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ESPERANÇA
Pouco antes de ser demitido, Palocci acreditava que o pior já havia passado

Até surgir a denúncia sobre a multiplicação do patrimônio do ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, o governo Dilma Rousseff vivia em lua de mel com a opinião pública. Pesquisa CNI/Ibope divulgada em abril indicava uma aprovação de 73%, semelhante à do ex-presidente Lula no início do segundo mandato. Mas, depois de 23 dias de crise política, o clima de harmonia rapidamente se desfez, a ponto de ameaçar a imagem de gestora competente que Dilma construiu no exercício do poder. Era preciso estancar a sangria com urgência, por mais dolorosa que fosse a decisão. Na noite da segunda-feira 6, Dilma comunicou às pessoas mais próximas que Palocci seria substituído no dia seguinte. Ninguém se surpreendeu, a não ser o próprio Palocci.

O ministro animou-se com a decisão do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de arquivar os pedidos da oposição para que a origem de seu patrimônio fosse investigada. Viu ali uma tábua de salvação, uma espécie de sobrevida. Se nada havia contra ele nas esferas criminal e penal, poderia permanecer no cargo. A presidente Dilma, porém, tinha visão completamente oposta à de seu auxiliar. Tanto a decisão de Gurgel quanto a entrevista de Palocci à Rede Globo em nada alteraram o sentimento da opinião pública, escandalizada com os negócios milionários do chefe da Casa Civil. “O problema não é jurídico, é político”, disse Dilma a seus interlocutores. Ela também viu no aval de Gurgel a oportunidade para se livrar do problema, sem agravar a situação de Palocci. O ministro, porém, manteve-se confiante. Durante a cerimônia de lançamento do evento Rio +20, na terça-feira 7, Palocci surgiu sorridente ao lado de Dilma. Ainda sonhava com o apoio da bancada do PT no Senado. Pediu à senadora Marta Suplicy (SP) que recolhesse assinaturas para uma moção a seu favor, mas a maioria da bancada rejeitou a ideia. “Isso é coisa de gente que está querendo ser mais realista do que o rei ou está procurando protagonismo”, reclamou Delcídio Amaral (PT-MS).

A movimentação do ministro foi em vão. Mesmo grata a Palocci por seu trabalho na campanha à Presidência, Dilma recebeu pesquisas comprovando o prejuízo à imagem de seu governo. Concluiu que o caso Palocci, além de paralisar a administração, desestabilizou a base aliada no Congresso e ofuscou iniciativas importantes como o lançamento do programa Brasil Sem Miséria. Ao descartar Palocci, Dilma se sentiu com as mãos livres para retomar o controle do governo. Por deferência e amizade, comunicou a decisão ao ex-presidente Lula e aproveitou para dar o nome do novo ocupante do cargo: a senadora Gleisi Hoffmann. Na manhã da terça-feira, antes mesmo de se reunir com Palocci, confirmou a demissão ao presidente do PT, Rui Falcão, ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e ao chefe de gabinete, Giles Azevedo. A todos, Dilma explicou que o remédio era amargo, mas necessário.

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NOVOS DESAFIOS
O PMDB de Temer (esq.) pressiona Dilma por mais espaço após ter defendido
Palocci (centro), enquanto Ideli (dir.) assume a Secretaria de Articulação Política
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Se a saída de Antônio Palocci já era esperada, a escolha de Gleisi Hoffmann para a Casa Civil foi uma enorme surpresa. A presidente quis mostrar que não é influenciada por ninguém e viu na crise uma oportunidade de deixar isso bem claro. Ninguém falava no nome de Gleisi, uma senadora de primeiro mandato e tão inexperiente em articulação política como Dilma. Até então, os nomes mais cotados eram os de Miriam Belchior, ministra do Planejamento, considerada um dos quadros mais importantes do atual governo, de Paulo Bernardo, ministro das Comunicações e marido de Gleisi, e do próprio Gilberto Carvalho, homem de confiança de Lula. Essas escolhas, porém, acabariam passando a imagem de solução caseira, sem maior impacto. Portanto, a escolha de Gleisi não foi um acidente. Dilma quer que a Casa Civil retome suas funções tradicionais, reduzindo a ênfase na articulação política, e se concentre na gestão, como acontecia no governo Lula. Palocci, como se sabe, tinha absorvido as atribuições de articulação política, repassando a coordenação de projetos ao Planejamento.

Comenta-se no Congresso que Gleisi Hoffmann será uma espécie de Dilma da Dilma, mas essa não é a conclusão adequada. Nos tempos de Lula, a ministra da Casa Civil dedicava-se integralmente à gestão administrativa porque o presidente encarregava-se do jogo político, tarefa que a presidente Dilma não gosta de exercer. Foi só depois das queixas contra Palocci que ela começou a receber aliados e opositores em almoços semanais. Enquanto isso, Luiz Sérgio, ministro de Relações Institucionais, ganhou o apelido de “garçom”, por apenas anotar os pedidos dos parlamentares, mas não conseguir nada de concreto. Dilma, agora, está disposta a reestruturar toda a coordenação política. Mas há alguns problemas pela frente. O PMDB, em troca do apoio que deu na crise, quer ocupar uma posição mais forte no governo. Reagiu por não ter sido consultado sobre o nome de Gleisi e sinalizou que vai cobrar a nomeação de cargos de segundo escalão. Outro problema é o próprio PT, que está rachado desde que o deputado Cândido Vaccarezza (SP) perdeu a presidência da Câmara para o gaúcho Marco Maia.

Dilma Rousseff pediu ao presidente nacional do PT, Rui Falcão, que ajude a pacificar o partido. Falcão avalia que a situação não chega a ser dramática e que o governo, apesar de tudo, obteve seguidas vitórias no Congresso. Foram aprovadas 18 medidas provisórias na Câmara e outras 15 MPs no Senado. Ele também cita a criação da Autoridade Pública Olímpica e a aprovação da regra de ajuste do salário mínimo. “O governo está indo muito bem. Mesmo na questão do Código Florestal, o problema foi apenas a emenda 164, que está sendo renegociada no Senado”, afirma. Apesar do balanço positivo, Dilma também decidiu substituir Luiz Sérgio. PT e PMDB insistiram em emplacar o deputado Cândido Vaccarezza, mas Dilma novamente fez valer a sua vontade e nomeou na tarde da sexta-feira 10 a ex-senadora Ideli Salvatti para a Articulação Política. Luiz Sérgio cuidará do Ministério da Pesca, posto que era ocupado por Ideli.

É difícil acreditar que Gleisi ­Hof­fmann ficará confinada a tarefas administrativas. Afinal, todos os ministros têm de se reportar à Casa Civil, assim como lideranças políticas e governadores também batem à porta em busca de repasses. Em poucos meses no Senado, Gleisi conquistou os colegas, tanto por seu carisma como pela maneira firme com que defende suas ideias. Ao se despedir da Casa, foi homenageada por senadores de todos os partidos. O primeiro aparte veio do ex-presidente Fernando Collor, que se desfez em elogios à colega. Ela também demonstrou que não tem medo da imprensa. Enquanto Palocci passou meses refugiado em sua torre de marfim, a nova ministra, tão logo confirmada no cargo, convocou uma coletiva e respondeu prontamente a perguntas de jornalistas. Gleisi também estendeu a mão à oposição, num gesto parecido com o de Dilma na posse. Para a presidente, a nova auxiliar já demonstrou coragem e competência. Se Dilma fez a escolha certa, o tempo dirá. 

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