Não se assuste se as primeiras cenas e sequências de Seja o que Deus quiser (Brasil, 2003) lembrar o bem-sucedido Cidade de Deus. É só o início de uma história trepidante, que traça um painel crítico, irônico e muito bem-humorado da classe média, o único segmento da sociedade brasileira que se distancia em moral, conceito e atitude da hierarquização da favela, já que a classe alta conserva os mesmos padrões, só que com dinheiro e glamour. No enredo do diretor e roteirista Murilo Salles, Cacá (Ludmila Rosa) é uma deslumbrada repórter da MTV, que, com sua equipe e furgão, sobe o morro do Alemão, no Rio de Janeiro, para gravar um especial com um grupo pop local. Na sua missão de repórter protegida pelo bem da música, Cacá se depara com PQD, interpretado por Rocco Pitanga, irmão da beldade Camila Pitanga. Diante dos atributos corporais do rapper negro, a repórter esquece que namora Zé Henrique (Marcelo Serrado) e deixa seus sinos baterem. Não precisa muito para ela ir ao barraco do sujeito boa-praça com a desculpa de ouvir seu CD demo e depois se meter numa terrível confusão, terminando por acusar PQD injustamente.

PQD não se conforma. Vai a São Paulo atrás da moça e acaba esbarrando em Nando (Caio Junqueira), irmão fanfarrão de Cacá, cuja única preocupação momentânea é arranjar dinheiro para comprar um lote de ecstasy. Ao ver aquele “negão forte do Comando Vermelho”, Nando só imagina usá-lo como ferramenta para seu intento. Aí o filme de Murilo Salles desenha todos os vícios, taras, clichês, preconceito e egoísmo da classe média, representada pelo garoto e sua turma clubber e pela sua mãe falida, papel de Marília Pêra. Situações patéticas explodem na tela fazendo o espectador refletir se divertindo.