15/07/2007 - 10:00
Como prefeito de Curitiba na década de 70, o urbanista Jaime Lerner surpreendeu o mundo com soluções inovadoras que mudaram o perfil da cidade. É dele, por exemplo, a idéia de corredores exclusivos para ônibus, uma solução hoje implantada em 85 cidades no mundo. Prefeito de Curitiba por duas vezes, governador do Paraná, há cinco anos Lerner resolveu afastar-se da vida política formal. Não conseguia encontrar ali, nos embates entre os partidos, o melhor caminho para solucionar a vida do País. Lerner, hoje com 69 anos, está filiado ao PSB, mas não passa pela sua cabeça voltar a disputar uma eleição. Ele quer fazer política pela arquitetura. E, nesse sentido, presta hoje assessoria a cidades governadas por diferentes correntes, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. “Falta tanto ao governo como à oposição um plano para o País”, acusa. “Ambos se contentam com o populismo.” Na sua condição de urbanista, nesta entrevista à ISTOÉ, Lerner sugere saídas para alguns dos mais importantes problemas vividos hoje pelas grandes cidades. Para desafogar Congonhas, por exemplo, ele propõe a criação de terminais remotos, nos quais o passageiro faria o check-in longe do aeroporto e se deslocaria até ele em ônibus circulando por vias exclusivas para embarcar em seu avião.
Jaime Lerner – O apagão na infra-estrutura é inegável. Ao lado da ausência de reformas fundamentais que são sempre adiadas, como a reforma tributária, o grande limite para o crescimento hoje está na falta de investimentos em infra-estrutura. Um bom exemplo disso acontece no agronegócio: o que se perde nos transportes anula o que se ganha em produtividade.
Tentar achar responsáveis pode ser uma perda de tempo. O Brasil quebrou nos anos 80 e parou de investir. Nos anos 90, tivemos a reforma econômica, com bons resultados restritos a essa área, ao fim da inflação e à estabilidade. Mas agora o mundo todo vive outro momento. E, nós, em vez de aproveitarmos os bons ventos da economia mundial para aprofundar as reformas necessárias e atrair capital e tecnologia, preferimos nos acomodar no assistencialismo.
Cada governo tem os desafios do seu tempo. O presidente Lula não inventou o apagão da infra-estrutura, mas não pode fugir das suas responsabilidades. Entendo que cada problema tem a sua equação de co-responsabilidade. Para encaminhar um projeto de país, é necessário vontade política, visão estratégica e, sobretudo, montar para cada problema uma equação de co-responsabilidade.
Por exemplo, educação e saúde são responsabilidade mais do governo. Infra-estrutura é mais iniciativa privada. Mas nada disso pode sair do papel se não houver um projeto claro de país. Para fazer acontecer alguma coisa, é preciso propor um cenário, uma idéia, que a grande maioria entenda como desejável. Se isso acontecer, todas as forças produtivas de um país se engajam nesse plano de país.
Se uma parte significativa da população se satisfaz com o assistencialismo, é fácil para um governo trabalhar só para isso. Enquanto a insatisfação da classe média não vazar para os segmentos mais pobres da população, tudo continuará dando certo para o governo. Agora, o problema é que a oposição também não demonstra a menor capacidade de se apresentar como alternativa à situação.
Porque, da mesma forma, a oposição tem os olhos fechados para as questões reais. Não apresenta um projeto de país. Joga na mesma faixa do populismo. A oposição não consegue conquistar os pobres. Não inspira confiança aos ricos. E dá-se ao luxo de fazer ouvidos de mercador para os problemas da classe média. Quer retornar ao poder de que forma? Nós vemos os debates, as campanhas políticas, a gente raramente vê um debate de fato em torno de um projeto para o País. Se ninguém propõe um cenário, as campanhas se resumem a uma disputa entre agências de publicidade
A primeira coisa é evitar a centralização excessiva que acontece em São Paulo, tanto em Congonhas como em Guarulhos. É preciso respeitar as limitações de Congonhas. A crise aérea decorre principalmente de uma falta de planejamento estratégico adequado com relação às linhas aéreas. Grande parte dos problemas se resolveria com a criação de dois novos centros, um no complexo Cumbica/Viracopos e outro no Rio Grande do Norte.
Claro. Assim, descentralizaríamos as chegadas internacionais. Ali é a esquina do Brasil. É o ponto geográfico médio mais próximo dos grandes destinos da Europa e da América. Além disso, devemos utilizar mais Viracopos e os aeroportos do Rio e Belo Horizonte como ponto dos destinos internacionais. No caso dos vôos domésticos, utilizar mais operações em estrela – vôos que vão e voltam – e descentralizar da mesma forma São Paulo nas linhas de conexão. O que se faz hoje é jogar todos os passageiros internacionais para Guarulhos e todos os nacionais para Congonhas. É óbvio que uma hora isso iria estourar.
Mas não é isso o que deve prevalecer. O fundamental é operar com segurança e eficiência. Não se pode nem argumentar que isso tenha barateado o preço das passagens aéreas no Brasil. O transporte aéreo doméstico brasileiro é mais caro que o transporte doméstico nos Estados Unidos ou na Europa.
Há solução para isso. O trem ligando os aeroportos, de que fala o prefeito José Serra, é a solução ideal. Mas a sua implantação é onerosa e demorada. Não faz sentido perpetuar o problema enquanto essa solução não chega. Enquanto não vem o trem, podese implantar facilmente linhas diretas de ônibus em corredores exclusivos, como eu fiz em Curitiba. E, aí, nós podemos evoluir para a criação de pontos remotos de embarque. Em vez da concentração do check-in no aeroporto, a pessoa faria o check-in num ponto remoto e seria transportado para embarcar no aeroporto. Essa centralização da operação toda num único ponto não tem sentido. Os aeroportos crescem loucamente, se transformam em shopping centers, e o espaço precioso para operar melhor os aviões está faltando. Assim, diminui-se esse espaço de atendimento de passageiros para o mínimo.
É possível. Um ônibus que saia da avenida Paulista, direto, que não pare até o aeroporto, e circule por um canal só dele, quanto tempo vai levar para chegar em Cumbica?
Cada cidade tem as suas características. Mas há princípios que são aplicados a todas elas. Hoje, 83 cidades no mundo, como Seul, Los Angeles, Bogotá, Cidade do México, adotaram ou estão adotando o modelo de transportes de Curitiba. Outra questão é a concepção da cidade, em que vida e trabalho sejam pensados juntos. Não há mais espaço no mundo para essa visão compartimentada – viver aqui, trabalhar lá. Em todos esses lugares em que se pensou vida separada de trabalho aconteceu um desastre
O que estamos propondo para Brasília é justamente tentar alterar essa situação. É preciso compatibilizar o crescimento impressionante dessas cidades- satélites e preservar o Plano Piloto. Porque hoje esse crescimento ameaça a qualidade de vida e o que se propôs inicialmente para Brasília. Hoje, o Plano Piloto concentra cerca de 500 mil pessoas. Em volta, estão 2,5 milhões. Sem um transporte eficiente, sem qualidade de vida. Isso é injusto para a maior parte das pessoas que trabalha no Plano Piloto.
Ainda é possível um plano de urbanização das favelas, e César Maia vem trabalhando nisso. Mas não se pode dizer que é a favela que é violenta. Há gente violenta em todos os espaços urbanos. Quando aconteceu o grande boom da zona sul do Rio de Janeiro, muitos anos atrás, as favelas se organizaram para acompanhar isso. O chefe da família nas favelas trabalhava na construção civil. A sua mulher trabalhava como doméstica. Todos se conheciam e naquela época não havia violência. Quando se rompeu essa ligação, os problemas começaram. Agravados depois pela questão do narcotráfico que acontece em todas as grandes cidades, infelizmente. Mas existem várias coisas que se pode melhorar.
O primeiro, que já estamos trabalhando, é o problema do lixo. As favelas, em geral, estão nos morros e nos fundos de vale. Quantas pessoas já morreram soterradas pelo lixo jogado? A solução de criar um programa de compra de lixo, como fizemos em Curitiba, resolveria esse problema. O segundo é levar infra-estrutura às favelas. Sem mexer muito no terreno. Levar da maneira mais fácil. Pelo canto, ali, se leva água, luz e esgoto. E, finalmente, o que eu chamo de Zona Franca na favela. É a criação de um conjunto de incentivos que gerem empregos formais e atividades econômicas nas próprias favelas. Para que a droga não seja a única alternativa. Tudo isso não envolve grandes recursos. É possível, assim, urbanizar e melhorar a qualidade de vida na favela.
Elas têm que contribuir na vigilância das fronteiras. Imaginá-las nas ruas prendendo bandidos é um despropósito. Não é esse o seu papel. Mas a verdade é a seguinte: o crime organizado só prospera onde o governo é desorganizado. A resposta tem de vir do governo, de uma articulação de todas as esferas. Uma visão de que o combate ao crime tem de ser um processo, sem interrupção. Ações espetaculares, que são esquecidas logo em seguida, são um desperdício de dinheiro e de energia
Estou afastado da política há cinco anos. Nesse tempo, retomei totalmente a arquitetura. Creio que a minha maior contribuição é por aí, a partir do meu trabalho nas cidades. O próximo século será o século das cidades. É das cidades que virão as respostas para os principais problemas das pessoas. Acho que estou dando assim a minha melhor contribuição. Tanto no Brasil como no mundo. E essa contribuição tem me empolgado bastante. É fascinante estudar diversos problemas urbanos diferentes, em cidades como Rio, São Paulo, Brasília, Durango (no México) ou Luanda (em Angola).