27/05/2011 - 21:00
FICO
Ana de Hollanda diz que pretende ficar quatro anos à frente do ministério
Filha do historiador Sérgio Buarque de Holanda e irmã do cantor e compositor Chico Buarque, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, foi a grande surpresa da montagem do governo Dilma Rousseff.
Mas, rapidamente, tornou-se alvo de violentos ataques. Mal sentou na cadeira, Ana viu o sociólogo e petista histórico Emir Sader chamá-la
de autista. Depois, foi criticada pela opinião sobre os direitos autorais.
Em seguida, a pedido da Controladoria-Geral da União (CGU), teve de devolver diárias recebidas por dias de folga no Rio de Janeiro, onde tem imóvel próprio. Ana contornou todos os episódios, mas acredita que grande parte das intrigas partiu do chamado fogo amigo. “Quando a gente toma um rumo, nem sempre está agradando a todos. Sei que algumas alas não estão se sentindo contempladas da mesma forma que antes”, afirmou a ministra, em entrevista à ISTOÉ. Em sua avaliação, alguns tiros vieram de dentro do próprio ministério.
“Sei que tem gente investigando a minha vida”, constata. Também cantora e compositora, ela garante que o irmão mais famoso não dá palpites em sua administração.
Mas afirma que a família Buarque de Hollanda “está preocupada com o grau de dificuldade” que ela está enfrentando. “É evidente que o alvo é minha família”, diz. Para Ana de Hollanda, a nova lei do direito autoral deve proteger mais o autor. Sobre o tema, o ministério vai promover nos próximos dias 31 e 1º de junho um grande debate para colher sugestões ao Plano Nacional de Cultura, que será encaminhado ao Congresso até julho.
"Falou-se muito de uma eventual insatisfação da presidente. Mas a mim
isso nunca chegou. E ela deixou claro que, o que tiver de falar, falará direto"
"Chico é muito discreto. E pessoas quando são ícones públicos ficam
muito vulneráveis. Prefiro não envolvê-lo nessa questão do ministério"
Quando a sra. foi convidada pela presidente Dilma, esperava enfrentar dificuldades tão grandes?
Eu sabia que ia ter problemas porque a cultura é uma área muito irrequieta. O mundo da cultura tem um lado muito personalista. Na primeira conversa com a presidente, falei que essa era uma área que não tem um grande orçamento, mas mexe com muita vaidade e com interesses grandes.
Na medida em que estou podendo esclarecer as coisas, tudo vai se acomodando. Meu compromisso é fazer um trabalho de excelência na
área da cultura.
A sra. acredita que está sendo alvo de fogo amigo?
Claro que quando a gente toma um rumo nem sempre agrada a todos. Estou dando continuidade a muitas coisas que foram feitas na gestão
anterior e aprimorando outras. Sei que algumas alas não estão se sentindo contempladas da mesma forma que antes. E esse chamado fogo amigo vem dessas áreas. Mas estamos dialogando com elas. Acho que foi certa insegurança. Mudança sempre traz insegurança. É impossível contemplar a todos.
Quais são os pontos de maior atrito?
Mudanças de cargos e de pessoas incomodam. Isso deu problema logo de cara e criou desconfiança por parte de alguns grupos. Outra coisa é que eu falei, na posse, da importância do criador para a cultura. E acharam que, se falo muito do criador, estou esquecendo do consumidor. Existe, de fato, uma demanda grande da área de literatura, design gráfico, fotografia, música e cinema. Essas pessoas não estavam se sentindo participantes do processo de formulação do Plano Nacional de Cultura, no governo anterior. Mas depois que falei da Lei do Direito Autoral houve uma grita muito violenta. Foi uma reação muito precipitada.
A postura anterior não protegia o autor, pelo menos como a sra. acha que ele deve ser protegido?
O autor tem todo o interesse em que sua obra chegue ao público. A forma mais usual se dá pelas mídias digitais e internet. Mas, no marco legal da internet que está na Casa Civil, a questão do direito autoral não é clara. No projeto de lei de criação do Plano Nacional de Cultura também está muito vaga. A possibilidade de o sujeito ser músico e não vender disco, de ser escritor e não vender livro, era enorme. Havia um vácuo em relação a esse assunto. Hoje, as pessoas têm ferramentas para copiar e disponibilizar tudo. Meu medo é que isso seja um desestímulo à produção. O criador tem que ter a segurança de que pode se profissionalizar.
A poeira já baixou em seu ministério? Como tem sido sua relação com a presidente Dilma?
É impressionante como, desde a nossa primeira conversa, ela sabe tudo sobre a história da minha vida profissional e minhas posições em vários aspectos. Ela está sabendo com quem está lidando. Falou-se muito de uma eventual insatisfação da presidente. Mas a mim isso nunca chegou. E ela deixou claro que, o que tiver de falar, falará direto.
A sra. tem conversado com seu irmão, Chico Buarque, desde que assumiu o ministério, sobretudo nesses momentos de maior turbulência?
Você sabe que Chico é muito discreto. Ele está produzindo o disco dele. Houve uma campanha também para atingir pessoas. E pessoas quando são ícones públicos ficam muito vulneráveis. Prefiro não envolvê-lo nessa questão do ministério. As discussões que estou abrindo são minhas.
Mas, além de irmão, Chico Buarque passa a imagem de patriarca da família.
Não, pela ordem ele é o quarto irmão. A matriarca mesmo era a minha mãe (Maria Amélia). Ela mandava na família toda. As mulheres têm um peso forte em minha família. Todos éramos muito ligados ao meu pai (Sérgio), mas quem dava as regras sempre foi a minha mãe.
Mas seus irmãos certamente opinam, não?
Nós temos diálogo permanente entre os irmãos. E a preocupação existe. A família inteira ficou preocupada com o grau das dificuldades.
Diz-se até que a sra., na sua carreira profissional, foi certamente protegida pela família, que evitou sua exposição.
Não é assim. Minha família praticamente cresceu em São Paulo, numa casa no Pacaembu e depois na Haddock Lobo. Eu morava em São Paulo. Fui preservada por isso. O Rio de Janeiro é a grande vitrine dos artistas. São Paulo é outro mundo. É impressionante. Você está no Rio, você é um artista brasileiro. Você está em São Paulo, é um artista paulista. Está em Minas, é um artista mineiro. Então, foi um pouco isso.
Sua mãe já tinha morrido quando a sra. foi convidada, mas ela chegou a apoiar Dilma Rousseff?
Dilma ainda não estava oficialmente lançada. Mas no centenário de minha mãe, em janeiro do ano passado, o presidente Lula foi ao Rio acompanhado de alguns ministros, com Dilma junto. Ela já era citada como candidata. Foi a primeira vez que eu estive com Dilma.
Sua família se sentiu atingida pelos ataques?
É evidente que o alvo é minha família. A primeira coisa que levantaram foi: se já teve o Gil, por que não chamou o Chico. É evidente que existe essa associação. Chico é um nome muito forte. A referência que o público teve quando pintou meu nome foi “é irmã do Chico”. Com certeza, a presidente sabia muito mais da minha história. Sabia de fatos da minha vida. Sabia que não tinha nada a ver. Chico é um dos meus irmãos. Meu pai era Sérgio. Dilma sabia de minha vida adulta, o que é outra coisa. Mas para o público externo o que sai é o fato de eu ser irmã do Chico Buarque. E isso está fora do meu controle.
Logo depois de assumir o ministério, houve o episódio da Casa Rui Barbosa, em que a sra. foi chamada de autista pelo sociólogo Emir Sader, um petista histórico. Ficou surpresa?
De fato, eu nem sequer tinha tido oportunidade de dar entrevistas. Claro que foi muito estranho. Mas imediatamente busquei outra solução. Não me senti abalada com o episódio. Foi uma questão de dar tempo ao tempo para as pessoas me conhecerem.
Com o novo presidente da Casa Rui Barbosa, Wanderley Guilherme dos Santos, está tudo certo?
Está ótimo. Wanderley é uma pessoa brilhante, respeitadíssimo no mundo inteiro.
No episódio mais recente, das diárias que teve de devolver, a sra. ficou abalada?
Não, eu sou muito cuidadosa. Quando tenho de permanecer em algum lugar por minha conta, imediatamente troco a passagem. Compro outra do meu bolso, fico e devolvo a diária. O caso foi esclarecido pela própria CGU. Foram quatro dias em que eu não tinha agenda marcada, mas permaneceria na cidade no outro dia. Fizemos uma análise caso a caso com a CGU, que concluiu que está tudo justificado. Não houve nenhum erro legal. Mas a CGU recomendou que eu devolvesse os dias em que não trabalhei. O que fiz. Acontece que eu não tinha opção. A passagem era automaticamente emitida e as diárias estão vinculadas à emissão da passagem. São rotinas de todos os ministérios, do serviço público.
Tudo indica que a informação sobre as diárias partiu do próprio ministério. Faz parte do fogo amigo?
Não sei quem está por trás disso. Mas é claro que os ataques continuam. Outro dia levantaram que eu tinha problemas na Receita Federal. De fato, eu havia sido chamada para apresentar contas de despesas médicas. Levei uma segunda via e resolvi o problema. Mas os repórteres tinham até o número do boletim que eu recebi da Receita. A notícia só não foi publicada porque eu dei as devidas explicações. Isso prova que tem gente investigando minha vida, até minhas declarações de renda.
Daqui para a frente vão deixar a sra. em paz?
Não sei. Em paz, em paz, vai ser difícil, pelo cargo de projeção que ocupo. No início, não sabiam quem eu era. Houve tentativas de me tachar de uma pessoa inadequada para ocupar esse cargo. Acho que já passei por vários testes.
Seu projeto é ficar aqui por quatro anos?
Sim, estamos trabalhando com um projeto para a frente, de médio para longo prazo. Estou trabalhando nesse sentido.