Para quem há um mês corria o risco de desembarcar em Copenhague sem nada a dizer na Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP15), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem agora muito o que mostrar. Conseguiu finalmente definir metas concretas para a redução de emissões de CO2 até 2020, apaziguou as discussões internas e, de quebra, virou protagonista na luta internacional contra o aquecimento global. Da posição defensiva de semanas atrás, partiu para o ataque e passou a cobrar o mesmo comprometimento das potências industriais. “Todos têm que apresentar números, não podemos aceitar Estados Unidos e China fora desse processo”, disse Lula, na terça-feira 17. A declaração foi feita depois que os presidentes americano, Barack Obama, e chinês, Hu Jintao, adiaram para o ano que vem a chance de um acordo sobre metas globais.

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“Todos terão de apresentar número, inclusive o presidente Obama e o premiê Hu Jintao”
Presidente Lula

Em tom diplomático, Obama e Jintao falaram em adotar medidas “politicamente vinculantes”, o que na prática significa empurrar o problema com a barriga para 2010. “Essa atitude é um desastre”, criticou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Surpreso com a posição conservadora de Obama, Lula não perdeu tempo e costurou com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, um documento com metas globais: uma “Bíblia Climática”, segundo o próprio Lula, que estabelece o corte de ao menos 50% das emissões até 2020 e cria uma organização internacional para cobrar o cumprimento desses limites. Além de Sarkozy, Lula também conseguiu atrair para o clube dos verdes o premiê inglês, Gordon Brown, de quem é velho amigo. “Todos têm que estar em Copenhague. Somente a presença dos líderes poderá mudar alguma coisa.” Apesar das resistências das principais economias mundiais, o presidente acredita que pode reverter a situação num corpo a corpo na reunião marcada para 15 de dezembro.

Convocou, inclusive, todos os ministros envolvidos no tema a engrossar a delegação brasileira. “Já vencemos o jogo lá uma vez”,
comentou Lula a um ministro, em referência à escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, cuja cerimônia de julgamento ocorreu também na capital dinamarquesa. Além da ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, alçada a porta-voz do governo para a causa climática, também integrarão a delegação o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, até pouco tempo atrás relegado a segundo plano nas discussões; o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que desde o início pressionou o governo a adotar metas; e o chanceler Celso Amorim, resistente, em um primeiro momento, a um embate diplomático do Brasil com seus grandes parceiros comerciais, como são os americanos e chineses.

Na quinta-feira 26, Lula tenta engrossar o coro ao debater o tema com os oito países amazônicos num encontro em Manaus. “Nosso objetivo é assumir uma posição política nesse caso, mostrando que o Brasil tem compromissos com o desenvolvimento sustentável”, disse Dilma Rousseff, após a reunião na sexta-feira 13, em São Paulo, quando foi selado o acordo. Coordenada pelo físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, a reunião transcorreu num clima bem mais cordial que o do primeiro encontro e terminou com o anúncio da meta voluntária para redução das emissões brasileiras, de 36,1% a 38,9%, até 2020.

Lula e Dilma foram convencidos pelo ministro Franklin Martins, da Comunicação, de que a falta de ação nessa seara teria um efeito deletério na campanha de 2010, abrindo margem para o crescimento eleitoral da senadora Marina Silva (PV-AC), ex-ministra do Meio Ambiente. Martins também comentou que a apresentação de metas voluntárias, defendida por uma ala do governo, não estava dissociada da cobrança de uma posição por parte dos países desenvolvidos. Ao contrário, são “argumentos convergentes”, disse o ministro. Os números anunciados por Dilma, que levam em conta uma faixa de crescimento do PIB brasileiro entre 4% e 6% na próxima década, equivalem a uma redução entre 975 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera.

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Cumprindo o limite máximo,as emissões em 2020 serão 20% menores que as de 2005 (2,1 bilhões), num nível semelhante às de 1994. Pelo menos 20% serão oriundos da redução de 80% do desmatamento da Amazônia, e 16% de ações na Agricultura. “Vamos recuperar 15 milhões de hectares de áreas degradadas, reflorestar três milhões de hectares e aumentar o plantio direto de mais oito milhões de hectares”, explica Stephanes. Segundo ele, significa uma redução total de 166 milhões na emissão de CO2 por ano. “São metas conservadoras, pois foram traçadas com uma ampla margem de segurança.

Mas sabemos que dá para ir além disso na prática”, garantiu Stephanes à ISTOÉ. O ministro conta que, na semana passada, recebeu em Brasília o ministro britânico do Meio Ambiente, Hilary Benn. A visita de cortesia acabou criando constrangimentos. “Ele me encheu de perguntas sobre o que o Brasil tem feito pelo clima. Então interrompi seu discurso. ‘Ei, o que a Inglaterra fez até agora? Vocês iniciaram a Revolução Industrial e não deixaram uma árvore em pé. Nós é que temos que fazer as perguntas aqui’”, afirmou. Acuado, o convidado se calou e, ao deixar o gabinete, fez elogios ao Brasil.

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PROTESTO Organizações ambientais exigem presença de presidentes em Copenhague

Para a senadora Marina Silva, no entanto, o anúncio de redução das emissões não encerra a questão. Ela quer apresentar um projeto de lei para institucionalizar o compromisso oficial. “Não pode ser só protocolar, para aproveitar a conjuntura e render algum tipo de visibilidade para as lideranças políticas”, disse Marina, que questionou as bases de cálculo das metas. “O inventário de emissões é de 1994, está atrasado.” Responsável pela atualização das estatísticas, o Ministério da Ciência e Tecnologia promete entregar números preliminares no início de dezembro.

“A Marina não tem a menor ideia do que fala. Sua análise, como sempre, é extremamente superficial”, rebate Stephanes. Para o analista americano Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, o Brasil tem todas as “credenciais” para assumir a liderança mundial na temática ambiental. Mas acha que as metas podem estar “infladas”. “O País demanda por crescimento. É difícil imaginar que possa cumprir tudo isso.”

“Todos têm que estar em Copenhague.
Somente a presença dos
líderes poderá mudar alguma coisa”
Presidente Lula

Pelo visto, o clima político em Brasília e Copenhague só tende a esquentar.

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