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CAMPANHA
O sobrenome complicado de Dilma não foi empecilho
para os moradores divulgarem a nova favela

Foi tudo muito democrático. E estrategicamente planejado. Depois de sete anos de abandono completo do Estado, os moradores de uma favela em formação às margens da antiga Rio-São Paulo, a BR-465, em Campo Grande, na zona oeste do Rio, decidiram que apenas uma jogada de marketing ousada seria capaz de lançar luz sobre suas mazelas e atrair alguma atenção do poder público. Vagner Gonzaga dos Santos, 33 anos, que acumula as funções de pedreiro, pastor e representante da comunidade, assumiu a liderança no processo criativo da ideia. Passou semanas pensativo, andando meio avoado pelas ruelas de barro que abrigam os dois bares, os 35 barracos e a única igreja responsável por cuidar do rebanho de 150 almas que vivem ali. Até que há um mês decidiu. Reuniu todo mundo e vaticinou: a única maneira de chamar a atenção dos políticos era batizar a favela com o nome de um deles. Vagner pensa grande e propôs logo de cara que a comunidade ganhasse o nome da presidente da República. Não encontrou objeções e, desde então, o Rio de Janeiro ganhou a favela Dilma Rousseff.

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LÍDER
O pastor Vagner desenvolveu a ação que culminou com a escolha do nome da presidente

Como toda boa ação de marketing, passou-se à fase de divulgação. Logo alguém teve a ideia de colocar uma placa com o novo nome da comunidade às margens da rodovia, sempre muito movimentada. E lá tascaram Comunidade Dilma Rusself, sem muitas preocupações com a exatidão da grafia do sobrenome da presidente. Houve protestos a respeito do erro, mas a conclusão consensual era de que não havia por que fazer correções; afinal, o recado estava dado. “Foi uma homenagem”, diz Vagner, um pouco antes de revelar o real objetivo da tal homenagem. “Queremos benefícios como energia elétrica e esgoto, ninguém nos atende.Precisamos chamar a atenção.”

A prática de batizar conglomerados miseráveis com nomes de autoridades já rendeu histórias de sucesso. Taguatinga é um desses casos. A origem da cidade foi uma invasão ilegal de terras na margem direita da BR 251 que se intitulou Assentamento Sarah Kubitschek para evitar o desalojamento, na época da construção de Brasília. A ideia de desencorajar a repressão da polícia deu tão certo que os inavasores receberam mil lotes, fossas e rede de água. Em 1958, o acampamento virou Taguatinga, a primeira cidade satélite de uma capital que só seria inaugurada dois anos depois.

Na Rusself, o nome é a única coisa que distingue aquele amontoado de barracos de outros pequenos bolsões de miséria espalhados pelas grandes cidades brasileiras. Ali, quase todos estão desempregados e vivem de fazer bicos. O mais rentável deles é vender toda a sorte de guloseimas e bebidas aos motoristas que invariavelmente ficam presos nos constantes engarrafamentos da 465. Em dias de trânsito pesado, conseguem lucrar até R$ 30. Serviço de esgoto ou abastecimento de água, não existe. E a luz elétrica que abastece a Dilma Rusself é captada por meio dos gatos, as ligações clandestinas junto à rede pública de eletricidade. Na placa que briga com a ortografia do nome da presidente, há um número de CEP pintado, mas ninguém sabe muito bem para quê, já que carteiros nunca foram vistos por ali.

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ESPERANÇA
Beraldo (acima) vive de vender salgadinhos na beira da estrada e, assim como
Moiséis, um recém-chegado, acredita que o novo nome vai mudar a vida na favela

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Tudo começou com uma mulher: Sônia Mattos, 56 anos, conhecida como Baiana. Ela foi a primeira a erguer um frágil barraco. Logo, levou os dois filhos. A desbravadora tem, hoje, um bar que serve almoços e lanches, com duas empregadas. “Fiquei viúva e criei meus filhos sozinha. Fui pai e mãe. A Dilma está mostrando que é mulher guerreira como eu”, diz Baiana, que é, de fato, carioca. Há uns seis anos apareceu Vagner, que logo construiu uma igreja. E com ele novos moradores foram surgindo.

Grande parte dos moradores tem como maior fonte de renda o Bolsa Família. O benefício social do governo garante R$ 134 mensais ao vendedor ambulante Leandro Silva Fernandes, 26 anos, casado com Debora, 19 anos. Apesar de tão jovens, já têm quatro filhos para sustentar. “O Bolsa dá para comprar comida”, conforma-se. O camelô Moiséis Ângelo de Oliveira, 35 anos, não tinha dinheiro para pagar aluguel, cada vez mais caro no Rio. Tentou uma oportunidade no projeto Minha Casa Minha Vida, do governo federal, mas não conseguiu ser contemplado. Vive de vender doces na estrada. “Gostei do governo Lula, mas acho que o da Dilma será melhor.” Ele não é o único a ter esperanças na gestão da primeira mulher presidente do Brasil. Quase todos os moradores do local votaram na candidata do PT na eleição passada, como Beraldo da Silva, 25 anos, que ganha a vida vendendo salgadinhos na estrada.

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APOIO
Leandro, a mulher e os quatro filhos (acima) sobrevivem com o Bolsa Família e votaram em Dilma nas
últimas eleições, enquanto Maria Senita desembolsou R$ 1 mil para comprar um barraco na Rusself

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O tamanho dos problemas da pequena Dilma Rusself mostra a dimensão do desafio de erradicar a miséria em todo o País. O IBGE, que classifica as favelas como “aglomerados subnormais”, não inclui nesse grupo as que têm menos de 51 domicílios. Rusself, portanto, não existe oficialmente. 

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