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A Secretaria de Estado da Saúde (SES) diz que promoverá “justiça social”. O Ministério Público e várias entidades, entre elas o Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems) e o Sindicato dos Médicos (Simesp), discordam dessa tese. Afirmam tratar-se de uma ilegalidade. O centro da polêmica é a Lei Complementar nº 1.131, que direciona até 25% dos atendimentos em hospitais públicos administrados por Organizações Sociais (OSs) a pacientes particulares ou que têm convênio, sancionada pelo então governador Alberto Goldman (PSDB) no final de 2010. OSs são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos. A previsão é de que a lei entre em vigor neste ano.

“Já existe um inquérito em andamento. Esses hospitais foram construídos com recursos públicos e não pode haver tratamento desigual entre as pessoas que têm dinheiro e as que não têm”, relata o promotor de Justiça Arthur Pinto Filho. “Esse sistema, na prática, criará a dupla porta. Uma, provavelmente mais rápida, para usuários particulares e de planos, e a outra para quem depende exclusivamente do SUS. Isso é inconstitucional.”

O governo paulista alega que a lei é necessária porque cerca de 20% dos pacientes atendidos nesses hospitais têm convênio e, apesar disso, são tratados gratuitamente. Seria uma forma de corrigir essa distorção e levantar mais recursos para financiar o sistema de saúde para toda a população. Esses argumentos, no entanto, não convencem os especialistas. Já existe uma lei esta­dual e outra federal que permitem que o SUS cobre dos planos os valores gastos com seus clientes. Embora as empresas lancem mão de medidas administrativas e judiciais para se livrar do pagamento, se há problemas, o mais lógico é que a legislação seja aperfeiçoada. “Estamos trabalhando nisso”, afirma Helvécio Magalhães, do Ministério da Saúde. “A iniciativa de São Paulo não é positiva porque diminuirá a oferta de leitos do SUS. Quem conhece gestão hospitalar sabe que é difícil que não haja privilégio. Não há como garantir que um paciente do SUS que precise fazer um exame mais do que um cliente de plano será atendido antes.”

Segundo um levantamento feito pela SES, os 20 hospitais estaduais gerenciados por Organizações Sociais na capital e na grande São Paulo gastam R$ 468 milhões por ano com atendimento gratuito a pessoas que têm planos de saúde. Metade dessa despesa vem do Instituto do Câncer, a maior unidade do Estado administrada por uma OS. Outros 13 hospitais dirigidos por essas entidades funcionam no interior paulista. Procurado durante três dias consecutivos, o secretário de Estado da Saúde, Giovanni Cerri, não atendeu à reportagem de ISTOÉ. A assessoria de imprensa da pasta afirma que “o contrato de gestão deverá assegurar tratamento igualitário entre os usuários do Sistema SUS e do Iamspe e os pacientes particulares ou usuários de planos de saúde privados”. Cid Carvalhaes, presidente do Simesp, afirma que há mais de 40 dias tenta marcar uma audiência com o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Sem sucesso. “Essa lei fere o princípio de universalidade no acesso aos serviços de saúde que é defendido pelo SUS”, diz.

Uma das ideias do governo paulista é firmar contratos com os planos para definir como será o atendimento nos hospitais públicos e determinar parâmetros para os pagamentos por esses serviços. “Essa lei está fadada a distorções e é uma privatização escancarada. É comum não ter vaga em hospital de referência quando ligamos pedindo. Porém, se o paciente for pessoalmente e disser que tem convênio, consegue vaga”, diz Arthur Chioro, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo.

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O principal argumento de defesa da lei é que ela aumentaria os recursos para atendimento a pacientes do SUS. A questão é saber como e quando esses recursos serão aplicados e qual será seu impacto na qualidade dos serviços. E é aí que se apresenta uma espécie de caixa de pandora, que começa a ser aberta. Na semana passada, o Tribunal de Contas do Município (TCM) aprovou um relatório sobre a atuação da organização social Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), ligada à Universidade Federal de São Paulo (o órgão fiscalizador irá examinar os 28 contratos firmados desde 2008 para gestão da saúde municipal).

A SPDM administra 21 unidades hospitalares e ambulatoriais do Estado e de alguns municípios paulistas. Após analisar os dados da SPMD relativos ao período 2008/2009, o TCM concluiu que houve falta de planejamento por parte da OS. “Apenas 29,76% do dinheiro recebido pela entidade para cuidar das unidades municipais da capital foi gasto com o custeio dos serviços prestados”, diz o conselheiro Maurício Faria, relator da auditoria. Outra evidência para a falta de planejamento foi o investimento de apenas 0,58% do valor repassado para ser gasto em reformas, adaptação de unidades e aquisições de equipamentos. “Os recursos foram represados. Deveriam ter sido utilizados em ações de saúde”, diz Faria. Uma das explicações dadas pela Secretaria Municipal de Saúde ao Tribunal é a de que, no primeiro ano de atividade, a OS precisou se adaptar. Procurada por Istoé, a SPDM respondeu que aguarda a publicação do relatório do TCM para se manifestar.

O desempenho de outra entidade que atua no âmbito estadual e municipal, o Seconci (Serviço Social da Construção Civil de São Paulo), foi o primeiro a ser analisado pelo TCM. O órgão observou o mesmo represamento dos recursos e a dificuldade de comprovar os resultados. No caso do Seconci, 67% dos recursos ficaram sem uso em aplicações financeiras. Até 2009, a entidade não havia assumido o gerenciamento de 14 das 31 unidades que deveria administrar. O Seconci contesta o relatório do TCM e aguarda a decisão do tribunal.

O TCM também questiona a falta de rigor da Prefeitura na fiscalização do dinheiro destinado às OSs. “Esses recursos representam cerca de 40% do orçamento municipal para a saúde”, diz Faria. Uma das falhas apontadas pelo tribunal foi a inexistência da chamada Comissão de Acompanhamento e Fiscalização, que deveria ter sido criada pela secretaria para receber as informações das OSs que gerenciam o dinheiro público a elas destinado. Como ela não existia, as informações foram recebidas por diversas áreas técnicas da secretaria. No final do ano passado, por pressão do TCM, a comissão foi criada. Desde então reuniu-se apenas uma vez.

Para o TCM, é possível perceber a ausência de controle do que ocorre com as verbas públicas destinadas às parcerias público-privadas. Procurado por ISTOÉ, o secretário de Saúde da cidade de São Paulo, Januário Montone, não quis dar entrevista. Por meio de sua assessoria de imprensa, a SMS informou que está dentro do prazo para apresentação de recurso ao TCM. Tudo isso faz pensar em qual será o destino de mais recursos a ser geridos pelas OSs. “Os objetivos pretendidos por meio da parceria com as Organizações Sociais estão muito aquém das metas previstas”, conclui Faria em seu relatório. No Tribunal de Contas do Estado não há relatórios semelhantes em andamento.

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