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O psicólogo e advogado Jacob Pinheiro Goldberg lançou na semana passada, em São Paulo, um livro com título instigante: “O Direito no Divã”. Trata-se de uma coletânea de artigos e pensatas publicados por ele ao longo de anos, em diferentes veículos. Sua dupla formação em ciências que analisam sob lentes diferentes o comportamento humano lhe dá certas vantagens na difícil tarefa de entender o ordenamento jurídico ao qual estamos submetidos no Brasil. Violência contra a mulher, racismo, pedofilia, violência urbana, discriminações, hipocrisias e outras formas de ignorância de certa forma abrigadas pela lei.

Quais seriam os medos, as travas inconscientes, os traumas profundos e mal resolvidos que levariam uma sociedade que aparentemente evoluiu muito nas últimas décadas a continuar admitindo leis que tratam de assuntos fundamentais de maneira absolutamente divorciada do bom-senso e do razoável? Por que, para citar apenas uma amostra, ainda toleramos que atitudes explícitas e muitas vezes violentas de homofobia sejam tratadas como algo aceitável e não criminalizado? Por que não punimos rápida e exemplarmente um assassino confesso como o jornalista Pimenta Neves? Por que permitimos que um produto como o cigarro, que comprovadamente mata 200 mil pessoas por ano no País, seja legal, amplamente acessível e até anunciado e ao mesmo tempo continuamos tratando as mais diferentes substâncias como se fossem uma mesma coisa, debaixo do rótulo “drogas”, investindo bilhões numa política equivocada e fracassada de proibição, repressão, aprisionamento, corrupção e violência em nome da “legalidade”?

Fernando Henrique Cardoso completa 80 anos este mês. Durante exatos dez por cento de seu tempo de vida, ocupou a Presidência da República. Ao longo de outro largo período, esteve no Senado e em ministérios. Lamentavelmente, ao longo de todos esses anos, pouco ou nada fez por uma das mais graves miopias do nosso sistema. Agora, praticamente aos 80, antes tarde do que nunca, lançou-se numa cruzada pela revisão da maneira como vemos e lidamos com o assunto drogas.

A peça de resistência deste trabalho é um bem construído filme chamado “Quebrando o Tabu”, também lançado na semana passada em São Paulo. Nele, FHC, ao lado do diretor Fernando Andrade, executa um mergulho fundo e preciso para trazer à tona as formas mais lúcidas e equilibradas com que outras culturas e cabeças têm lidado com as drogas e com a maconha em especial. Portugal, Holanda, Estados Unidos, Brasil… meses e meses de levantamentos e peregrinações atrás de algum bom-senso e de algo que possa substituir uma visão hipócrita e uma legislação arcaica que mantêm viva a indústria que alimenta cerca de 80% do mercado de drogas mundial. O que diria nosso sistema jurídico se pudesse se deitar relaxadamente num divã e abrir, sem moderação, todas as razões reais que o levaram a ser o que é e ameaçam levá-lo à vala da irrelevância.

A foto ao lado é a primeira de uma série clicada para a edição de junho da “Trip”, integralmente dedicada ao assunto. Uma espécie de divã editorial, no qual se deitaram não só ex-presidentes, mas artistas, pensadores de diferentes áreas, atletas, policiais, médicos e cientistas. Mais uma pequena contribuição para que consigamos juntos tratar deste enorme organismo do qual somos todos parte e, a despeito da musculatura parruda que vem desenvolvendo, ainda apresenta sintomas importantes e evidentes de algumas patologias graves, porém, muito sensíveis a um tipo de droga: a consciência.

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A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente


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