esse tipo de música da antiga canção de protesto? É um retorno ao formato?
DEOLINDA – Não existe um formato de canção de protesto. O que distingue uma música do gênero é o conteúdo, não a forma. Ouvindo, por exemplo, Zeca Afonso, Bob Dylan, Violeta Parra e Chico Buarque pode-se comprovar isso. Se o conteúdo for atual e pertinente poderá ser considerada um canção de protesto e há muitas bandas e artistas que o fizeram no passado, o fazem agora e o farão no futuro.

ISTOÉ -Existem outros grupos musicais em Portugal identificados com esse mesmo pensamento?
DEOLINDA – A música portuguesa está passando por um momento muito fértil, voltando a utilizar sem constrangimentos a língua portuguesa como ela é falada no dia a dia e temas atuais. Exemplos disto são A Naifa, Anaquim, Virgem Suta, Diabo na Cruz, Márcia, …

ISTOÉ – O Deolinda acabou de se apresentar em Barcelona. Como vocês sentiram a força da música lá? Artistas como Manu Chao e Macaco são tocados nos acampamentos. Existem outros?
DEOLINDA – Nos protestos que tiveram lugar um pouco por toda a Espanha, ficamos sabendo que a canção “Parva que sou” foi ouvida. Ela própria foi traduzida em várias línguas. Da experiência que temos tocando fora de Portugal, sentimos que a música é muito bem recebida e que o público compreende que a nossas composições têm consciência e conteúdo.

ISTOÉ -Vocês sabem de algum equivalente na juventude grega? Comunicam-se?
DEOLINDA – Não temos conhecimento, mas com certeza existem expressões artísticas que demonstram o desagrado da população. Estamos atentos à situação grega e já fizemos várias entrevistas para meios de comunicação social do país.

ISTOÉ -Vocês estão satisfeitos com e eleição do novo primeiro-ministro português Pedro Passos Coelho?
DEOLINDA – Umas das primeiras medidas tomadas foi acabar com o Ministério da Cultura. Como artistas e cidadãos discordamos veementemente. A margem de governo de um país sujeito às regras do FMI é muito reduzida, prevêem-se tempos difíceis.