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SUTIÃS – a mensagem deve alertar para a necessidade do autoexame dos seios, para que se facilite a detecção de sinais de câncer de mama
CALCINHASa etiqueta deverá advertir sobre a importância do uso de preservativo como forma de prevenção de câncer de colo de útero e do exame periódico para as mulheres com vida sexual ativa

Poucas são as vezes em que, ao escolher uma peça íntima para vestir, alguém repara na etiqueta. Esse pequeno detalhe, presente em calcinhas, sutiãs e cuecas que informa, principalmente, o tamanho do produto, porém, foi o canal escolhido para alertar a população sobre os perigos do câncer de mama, de próstata e de colo de útero. O Pro­jeto de Lei 261, que tramita no Congresso há 12 anos e já havia sido aprovado pelo Senado, passou, na terça-feira 10, pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Assim, poderá virar lei se a Presidência da República sancioná-lo nesta semana.

Ainda que seja louvável a intenção da classe política de querer alertar sobre doenças campeãs em mortalidade – os tumores de mama e colo são o primeiro e segundo mais fatais entre as brasileiras e o de próstata, entre os homens, só perde para o de pele não melanoma–, o canal escolhido para fazer as advertências é despropositado. “Muita gente corta a etiqueta assim que adquire o produto. E tem informações que saem da etiqueta na primeira vez que ela é lavada”, afirma Maria do Socorro Maciel, diretora de mastologia do Hospital A. C. Camargo, instituição referência em câncer. “Melhor prevenir educando crianças na escola do que alertar por meio de uma etiquetinha.”

Mais do que isso, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), sancionar a lei significa transferir para o setor privado uma responsabilidade que cabe ao poder público. “O governo, com os impostos que recolhe, deveria cuidar das campanhas educativas”, reclama Fernando Pimentel, diretor superintendente da Abit. “É nonsense imputar aos produtos que não são causadores da doença a responsabilidade desse trabalho.” De fato, é plausível que caixas de cigarro, só para dar um exemplo semelhante, tragam alertas sobre os malefícios do consumo. Afinal, trata-se da embalagem do produto que faz mal à saúde. Nenhuma pessoa, porém, irá contrair câncer por vestir calcinha, sutiã e cueca. “A roupa íntima é o melhor meio para fazer o alerta? Talvez sim, talvez não. Mas suscitar o debate também é um dos objetivos da lei”, defende o ex-deputado Barbosa Neto, o autor do projeto.

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CUECAS – passa a ser obrigatória a fixação de etiquetas com advertência sobre a importância dos homens com mais de 40 anos fazerem o exame periódico para a detecção precoce do câncer de próstata

Secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Goiânia, ele admite que os fabricantes das roupas íntimas não têm a obrigação da prevenção, mas insiste na necessidade de haver uma cumplicidade de responsabilidades. Pimentel, da Abit, se diz solidário à causa, mas se opõe ao projeto também pelo fato de a entidade não ter sido consultada. “Deveria ser proposto às empresas que voluntariamente quisessem aderir ao alerta um desconto em encargos previdenciários, por exemplo. Mas é uma compulsoriedade o que querem fazer. Não podemos considerar o aumento de custo dessa forma.” No ano passado, foram produzidas mais de um bilhão de peças de moda íntima no País.

Está previsto que, se não houver nenhum recurso em cinco dias após a aprovação na Câmara, o texto que exige o alerta nas roupas íntimas segue para sanção presidencial. Uma vez sancionado, fabricantes e comerciantes teriam seis meses para fazer constar o alerta nas etiquetas. Mais: as punições para quem descumprisse a norma vão desde a apreensão do produto à suspensão da fabricação dele (leia abaixo). A Abit, segundo seu diretor, procurou, por meio de líderes de sua frente parlamentar, o deputado João Paulo Cunha, presidente da CCJ. Irão entrar com um recurso propondo um debate da questão.

Para Daniela Khauaja, coordenadora de marketing na pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a estratégia do Congresso é fora de contexto. “Qualquer ação de consumo tem de se fazer presente no momento em que o consumidor esteja aberto para escutar a mensagem”, diz. “A pessoa não está com vontade de ler isso quando compra uma lingerie.” Segundo ela, é importante alertar, mas de forma inteligente. Um bom exemplo é a campanha “O câncer de mama no alvo da moda”. Nasceu nos Estados Unidos, pelas mãos do estilista e empresário Ralph Lauren e foi abraçada mundo afora. Fazer uma advertência a doenças – que, juntas, matam por ano 29 mil pessoas no País – em um detalhe de roupa que passa desapercebido na maior parte do tempo não parece ser uma solução criativa e funcional.

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