Por que os políticos brasileiros apostam tanto em obras? O desabamento das vigas do Rodoanel, a gigantesca via em torno de São Paulo, na sexta-feira 13, impõe esta questão com sua inevitável repercussão política. Desde a década de 1960, quando o presidente Juscelino Kubitschek obteve sucesso com a construção de Brasília e pretendia assim voltar ao poder, esta estratégia passou a ser reforçada pelos candidatos a cargos majoritários em todo o Brasil e grandes obras sempre foram atreladas à agenda eleitoral. Em meio século, muita coisa mudou no País.

Duas deficiências brasileiras, no entanto, estimulam os políticos a manter essa anacrônica tática eleitoral. Uma delas é o persistente alto índice de analfabetismo, acima dos 11%, o terceiro maior da América Latina. O segundo é que, mesmo com tantas obras, a população brasileira também é a que amarga uma das menores coberturas de saneamento básico do continente. Isso significa dizer que, em todo o território nacional, as obras que precisam ser feitas, até agora, são desprezadas porque dutos subterrâneos ninguém vê. A outra conclusão é que, para o perfil do nosso eleitorado, as grandes obras são a linguagem mais facilmente compreendida, sobretudo pela população de baixa renda.

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VIGAS AO CHÃO Serra visita o local do acidente no Rodoanel de São Paulo: receio de impacto eleitoral

“As obras públicas estão num melhor alcance da sociedade e são mais comentadas. Entram logo no cálculo de avaliação da gestão pública”, lembra Luciana Fernandes Veiga, cientista política da Universidade Federal do Paraná. A menos de um ano da eleição, quando serão escolhidos presidente e governadores, em todo o País, há exemplos de candidatos mais preocupados em erguer monumentos do que em estabelecer alicerces de uma política de longo prazo, com planejamento, capaz de atender às imensas demandas sociais da população.

É legítimo o eleitor se perguntar por que um político brasileiro jamais elege como bandeira, por exemplo, um programa de segurança como o Tolerância Zero” adotado em Nova York pelo prefeito Rudolph Giuliani. “O político aposta na construção de obras públicas pois considera que, por melhorar a vida das pessoas, possa ter um retorno positivo na percepção do eleitorado”, afirma Luciana.

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O resultado desta obsessão por obras é, muitas vezes, uma inversão de prioridades para atender a interesses políticos. Um dos símbolos dessa cultura é o atual deputado Paulo Maluf (PP-SP), que colou em sua biografia a imagem do tocador de obras.

A despeito de a participação do poder público no setor de construção ser fundamental para a economia, principalmente em um Estado como São Paulo, as obras de Maluf ofuscaram o lado social de suas primeiras gestões de prefeito e governador. Apenas na década de 1990, quando retornou ao poder eleito diretamente, Maluf percebeu que seu perfil carecia de programas como o Leve Leite ou o PAS, na área de saúde. Mesmo do ponto de vista eleitoral, a aposta em obras contém alto risco.

O acidente do Rodoanel arranha a imagem do governador José Serra (PSDB), provável pré-candidato a presidente ou à reeleição, e pode frustrar também os planos do governo federal. A ideia no Palácio do Planalto era faturar a inauguração da obra a favor da candidatura da ministra Dilma Rousseff (PT). Há algumas semanas, em horário nobre da televisão, foram veiculados anúncios dos governos federal e estadual destacando a participação de cada um na construção do Rodoanel. Depois do acidente, o duelo midiático sobre a responsabilidade da obra saiu do ar.

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O temor do PT e do PSDB é que o incidente traga impacto negativo semelhante ao sofrido pela ex-prefeita Marta Suplicy na campanha da reeleição em 2004. No último ano de governo, Marta acelerou a construção de dois túneis que foram inundados pelas chuvas de primavera a poucas semanas da eleição. Embora tenha criado vários projetos sociais, o que ganhou mais visibilidade foram os carros debaixo d’água dentro de suas duas grandes obras, amplamente propagadas na campanha. Afinal de contas, havia a certeza de que essa estratégia sempre dava certo. 

Colaborou Larissa Domingos

 


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