O desastre do vôo 402 da TAM em outubro de 1996 entrou para a história não só por ser o maior acidente aéreo do Brasil. O processo de indenização, que ainda se arrasta em tribunais brasileiros e americanos, é sem dúvida um dos casos mais polêmicos envolvendo dezenas de advogados e 99 famílias. Não fosse pela guerra deflagrada entre os advogados que cuidam do caso, quase tudo estaria resolvido. No mínimo, 80 parentes de vítimas já receberam suas indenizações por meio de acordo com as empresas responsáveis pelo acidente, a TAM e a Northrop Grumman, fabricante do reverso que derrubou a aeronave. Os outros, porém, ainda brigam na Justiça. Uns por não aceitarem os acordos propostos, outros por estarem envolvidos em litígios domésticos, como os filhos de um executivo morto no desastre que mantinha duas famílias.

Num dos lados do ringue está Renato Guimarães Jr., advogado paulista que entrou na história para defender 26 herdeiros de passageiros mortos no acidente e perdeu mais da metade de seus clientes quando se negou a assinar o acordo proposto pela TAM e a Northrop. Em abril de 2000, elas ofereceram para as 65 famílias que entraram com processo nos EUA valores – de US$ 300 mil a US$ 1,5 milhão – considerados por ele muito baixos em relação ao que poderiam conseguir na corte americana. No outro, estão os profissionais do escritório americano Speiser Krause, contratado para representar os parentes das vítimas na Justiça dos EUA, e a dupla de advogados brasileiros Luiz Roberto de Arruda Sampaio e Rosana Malatesta Pereira, que substituiu Guimarães nos processos das famílias que preferiram fechar o acordo e receber o dinheiro rápido.

Guimarães representa as poucas famílias que ainda esperam suas indenizações. Em suas idas e vindas aos EUA, encontrou num dos volumes do extenso processo depoimentos de funcionários da TAM colhidos no Brasil, em reunião informal. “Sem carta rogatória às autoridades brasileiras, eles vieram aqui, fizeram uma reunião secreta
e invadiram a soberania do nosso Poder Judiciário”, reclama ele. Colher depoimentos de testemunhas e produzir provas em audiências sem a presença de um juiz é válido na legislação americana e trata-se de prática corriqueira na esfera privada e conhecida como “affidavit”, esclarece a professora da USP Maristela Basso, especialista em Direito Internacional. O problema, segundo Guimarães, é que as tais provas beneficiaram apenas uma das tantas viúvas envolvidas no caso: Linda Andrews, americana que perdeu o marido no acidente e autora do único processo que foi julgado pelos tribunais daquele país. “Quero o mesmo direito para os outros”, defende Guimarães. “Os processos das viúvas brasileiras foram suspensos nos EUA porque o juiz entendeu que o
Brasil não é uma anarquia e que existe um Judiciário. Logo, os casos deveriam ser resolvidos aqui”, rebate Luiz Eduardo Arena Alvarez, advogado da TAM. Quanto à audiência secreta, alfineta: “É um
processo americano e os advogados vieram tomar os depoimentos aqui.
O que tem a Justiça brasileira a ver com isso? Essas provas não valem aqui, mas são aceitas nos EUA. Eu estive nessas reuniões, feitas em
São Paulo, no Hotel Mofarrej.”

A viúva Sandra Assali, presidente da Associação Brasileira dos Parentes de Vítimas de Acidentes Aéreos, diz que o erro de Guimarães foi ter decidido sozinho que não aceitaria acordo, traindo, segundo ela, as famílias que queriam receber o dinheiro. “O acordo deveria ser assinado pelas 65 famílias juntas. A maioria tinha filhos e precisava sustentá-los, não podia esperar. Ele atrasou o acordo em seis meses com a recusa. Acabou perdendo seus clientes e ficou ressentido”, ataca ela.