Descolar. A palavra está na moda. No Aurélio, além da gíria, significa desligar, despegar. E é nesse sentido que o governo vem comemorando o sucesso em “descolar” o Brasil da crise argentina. A robustez da economia brasileira, com superávits nas contas federais e câmbio flutuante, que devolveu fôlego às exportações, neutralizou a ressaca do calote vizinho. O que não significa que o País passa impunemente pelo caos argentino. Economistas do próprio governo dizem que a economia brasileira absorveu o impacto da crise argentina por conta dos juros altos e do crescimento medíocre. Os estragos provocados pela retranca econômica não foram poucos. O governo fecha o ano com desemprego em alta e renda em queda. Segundo o IBGE, descontados os movimentos sazonais, o desemprego em novembro foi de 7,2% da população economicamente ativa, contra os 6,9% de outubro. O Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Socio-econômicos) mostra que o salário médio dos trabalhadores da região metropolitana de São Paulo em outubro teve queda de 15,2% em relação a outubro de 2000. “O ajuste pôde ser feito com demissão ou com redução de salário. Na hora de contratar, o empresário está pagando menos para o trabalhador”, diz o diretor-técnico do departamento, Sérgio Mendonça.

O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, usa um adjetivo elegante – “satisfatório” – para definir o sofrível desempenho da economia brasileira neste ano. E, pelo que indicam as previsões, o próximo ostentará uma performance pouca coisa melhor. As projeções de crescimento que surgiram até agora, na casa dos 2,5% do PIB (ninguém se arrisca a endossar os 3% citados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso na última semana), estão aquém do necessário para estancar o aumento do desemprego. Pelas contas de técnicos do próprio governo, para garantir trabalho aos que entrarão no mercado no próximo ano e não deixar o estoque de desempregados aumentar, o País precisaria crescer perto de 4%.

A esperança está na proximidade das eleições, que deve forçar o governo a produzir boas notícias econômicas a partir do segundo semestre, sob pena de pagar nas urnas o preço do conservadorismo. “O governo vai segurar o que puder no início do ano para afrouxar no segundo semestre”, diz o economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas.

A avaliação de Freitas coincide com projeções de economistas do alto tucanato, como os irmãos Luiz Carlos e José Roberto Mendonça de Barros, que prevêem crescimento de 4% no final do ano, e o ex-ministro do Planejamento e deputado Antônio Kandir (PSDB-SP). “A tendência é de melhora contínua nos próximos dois anos”, diz Kandir. Para o deputado Aloizio Mercadante (PT/SP), “isso é ilusionismo econômico”. Na média, diz ele, tudo vai continuar mais ou menos – ou pior – com um PIB abaixo de 2%.

Divergência – As previsões otimistas se embalam na perspectiva de melhora crescente. A consultoria MB Associados, do economista e ex-secretário de Política Econômica José Roberto Mendonça de Barros, prevê crescimento médio da economia de 2,7%. O ano começaria com um trimestre de PIB negativo (-0,4% de janeiro a março). No segundo trimestre a recuperação seria visível, com um crescimento de 2,1%. No terceiro, a taxa subiria para 4,6% e, no quarto, o índice seria de 4,4%. Tudo isso com queda de até dois pontos porcentuais nos juros. O presidente do Banco Central também deixa claro que os juros cairão. Mas economistas da equipe do governo acham que Armínio Fraga doura a pílula. Na visão desses técnicos, aumento de 2,5% do PIB, como prevê Fraga, é até factível, mas com juros médios de 18,5%, apenas meio ponto abaixo dos atuais 19% ao ano, o que é insignificante. E mais. Se o BC resolver baixá-los consideravelmente meses antes das eleições para dar uma ajudazinha ao candidato palaciano, corre o risco de ser obrigado a subi-los novamente logo depois. O País não poderia crescer demais, sob pena de pôr em risco o superávit de US$ 5 bilhões na balança comercial, imprescindível para o equilíbrio das contas externas em 2003. Esta divergência de opiniões antecipa o conflito interno que a política econômica viverá em 2002. Enquanto na equipe econômica Armínio é acusado de dourar a pílula, há no governo quem ache que ele está conservador demais. “A inflação está em queda, os salários, contidos. Eles (o BC) já tinham as condições para começar a reduzir a taxa de juros e não fizeram”, diz um assessor direto de FHC, afinado com a candidatura de José Serra ao Planalto.

O cenário externo não ajuda. A economia mundial está retraída, a China, que acaba de entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC), está em franca ofensiva comercial e países do Leste Europeu devem aderir à União Européia em breve, o que indica que o Brasil enfrentará muita competição para atrair investimentos externos. Sem falar da posição restritiva dos Estados Unidos, que, segundo o Itamaraty, pode prejudicar o acesso de 300 a 500 produtos brasileiros ao mercado daquele país. A crise argentina ajudou a mandar para o beleléu o Mercosul, que daqui para a frente, analisa um ministro de FHC, só vai mesmo valer como uma espécie de grife. Considerando avaliações assim, fica compreensível que, apesar dos discursos otimistas, o governo se esforce para demonstrar ao mercado internacional vigor administrativo. O empenho na aprovação do Orçamento da União referente ao próximo ano, acertado por Fernando Henrique com o Congresso, é um exemplo.

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