A monarca descreve sua cruzada mundial contra a exploração infantil, defende a criação de filhos sem palmada e diz que o povo adora a realeza porque gosta de conto de fadas

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COMO QUALQUER MORTAL
Elegante aos 68 anos, ela faz dieta, mas não resiste a uma feijoada

Ela nasceu na Alemanha, é filha de mãe brasileira, viveu em São Paulo entre a infância e a adolescência e é rainha da Suécia. As raízes múltiplas de Silvia Renate Sommerlath, 68 anos, conhecida como rainha Silvia da Suécia, e o fato de falar seis línguas – alemão, espanhol, inglês, sueco, português e francês, além de dominar a comunicação de sinais para deficientes auditivos –, a capacitam a comandar o desafio internacional que abraçou desde 1999, quando fundou a World Childhood Foundation: combater o abuso e a exploração sexual infantil mundo afora.

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"No Japão, por exemplo, há meninas de classe média
que se prostituem para comprar iPad, smartphones, etc."

A rainha veio ao Brasil na semana passada para divulgar a causa e arrecadar fundos para a Childhood Brasil. No País, a batalha contra esse tipo de exploração tem conseguido mais visibilidade. Desde que o serviço gratuito Disque 100 foi criado, oito anos atrás, mais de 66 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes foram registradas. É em oportunidades como essas que ela mais sente o valor de ser uma monarca, segundo disse em entrevista exclusiva à ISTOÉ. Usar a coroa para dar visibilidade a essa luta é sua real gratificação, garante. Casada há 35 anos com o rei Carlos XVI Gustavo da Suécia, mãe da princesa herdeira Vitória, do príncipe Carlos Felipe e da princesa Madalena, bonita, magra e simpática, a rainha Silvia diz que entende o interesse dos comuns mortais pela vida dos nobres como sendo uma busca por uma referência de conduta.

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"O atleta sueco Patrick Sjoberg (medalhista olímpico) demorou 30
anos para revelar que foi submetido a abuso sexual por vergonha"

ISTOÉ

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A Childhood Brasil tem obtido resultados positivos? 

Rainha Silvia da Suécia

Um dado concreto é o número de ligações do disque-denúncia nacional, que, apenas nos três primeiros meses deste ano, recebeu quatro mil comunicados. Mas a gente sabe que isso é só o topo do iceberg. Nestes doze anos da Fundação Childhood Brasil, o número de casos aumentou muito. Não porque haja mais abuso, e sim porque hoje se fala mais sobre isso, se denuncia mais. E essa é nossa maior vitória, ter conseguido dar visibilidade ao que tenta ser invisível. 

ISTOÉ

O que pode ser feito para estimular as denúncias? 

Rainha Silvia da Suécia

O depoimento protegido é um passo muito importante. É preciso que as crianças se sintam seguras para denunciar o que está acontecendo com elas. Para se sentir segura, ela tem de ser tratada como criança, ser ouvida de forma protegida, humanizada. Estamos implantando salas, ou mesmo casas, com ambiente compatível, brinquedos, lugares onde a vítima infantil é tratada como criança, tem acompanhamento psicológico. Isso é muito importante. Aqui no Brasil, por exemplo, uma criança que sofreu esse tipo de violência física tem de repetir a história, em média, oito vezes – para médicos, juízes, pais, psicólogo, delegado, etc. É mais um trauma, é muita humilhação. 

ISTOÉ

A internet é apontada como propagadora de crimes de pedofilia. Como lutar contra uma tecnologia com poder de sedução assombroso sobre crianças e adolescentes? 

Rainha Silvia da Suécia

Com a internet, de fato, ficou pior ainda. A família acha que as crianças estão seguras brincando dentro de casa, mas não sabe que muitos pedófilos entram em contato com seus filhos por esse canal. O problema é que muitos pais não sabem como lidar com a internet, não sabem manusear o equipamento. As crianças sabem muito mais do que eles. A gente sempre diz aos pais para ensinar os filhos a jamais dizer o nome, dar o endereço, divulgar fotos, contar que está sozinho em casa. Dizemos também para tirar o computador do quarto e botar em um lugar visível da casa, como a sala, a cozinha, onde se possa verificar se eles estão entrando em páginas de pornografia, por exemplo. E limitar o tempo da criança no computador.


ISTOÉ

O que mais pode ser feito? 

Rainha Silvia da Suécia

A família também tem meios de bloquear a pornografia através de softwares. Porém, as maneiras que os pedófilos usam para fazer contato se multiplicam. Já distribuímos mais de 800 mil cartilhas, no Brasil todo, para pais e professores, ensinando como navegar com segurança. Outro dado importante é a adesão de muitas empresas a um software que alerta se um funcionário acessar material pornográfico com crianças. Imediatamente, uma mensagem é mandada para a polícia, que apura, investiga e pune a pessoa. 

ISTOÉ

O abusador costuma ser uma pessoa com distúrbio mental? 

Rainha Silvia da Suécia

Não necessariamente. Na Suécia, tivemos um caso de uma menina que fez amizade virtual com uma Catarina e acabou marcando um encontro. Mas essa Catarina tinha 45 anos, era um homem e a garota foi abusada sexualmente. Depois que a polícia prendeu esse pedófilo, descobriu que ele já tinha feito o mesmo 80 vezes antes. E ninguém denunciou. É triste, é revoltante. Aliás, experts dizem que bastam três contatos pela internet para a gente se considerar amigo. Apenas três! Veja que perigo para um inocente. 

ISTOÉ

É o chamado “muro do silêncio” que permite aos abusadores agir tanto tempo sem ser descobertos? 

Rainha Silvia da Suécia

Sim. A Unicef diz que há 1,2 milhão de casos de abuso de crianças no mundo. Mas não se sabe se esse dado reflete a realidade porque, independentemente do país, essa violência atravessa classes sociais e nem sempre é levada às estatísticas. Não está ligada à pobreza, miséria, ao subdesenvolvimento. Acontece em todas as camadas sociais. 


ISTOÉ

A sra. mora em um país que é líder em democracia e com leis sólidas, como a que proíbe castigos físicos em crianças. Aqui a cultura é diferente. A Childhood trabalha nesse sentido também? 

Rainha Silvia da Suécia

Trabalhamos com os direitos da criança e isso envolve tudo. O passo seguinte da criança que sofre violência doméstica pode ser um abuso. O castigo físico não é o nosso foco. O foco da Childhood é o abuso e a superação. Mas está dentro. E eu acho que não se deve bater em crianças. 

ISTOÉ

A sra. criou três filhos sem nunca dar nem uma palmadinha? 

Rainha Silvia da Suécia

Olha, tenho de que dizer que uma vez quase… (risos). Mas o meu lema é educar sem bater. Dá para conversar, há caminhos. Tem um método muito bom: contar até dez. Depois respirar fundo e, se precisar, contar de novo. Criança sempre quer testar os pais, saber os limites. Na Suécia a cultura é sedimentada: é normal educar sem bater. 

ISTOÉ

O que a motivou a escolher um tema tão delicado como o abuso sexual infantil para defender? 

Rainha Silvia da Suécia

Sempre me interessei por problemas relacionados a crianças e trabalho muito com eles. Meu marido e eu formamos uma fundação para crianças deficientes. Reconheço que o abuso sexual é a luta mais difícil. Me sinto gratificada por ter uma posição que me permite chamar a atenção para essas questões, somar esforços, fazer alguma coisa. Não sou política, não tenho interesse pessoal, mas sou grata por ter a oportunidade de ajudar. 

ISTOÉ

O que ajuda mais a vítima a se recuperar: expor a ferida e enfrentar o preconceito ou esconder? 

Rainha Silvia da Suécia

A superação se dá de maneiras distintas. Neste ano, um atleta sueco muito conhecido, Patrick Sjoberg (medalhista olímpico no salto em altura), escreveu uma biografia, aos 46 anos, na qual revela que havia sido submetido a abuso sexual por seu padrasto e treinador (Viljo Nousiainen) dos 10 anos até a adolescência. Ele demorou todos esses anos para contar porque sentia vergonha e para não machucar a mãe. Depois que ele fez a revelação, outros que foram abusados por essa mesma pessoa também resolveram contar. Quer dizer, é um trauma que muitos carregam a vida toda, mas que, em algum momento, parecem precisar revelar até para se libertar. 

ISTOÉ

A prostituição infanto juvenil é uma violência que tem a ver com a pobreza? 

Rainha Silvia da Suécia

Sim, mas a sociedade de consumo também gerou novas situações. No Japão, por exemplo, há meninas de classe média que se prostituem para comprar iPad, smartphones, etc. Então, essa é uma luta ampla e difícil mesmo. A questão da desigualdade social, da miséria, não está só no Brasil; países ricos também enfrentam o problema, por outra via, mas o mesmo problema. Eu fico muito contente porque mais e mais empresas e entidades se engajam e adotam o código de condutas (para prevenir e denunciar a exploração sexual da criança). 

ISTOÉ

No Brasil também? 

Rainha Silvia da Suécia

Aqui, a Childhood é parceira do governo, de ONGs, comunidades e empresas. Temos um pacto com mais de 900 empresas pelo enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas. É o projeto Na Mão Certa, dirigido a caminhoneiros. 

ISTOÉ

O mundo inteiro parou para assistir ao casamento do príncipe William com a inglesa Kate Middleton. Por que a vida de suas majestades interessa tanto aos não nobres? 

Rainha Silvia da Suécia

Talvez se procure uma figura, um exemplo, e as famílias cujas histórias as pessoas acompanham há anos acabam virando uma referência. Não sei. E todo mundo gosta de casamentos que parecem conto de fadas, não é? 

ISTOÉ

É difícil ter de ser sempre exemplar? 

Rainha Silvia da Suécia

Olha, a possibilidade que eu tenho de ajudar compensa tudo. E eu procuro ser eu mesma, sempre. Não dá para viver no faz de conta, encarnar uma persona e deixar de ser autêntico. Não gosto da palavra poder. Prefiro dizer que tenho a possibilidade de ser útil para chamar a atenção para coisas importantes. E isso é muito bom. 

ISTOÉ

A sra. possui alguma característica brasileira? Qual? 

Rainha Silvia da Suécia

O brasileiro é uma pessoa carinhosa, espontânea, alegre, positiva. Eu tento viver como uma pessoa latina. Espero ter essas características em mim. 

ISTOÉ

A sra. é vaidosa, usa cremes, faz ginástica e dieta? 

Rainha Silvia da Suécia

Sim, sim. Sou como todas as mulheres, me preocupo com a vaidade. Mas dieta eu só faço na minha casa, aqui no Brasil, não. Aqui como tudo o que adoro e sempre tenho saudade, como da feijoada e dos doces maravilhosos. Sou contente por ter a possibilidade de vir sempre ao Brasil. 


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