Lançar mão de alfinetadas alusivas à vida real na construção de um livro de ficção é um recurso que, quando bem utilizado, garante que pelo menos todos os possíveis aludidos, seus amigos e, principalmente, seus inimigos, vão correr para a livraria mais próxima. O quinto romance de Patrícia Melo, Valsa negra (Companhia das Letras, 224 págs., R$ 32), é um bom exemplo. Ao usar como cenário o mundo no qual se movimenta com intimidade doméstica – o dos bastidores das orquestras –, a irrequieta escritora paulista conquista previamente um grande número de leitores, que vão tentar identificar as figurinhas carimbadas do meio erudito que inspiraram a ficção.

A história, mesmo para quem nunca ouviu falar em spallas e não tem nenhuma intimidade com uma batuta, é charmosa o bastante para
reter a atenção do leitor. Fala do romance de um maestro, regente
de uma importante orquestra brasileira, que vive com uma violinista
judia, 30 anos mais jovem que ele e pela qual alimenta um ciúme doentio. É a evolução desta doença que acaba transformando o amor de um dia em puro ódio e cega obsessão, a matéria-prima da valsa negra do título que envolve e arrasta para o caos todos os envolvidos. Na prática, a morte circula por todas as páginas do livro como fio condutor de uma sinfonia inacabada. Nessa história, ninguém tem o direito de ser feliz. Todos sofrem no mesmo diapasão, cada um carregando sua carga,
no perfil da sua própria neurose.