A dona de casa Adeline Rocha, 20 anos, ainda se emociona ao lembrar que o filho, Vitor Alexandre, poderia ter morrido. “De repente, ele levantou os dois bracinhos, respirou bem fundo, ficou roxinho e não soltou mais o ar.” O desespero começou no dia 9 de novembro, cerca de seis horas depois de Adeline dar à luz. A cesariana ocorrera sem complicações no hospital da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre. O bebezão 3,945 quilos e 49 centímetros – dormia ao lado da mãe. Parecia bem.

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CONTRASTE Vanessa é descrita por amigos como uma moça prestativa e religiosa

A súbita agonia do recém-nascido deixou Adeline apavorada, mas ela não teve tempo sequer de gritar por socorro. Quando olhou para a porta, a técnica em enfermagem Vanessa Pedroso Cordeiro, 25 anos, já entrava para acudi-lo. Minutos antes de passar mal, Vitor fora tirado do quarto duas vezes por Vanessa. Mostrando-se prestativa,ela alegava ser necessário medir a temperatura do menino. Vitor teve parada respiratória. Acabou na UTI, entubado. Adeline e o marido, o comerciante Alexandre Fagundes, 29 anos, vararam a madrugada sem notícias do filho. Vitor permaneceu internado por uma semana. Foi o segundo dos 11 recém-nascidos no hospital da Ulbra que, entre 5 e 13 de novembro, apresentaram falta de ar, sonolência, coloração arroxeada, diminuição da frequência cardíaca e parada respiratória. “Essas crianças só sobreviveram por causa do pronto-atendimento de médicos e enfermeiros da UTI”, afirma Eleonora Walcher, diretora-geral do hospital. Segundo o delegado Guilherme Pacífico, Vanessa sedava os bebês com morfina e tranquilizantes.

Detida sob a acusação de tentativa de homicídio durante o expediente, na sexta-feira 13, se manteve impassível até chegar à delegacia. “Se eu te prendo em casa, agora, e tu és inocente, tu sobes pelas paredes”, analisa Pacífico. “Ela não perguntou por que estava sendo levada. Veio calma, fria.” Vanessa teria desabado ao saber que uma seringa com uma substância semelhante à morfina fora encontrada em sua pochette. Chorando, teria confessado o crime. Dizia-se confusa e atribulada por problemas religiosos e familiares. “Ela questionou a medicina tradicional. Quer ser médica, mas uma médica diferente”, diz Pacífico.

Até o fechamento desta edição, ela continuava encarcerada. Familiares e amigos de Vanessa se mostraram surpresos com a acusação. O bombeiro Haioran Cordeiro afirma que a filha foi pressionada pela polícia. Pacífico diz que Vanessa confessou na presença dele e de fiscais da Vigilância Sanitária. Mas, ao prestar depoimento formal, acompanhada de um defensor, negou. “A pochette era dela, mas a seringa não. Qualquer um pode ter botado lá”, diz Sérgio Assumpção, advogado de Vanessa.

As suspeitas recaíram sobre a técnica porque os 11 bebês tiveram problemas nos turnos em que ela trabalhava. A Vigilância fazia uma varredura no hospital para descobrir a razão do “surto” de paradas respiratórias e exames detectaram morfina e tranqüilizantes no sangue das crianças. Filha da dona de casa Lucimar Pedroso e de Haioran, Vanessa nasceu no norte gaúcho. Aos 4 anos, mudou-se com a família para São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre. Apaixonada por bichos, tem um labrador e um gato siamês. Quando criança, sonhava ser veterinária. Quem a conhece, diz não acreditar que aquela “menina tranquila, dedicada ao trabalho, religiosa e que sempre gostou de ajudar as pessoas” tenha feito algo tão bárbaro.

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ALÍVIO Vitor teve parada respiratória, mas passa bem. É filho de Adeline e Alexandre

No Caic Madezatti, colégio público em que ela cursou o ensino médio, não há apontamentos negativos. Suas notas variavam de 52 (química) a 89,5 (português). “Ela era uma pessoa que gostava de ajudar os outros. Sempre dizia que queria servir as pessoas”, lembra a orientadora educacional Sônia Kuffel. Na Escola da Paz, onde fez técnico em enfermagem, era querida. Escolhida juramentista da turma de 2004, prometeu “não praticar voluntariamente atos que coloquem em risco a integridade física ou psíquica do ser humano.”

Vanessa se casou em 2006. Viveu na casa do pai até agosto deste ano. Haioran, que tem uma filha de 6 meses com a nova companheira, conta que Vanessa e o genro planejavam comprar um carro e ter um bebê em 2010. “Ela sempre criou metas. Eu brincava: quando vem o meu netinho? Ela dizia: ‘te acalma pai, no ano que vem ele chega’”. Vanessa cresceu se revelando metódica e organizada. Na adolescência, a religiosidade se tornou marcante. Ela vivia pregando o mormonismo. Ia às reuniões da igreja aos domingos e fazia trabalhos voluntários. “É minha melhor amiga. Adora crianças, é extremamente carinhosa e bondosa”, diz a microempresária Daniele Pacheco, 21 anos. Para o delegado Pacífico, o comportamento de Vanessa pode ter sido influenciado pela separação dos pais, há dois anos. Conhecidos afirmam que o casal tinha um relacionamento conturbado. Haioran é descrito como um “mulherengo” além de Vanessa, tem outros dois filhos com Lucimar, um adolescente de uma relação extraconjugal e a menina de 6 meses. Lucimar é depressiva. Segundo o delegado, tentou suicídio duas vezes depois do divórcio.

“Como todo filho, Vanessa não queria que os pais se separassem. A religião prega o casamento para sempre”, diz Haioran. “Pode ter havido abalo emocional, mas não houve crise que afetasse o desempenho dela no trabalho.” “Não acredito que Vanessa tenha feito isso”, afirma a amiga Cecília Marinho, 42 anos. Ela conta que Vanessa andava empolgada com a vida e não demonstrava tristeza. Colegas de trabalho pareciam confiar nela. “As mães diziam que era amorosa e afetiva com os bebês. Colegas diziam que era prestativa. Nada a desabonava”, lembra Liane Einloft, gerente de enfermagem do hospital da Ulbra. Apesar da incredulidade, Vanessa é apontada pela polícia como a única suspeita pelo crime. “Se não foi ela, alguém estava tentando envenenar aqueles recém-nascidos”, afirma Osmar Terra, secretário de Saúde do Rio Grande do Sul. “Como os bebês foram atendidos rapidamente e, nessa idade, o cérebro é muito plástico, eles não devem ter sequelas.”

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